A plateia de 16 mil pessoas reunidas no estádio de futebol de Hangzhou, na região de Xangai, na China, vibra quando os acordes da música tema do desenho infantil Rei Leão, da Disney, começam a ser tocados. No palco, surge um homem magérrimo de óculos escuros, com pouco mais de 1,5 metro de altura. Ele veste uma peruca de cabelos longos branca, da qual sai uma crista vermelha semelhante à de um galo de briga. Os espectadores mais uma vez vão ao delírio, quando ele canta os primeiros versos da canção escrita pelo compositor britânico Elton John.

Ao contrário do que possa parecer, essa apresentação não foi feita em um concerto de rock. O astro da noite também não é um roqueiro famoso ou mesmo um cover. Mas, para os participantes da AliFest, tradicional evento anual de funcionários e parceiros do site chinês de comércio eletrônico Alibaba, o baixinho esquisitão é um pop star. O cantor que veste uma roupa vermelha com detalhes em preto atende pelo nome de Jack Ma e tem 50 anos de idade. Ele fundou o Alibaba, em 1999, no quarto de seu apartamento, ali mesmo em Hangzhou. Os concorrentes o chamam de louco, pelas suas performances extravagantes, que deixam no chinelo as de Steve Ballmer, o ex-CEO da Microsoft.

“Ele, na verdade, é muito carismático e um grande comunicador”, diz Duncan Clark, chairman da consultoria americana BDA, que o conhece pessoalmente. Mas esse ex-professor de inglês, que foi reprovado duas vezes em sua tentativa de cursar a universidade em sua terra natal, entrou para a galeria dos gênios da internet com a histórica abertura de capital de sua empresa de comércio eletrônico na Bolsa de Nova York (Nyse). Na quinta-feira 18, o Alibaba divulgou que levantou US$ 21,8 bilhões, no maior IPO da história dos Estados Unidos, superando a captação da Visa, em 2008.

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No mundo, esse valor só está atrás do obtido por dois bancos chineses: o Agricultural Bank of China e o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC), que arrecadaram, respectivamente, US$ 22,1 bilhões e US$ 21,9 bilhões. Nenhum deles, no entanto, nasceu valendo tanto quanto o Alibaba, cuja capitalização chegou a US$ 168 bilhões. A título de comparação, o Facebook surgiu com um valor de mercado de US$ 81,2 bilhões. Na sexta-feira 19, quando começaram a ser comercializados, os papéis do Alibaba abriram a US$ 92,70. Por volta das 13 horas, eram cotados a US$ 98, alta de 44%. O valor de mercado atingiu US$ 241 bilhões, apenas US$ 5 bilhões a menos do que o Walmart, maior rede varejista do mundo, e mais do que Facebook, Amazon, eBay e Cisco.

Por que o Alibaba vale tanto? Os números superlativos de sua operação ajudam a explicar esse frenesi em torno da varejista virtual. A China conta com 300 milhões de consumidores online. O Alibaba detém 231 milhões deles. Suas encomendas representam mais de 60% de todos os pacotes entregues no país. No ano passado, seus principais negócios movimentaram US$ 248 bilhões, mais do que Amazon e eBay somados. No Dia dos Solteiros, melhor data do comércio eletrônico chinês, os parceiros do Alibaba venderam US$ 5,8 bilhões, mais do que no Cyber Monday americano, que gerou US$ 2,3 bilhões aos cofres de centenas de varejistas que participaram do saldão online.

Não faltam dados para demonstrar o gigantismo da companhia de Ma. Um deles, no entanto, faz os olhos dos investidores brilharem. Apesar de faturar US$ 8,4 bilhões, muito menos do que a Amazon e o eBay, o Alibaba lucrou R$ 3,7 bilhões em seu exercício fiscal de 2013, que terminou em março deste ano. Sua margem líquida é de incríveis 43%. Na Amazon, por exemplo, esse índice é de minguados 0,37%. No eBay, 18%. O Alibaba consegue esse desempenho por ser tipicamente um intermediário. Provavelmente, o maior do mundo. Ele conta com diversos marketplaces para consumidores e empresas, que ganham dinheiro cobrando taxas para que os vendedores promovam seus produtos em seu caótico bazar online.

ALÉM DA MURALHA O Alibaba é quase onipresente na China, que abriga a maior população de internautas do planeta, com 618 milhões de usuários. Lá, a companhia de Ma domina 80% do varejo online. De suas vendas, 84% são concentradas no país. Embora tenha compradores em mais de 190 nações, o comércio internacional representa apenas 12% de suas receitas. No começo desta semana, durante seu tour global com investidores, Ma surpreendeu um grupo de jornalistas no lobby do Hotel Ritz-Carlton, em Hong Kong, com uma visão clara sobre seu projeto de crescimento.

“Espero que sejamos uma companhia global”, disse Ma, em seu inglês impecável. “Depois de abrirmos o capital, vamos nos expandir agressivamente na Europa e na América.” A boa notícia para o Brasil é que o País será uma peça-chave dessa estratégia para expandir as fronteiras do Alibaba para além da Grande Muralha. Em seu prospecto de abertura de capital, a empresa afirmou que as vendas no mercado brasileiro ajudaram o negócio de varejo internacional a crescer 139% em seu último ano fiscal. DINHEIRO apurou que funcionários do Alibaba visitam o País com frequência e que têm se encontrado com investidores e banqueiros.

