No dia 23 de junho, os eleitores britânicos deverão votar contra ou a favor da permanência do Reino Unido na União Europeia. As pesquisas de opinião na quinta-feira 16 mostravam uma leve preferência pela saída, apelidada de Brexit (leia mais na página 28). Ainda não é possível cravar essa possibilidade como irrefutável, devido à taxa elevada de indecisos. Cerca de 13% dos eleitores poderão mudar de ideia. Porém, a mera possibilidade de cortar os liames com o Continente vem afetando profundamente o mercado financeiro inglês. Desde o início do ano, a libra esterlina depreciou-se em 3,8% frente ao dólar. Nos últimos 12 meses, até a quinta-feira 16, as ações britânicas perderam cerca de 8% do seu valor. Isso deve continuar. Segundo uma pesquisa do Deutsche Bank, a libra poderá depreciar-se mais 9% em relação ao dólar até o fim deste ano. E a convicção dos investidores é que uma separação poderia custar caro. “As empresas britânicas perderiam seu acesso privilegiado a um dos maiores mercados consumidores do mundo”, diz Jeffrey Evans, prefeito da City de Londres.

A incerteza fez um velho conhecido dos ingleses cancelar sua aposentadoria: o megainvestidor húngaro naturalizado americano George Soros, que ficou famoso em 1992 ao “quebrar” o Banco da Inglaterra. Depois de encerrar seu Quantum Fund em 2011 e prestes a completar 86 anos, ele vinha se dedicando a fiscalizar a gestão dos US$ 30 bilhões do dinheiro da família. Porém, no início de junho, Soros voltou ao comando direto do negócio. E os analistas acreditam que ele vai, de novo, apostar contra a moeda britânica, que poderá perder mais valor ainda em relação ao dólar e ao euro devido à vitória do Brexit.

Ele também está bancando a ideia de que outros países europeus deverão abandonar a União Europeia, o que poderá provocar uma fuga de parte dos trilhões investidos em euros para ativos seguros, entre eles o ouro. “Quando há incerteza sobre os juros americanos, a economia dos Estados Unidos e a permanência da Inglaterra na União Europeia, as pessoas ficam nervosas e vendem ações, títulos de renda fixa e petróleo”, diz o analista de mercado Hamza Khan, do banco ING em Nova York. “Em um cenário como esse, o ouro é uma boa ideia.”

A busca por proteção começou há algumas semanas. Na quinta-feira 16, os contratos futuros de ouro negociados em Nova York fecharam a US$ 1.318 a onça-troy (31,1 gramas), maior cotação desde julho de 2014. E há espaço para maiores altas, se os eleitores de outros países europeus resolverem discutir o assunto em voga nos pubs de Londres. Com base nesse raciocínio, Soros passou as últimas semanas vendendo grandes lotes de suas ações e comprando não apenas ouro metálico, mas títulos das mineradoras. Um exemplo é o da canadense Barrick Gold, a maior mineradora de ouro do mundo. Segundo os formulários enviados às autoridades americanas, Soros investiu US$ 380 milhões ao longo do primeiro trimestre na compra de 19 milhões de ações da empresa. Pelas contas de especialistas americanos, só em maio essa posição rendeu ao bilionário US$ 90 milhões em lucros.

Oportunidades como essas, geradas pela possibilidade de um desmonte fragoroso da União Europeia, fizeram Soros voltar à mesa de operações. A expectativa do mercado é que ele repita sua tacada mais famosa, de setembro de 1992. Naquela época, a Inglaterra vinha mantendo a libra valorizada demais em relação às moedas europeias. Soros apostou dez bilhões de libras esterlinas em uma desvalorização cambial. No dia 16 de setembro daquele ano, seu fundo vendeu libras até esgotar as reservas do Banco da Inglaterra, forçando o Reino Unido a desvalorizar o câmbio. Soros ganhou, sozinho, um bilhão de libras. Agora, não há uma paridade formal a ser defendida pelo Banco da Inglaterra, mas o impacto pode ocorrer em outro lugar. Pelas contas dos economistas, a cada quatro pontos percentuais de depreciação da moeda, a inflação no Reino Unido pode subir em 1%, forçando uma alta dos juros e desarticulando o já precário equilíbrio monetário do continente.

Não será, porém, sua única aposta. Na quarta-feira 15, o Federal Reserve (o banco central americano) reuniu-se e, de novo, manteve os juros estáveis nos Estados Unidos, à espera de sinais mais claros da economia. Essa letargia tem hora para acabar. “Os juros nos Estados Unidos vão começar a subir, é só uma questão de tempo, mas essa alta é inevitável”, diz o economista Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central.

Essa decisão terá um impacto devastador sobre as ações de empresas de países emergentes. Os maiores mercados, Brasil em especial, são pesadamente dependentes de capital internacional. Com juros americanos mais altos e a possibilidade de uma contração dos negócios na Comunidade Europeia, há uma probabilidade crescente de uma baixa nas ações de países emergentes. Soros, claro, também vai arriscar para tentar petiscar nesses mercados. Pelas contas dos analistas, mercados acionários menores como os do Leste Europeu e dos países da Ásia. Um alvo que provavelmente vai entrar na mira é a China. “Há uma tensão por mudanças na economia e na política, cujas consequências sobre o mercado podem ser imprevisíveis”, diz Loyola. Isso coloca esses papéis na alça de mira de Soros. “O movimento de alta do mercado acionário está praticamente esgotado nos Estados Unidos, e esse parece ser um movimento global”, disse ele em uma rara entrevista ao The Wall Street Journal no início de junho. Para bom entendedor, meio trilhão basta.