Em 1950, o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) cunhou a expressão “Complexo de vira-lata” para tentar explicar a derrota da Seleção Brasileira de Futebol para o Uruguai. 

Para ele, o brasileiro sempre se colocava voluntariamente em uma situação de inferioridade diante dos estrangeiros. As sucessivas vitórias no futebol fizeram os brasileiros riscar rapidamente essa máxima de seu vocabulário. 

 

60.jpg

Força Mundial: no acumulado janeiro-novembro os investimentos das empresas brasileiras no Exterior somaram US$ 20,3 bilhões

 

Na seara econômica, contudo, foi preciso muito mais tempo. Somente nos últimos oito anos é que um grande número de empresários percebeu que poderia competir em pé de igualdade com as gigantes globais. 

 

Até então, o processo de internacionalização era marcado por ações isoladas como as da Alpargatas, fabricante das sandálias Havaianas, ou mesmo da Gerdau, que atravessou a fronteira em direção ao Uruguai, em 1980, com a compra da Siderúrgica Laisa. A essa lista devem ser acrescidas a Sadia e a Seara, que desbravaram mercados na Ásia e no Oriente Médio. 

 

E a Embraer, que enfrentou, e bateu, a canadense Bombardier no segmento de jatos regionais. Nos últimos oito anos, no entanto, o volume de negócios feitos por brasileiros lá fora só fez crescer. 

57.jpg

 

Foram tacadas espetaculares como a aquisição da canadense Inco pela mineradora Vale, em 2006, por US$ 13,2 bilhões, ou a incorporação da americana Pilgrim’s Pride pela brasileira JBS-Friboi, em setembro de 2009, por US$ 2,8 bilhões.  

 

Também houve espaço para iniciativas aparentemente simples, mas com resultados surpreendentes, como a abertura de um escritório de representação em mercados-chave. Foi o que fez a Suzano Papel e Celulose em 2007, em Xangai, centro financeiro da China. 

 

Hoje, os 18 funcionários que dão expediente no local respondem por 33% das vendas totais da companhia, estimadas em cerca de R$ 4 bilhões para este ano. De fato, os investimentos do Brasil no Exterior seguem elevados. 

 

No acumulado janeiro-novembro eles somaram US$ 20,3 bilhões, montante 492,5% maior em relação a igual período do ano passado. Um conjunto de fatores explica a postura cada vez mais arrojada de nossos empresários e gestores de estatais. 

 

Entre eles, a estabilidade da economia, a desvalorização do dólar e, por que não, as inúmeras viagens ao Exterior feitas pelos dois últimos presidentes do País, Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva, nos últimos 16 anos. 

 

55.jpg

 

“A política de multilateralidade do governo federal ajudou. Aliado a ela, o cenário econômico permitiu que as empresas traçassem planos de longo prazo e o BNDES passou a financiar aquisições”, disse à DINHEIRO Antonio Maciel Neto, presidente do Grupo Suzano. 

 

Sem dúvida, a postura de “caixeiro viajante” adotada pelo presidente Lula fez a diferença. Especialmente em mercados emergentes ou países que estavam fora do radar tradicional das corporações brasileiras. 

 

Um bom exemplo é a África. Somente nesse continente, o presidente esteve 12 vezes e visitou 27 países. O desdobramento pode ser visto na balança comercial. As exportações para a África saltaram de US$ 2,4 bilhões, em 2002, para os US$ 8,4 bilhões previstos para este ano. 

 

Fenômeno semelhante aconteceu em relação à Venezuela. As 13 viagens de Lula ao país vizinho ajudaram a fomentar os negócios, e a venda de mercadorias e serviços avançaram de US$ 798,9 milhões para US$ 3,5 bilhões. 

 

A lista inclui obras de grande envergadura, como o metrô de Caracas, tocado pela Odebrecht Engenharia. Apesar de possuir uma longa trajetória internacional, iniciada em 1979, boa parte das obras em execução fora do Brasil segue o roteiro percorrido pelo presidente Lula. 

 

“A política de diversificação de nossos parceiros comerciais foi muito eficiente e deve continuar”, disse à DINHEIRO Welber Barral, secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento. 

 

“O perdão de dívidas de países africanos e a abertura de linhas de crédito também colaboraram para esse resultado”, destaca José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). 

 

59.jpg

Ação defensiva: para escapar de medidas hostis, a Gerdau comprou, em 1989, a Courtice Steel,

negócio que deu origem à Gerdau Ameristeel, que atua na América do Norte

 

A força do capitalismo brasileiro no cenário global foi medida por um estudo recém-divulgado pela Fundação Dom Cabral. A pesquisa da instituição mineira destaca alguns fatos curiosos. Um deles é que muitas empresas já obtêm mais de metade de suas receitas lá fora (ver tabelas). 

 

O trabalho mostra ainda que a participação do Brasil não se restringe às chamadas commodities. As empresas de tecnologia também estão mais agressivas. A lista inclui Stefanini IT Solutions, Ci&T Software e Bematech. 

 

A primeira reforçou sua presença no Exterior em dezembro ao adquirir a americana TechTeam. A transação consumiu US$ 94 milhões, envolveu uma disputa com outras sete companhias. 

 

58.jpg

 

“Apesar da barreira do idioma, os brasileiros têm capacidade de prestar serviços na área de tecnologia”, destaca Marco Stefanini, fundador e presidente da Stefanini IT Solutions. 

 

Na avaliação de Castro, presidente da AEB, em muitos casos, a adesão das corporações brasileiras à globalização se deve a questões de ordem prática. Setores tradicionalmente acusados de dumping, como o siderúrgico, ou de produzir em condições consideradas ambientalmente insustentáveis viram na aquisição de empresas lá fora a única forma de furar esses bloqueios. 

 

Outro fator foi o próprio crescimento da economia doméstica. Ao contrário do que aconteceu na Europa e nos Estados Unidos, o Brasil sentiu pouco os efeitos da crise global de 2008. 

 

E a experiência forjada em um cenário de sucessivas crises econômicas e hiperinflação ajudou os empresários e gestores a lidar com problemas desse tipo e identificar oportunidades. 

 

56.jpg

 

Uma delas foi a aquisição do Burger King, em setembro, pelo 3G Capital, comandado pelo trio Jorge Paulo Lemman, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. “O capitalismo do século XXI vem sendo marcado por mudanças profundas e que acontecem de forma muito rápida. 

 

E já ficou evidente para os empresários brasileiros que eles só terão chance de crescer se entrarem no jogo global”, diz o economista Olavo Henrique Furtado, coordenador de pós-gradução da Trevisan Escola de Negócios.