05/01/2011 - 21:00
Em 1950, o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) cunhou a expressão “Complexo de vira-lata” para tentar explicar a derrota da Seleção Brasileira de Futebol para o Uruguai.
Para ele, o brasileiro sempre se colocava voluntariamente em uma situação de inferioridade diante dos estrangeiros. As sucessivas vitórias no futebol fizeram os brasileiros riscar rapidamente essa máxima de seu vocabulário.
Força Mundial: no acumulado janeiro-novembro os investimentos das empresas brasileiras no Exterior somaram US$ 20,3 bilhões
Na seara econômica, contudo, foi preciso muito mais tempo. Somente nos últimos oito anos é que um grande número de empresários percebeu que poderia competir em pé de igualdade com as gigantes globais.
Até então, o processo de internacionalização era marcado por ações isoladas como as da Alpargatas, fabricante das sandálias Havaianas, ou mesmo da Gerdau, que atravessou a fronteira em direção ao Uruguai, em 1980, com a compra da Siderúrgica Laisa. A essa lista devem ser acrescidas a Sadia e a Seara, que desbravaram mercados na Ásia e no Oriente Médio.
E a Embraer, que enfrentou, e bateu, a canadense Bombardier no segmento de jatos regionais. Nos últimos oito anos, no entanto, o volume de negócios feitos por brasileiros lá fora só fez crescer.
Foram tacadas espetaculares como a aquisição da canadense Inco pela mineradora Vale, em 2006, por US$ 13,2 bilhões, ou a incorporação da americana Pilgrim’s Pride pela brasileira JBS-Friboi, em setembro de 2009, por US$ 2,8 bilhões.
Também houve espaço para iniciativas aparentemente simples, mas com resultados surpreendentes, como a abertura de um escritório de representação em mercados-chave. Foi o que fez a Suzano Papel e Celulose em 2007, em Xangai, centro financeiro da China.
Hoje, os 18 funcionários que dão expediente no local respondem por 33% das vendas totais da companhia, estimadas em cerca de R$ 4 bilhões para este ano. De fato, os investimentos do Brasil no Exterior seguem elevados.
No acumulado janeiro-novembro eles somaram US$ 20,3 bilhões, montante 492,5% maior em relação a igual período do ano passado. Um conjunto de fatores explica a postura cada vez mais arrojada de nossos empresários e gestores de estatais.
Entre eles, a estabilidade da economia, a desvalorização do dólar e, por que não, as inúmeras viagens ao Exterior feitas pelos dois últimos presidentes do País, Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva, nos últimos 16 anos.
“A política de multilateralidade do governo federal ajudou. Aliado a ela, o cenário econômico permitiu que as empresas traçassem planos de longo prazo e o BNDES passou a financiar aquisições”, disse à DINHEIRO Antonio Maciel Neto, presidente do Grupo Suzano.
Sem dúvida, a postura de “caixeiro viajante” adotada pelo presidente Lula fez a diferença. Especialmente em mercados emergentes ou países que estavam fora do radar tradicional das corporações brasileiras.
Um bom exemplo é a África. Somente nesse continente, o presidente esteve 12 vezes e visitou 27 países. O desdobramento pode ser visto na balança comercial. As exportações para a África saltaram de US$ 2,4 bilhões, em 2002, para os US$ 8,4 bilhões previstos para este ano.
Fenômeno semelhante aconteceu em relação à Venezuela. As 13 viagens de Lula ao país vizinho ajudaram a fomentar os negócios, e a venda de mercadorias e serviços avançaram de US$ 798,9 milhões para US$ 3,5 bilhões.
A lista inclui obras de grande envergadura, como o metrô de Caracas, tocado pela Odebrecht Engenharia. Apesar de possuir uma longa trajetória internacional, iniciada em 1979, boa parte das obras em execução fora do Brasil segue o roteiro percorrido pelo presidente Lula.
“A política de diversificação de nossos parceiros comerciais foi muito eficiente e deve continuar”, disse à DINHEIRO Welber Barral, secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento.
“O perdão de dívidas de países africanos e a abertura de linhas de crédito também colaboraram para esse resultado”, destaca José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Ação defensiva: para escapar de medidas hostis, a Gerdau comprou, em 1989, a Courtice Steel,
negócio que deu origem à Gerdau Ameristeel, que atua na América do Norte
A força do capitalismo brasileiro no cenário global foi medida por um estudo recém-divulgado pela Fundação Dom Cabral. A pesquisa da instituição mineira destaca alguns fatos curiosos. Um deles é que muitas empresas já obtêm mais de metade de suas receitas lá fora (ver tabelas).
O trabalho mostra ainda que a participação do Brasil não se restringe às chamadas commodities. As empresas de tecnologia também estão mais agressivas. A lista inclui Stefanini IT Solutions, Ci&T Software e Bematech.
A primeira reforçou sua presença no Exterior em dezembro ao adquirir a americana TechTeam. A transação consumiu US$ 94 milhões, envolveu uma disputa com outras sete companhias.
“Apesar da barreira do idioma, os brasileiros têm capacidade de prestar serviços na área de tecnologia”, destaca Marco Stefanini, fundador e presidente da Stefanini IT Solutions.
Na avaliação de Castro, presidente da AEB, em muitos casos, a adesão das corporações brasileiras à globalização se deve a questões de ordem prática. Setores tradicionalmente acusados de dumping, como o siderúrgico, ou de produzir em condições consideradas ambientalmente insustentáveis viram na aquisição de empresas lá fora a única forma de furar esses bloqueios.
Outro fator foi o próprio crescimento da economia doméstica. Ao contrário do que aconteceu na Europa e nos Estados Unidos, o Brasil sentiu pouco os efeitos da crise global de 2008.
E a experiência forjada em um cenário de sucessivas crises econômicas e hiperinflação ajudou os empresários e gestores a lidar com problemas desse tipo e identificar oportunidades.
Uma delas foi a aquisição do Burger King, em setembro, pelo 3G Capital, comandado pelo trio Jorge Paulo Lemman, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. “O capitalismo do século XXI vem sendo marcado por mudanças profundas e que acontecem de forma muito rápida.
E já ficou evidente para os empresários brasileiros que eles só terão chance de crescer se entrarem no jogo global”, diz o economista Olavo Henrique Furtado, coordenador de pós-gradução da Trevisan Escola de Negócios.