“Eles conversam, conversam, conversam, mas não dizem muita coisa”, afirmou uma fonte, que esteve com um grupo de três executivos da varejista chinesa, recentemente. “Dá para perceber que estão preocupados com a questão logística.” Nos últimos 12 meses, o Alibaba experimentou também um crescimento gigantesco de seus sites no Brasil. Em agosto, ele já era a sétima maior audiência entre as operações de comércio eletrônico, à frente de nomes locais tradicionais, como Magazine Luiza e Livraria Cultura, e de potências internacionais, como o eBay, de acordo com a consultoria americana comScore.

O número de usuários do AliExpress, página que conta com uma versão em português e que vende produtos de atacadistas chineses, saltou de 1,7 milhão para 8,2 milhões, em um ano, alta de 382%. “Se o seu negócio é digital, o Brasil precisa estar na primeira onda de expansão internacional”, diz Alex Banks, vice-presidente para a América Latina da comScore. Quem está comprando pelo AliExpress são consumidores como a carioca Juliana Hansen, 21 anos. Dona de um blog de moda de baixo custo, ela trocou o eBay pela varejista chinesa. “Compro mais do AliExpress porque ele deixa pagar com boleto”, diz.

“O mais chamativo é o preço.” Juliana, por exemplo, pagou R$ 50 por um óculos de sol, um quarto do que custaria o mesmo modelo, caso fosse adquirido aqui. Já o desenvolvedor web da pequena empresa BonaBee, Marcelo Siqueira, 35 anos, diz ter trocado as incursões ao Paraguai pelas compras na gigante chinesa. “Compro peças de informática, itens para fabricar cerveja artesanal e brinquedos”, afirma Siqueira, que vive em Dourados (MS), perto da fronteira com o Paraguai. “Demora uns dois meses para chegar, mas vale a pena esperar.”

Pela variedade e pelo preço baixo, o Alibaba pode criar problemas aos varejistas locais. “O Alibaba pode se tornar uma ameaça às empresas que vendem produtos de baixo valor agregado, como moda, roupa, calçados e tênis”, diz Pedro Guasti, diretor-geral da consultoria e-bit. De fato, já existem centenas de pequenas lojas virtuais especializadas em comercializar produtos de fornecedores chineses. Uma das que lucram em cima das pechinchas do AliExpress é a Cherry Pop, de produtos femininos, como esmaltes e pulseiras, da curitibana Aline Vitvaszyn, 22 anos. “O custo é imbatível”, afirma.

O CROCODILO DO RIO YANGTSÉ Ma nasceu em Hangzhou, em 1964. Foi o segundo de três filhos. Seus pais eram artistas de pingtan, uma técnica tradicional de narrativa musical. Quando tinha 10 anos, ele ia de bicicleta até o Hangzhou Hotel para praticar inglês com turistas estrangeiros. Formou-se em pedagogia, em 1988, e arranjou um emprego de US$ 14 ao mês, para lecionar no Instituto de Engenharia Eletrônica de Hangzhou. Sua primeira viagem aos Estados Unidos data de 1995. Na ocasião, conheceu a internet. Ao fazer uma pesquisa com a palavra “cerveja”, Ma não encontrou nenhuma referência a produtos chineses. Foi então que, ao retornar para casa, criou a China Pages, um diretório de empresas para vender ao exterior.

Em 1996, a China Pages foi pressionada a formar um joint venture com a Hangzhou Telecom, em um acordo que colocou o governo no controle. O Alibaba surgiu três anos depois. Em 21 de fevereiro de 1999, Ma convidou 17 amigos e fez uma longa palestra explicando a razão pela qual a China precisava de uma grande empresa de internet. O nome foi escolhido porque todo mundo conhecia a história de Alibaba. “Ele é um jovem que está disposto a ajudar os outros”, contou tempos depois. Logo de cara, conseguiu investimentos do banco Goldman Sachs e da empresa japonesa de internet Softbank, que, hoje, detém 34% das ações do Alibaba e não as vendeu no IPO. Em 2003, o eBay resolveu entrar na China.

Tratava-se de uma grande ameaça a Ma. Ele, então, criou o Taobao para se defender. Sua estratégia foi não cobrar nada de quem usava o site para vender. “O eBay pode ser um tubarão no oceano, mas eu sou um crocodilo do rio Yangtsé”, afirmou na época, no que é considerada uma de suas frases mais célebres. “Se lutarmos no oceano, vamos perder, mas, se lutarmos no rio, vamos ganhar.” Três anos depois, o eBay bateu em retirada. Agora, cabe a Ma, que já provou que sabe brigar em seu terreno, demonstrar que aprendeu combater nas águas salgadas do mar. Se conseguir, o estádio de futebol de Hangzhou será pequeno para suas performances extravagantes.

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Próxima parada, Nova York

Por que empresas brasileiras começam a buscar as bolsas americanas para abrir o capital

Em dezembro deste ano, ou no máximo no primeiro trimestre de 2015, a Cnova vai abrir o capital na bolsa eletrônica Nasdaq, em Nova York. A companhia de comércio eletrônico criada a partir da união dos ativos online do grupo Pão de Açúcar e do francês Casino pode pavimentar o caminho para que outras empresas brasileiras escolham realizar o seu IPO nos Estados Unidos. A meta da Cnova é conseguir entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões, atingindo um valor de mercado que pode chegar a R$ 27 bilhões. Por esse motivo, a operação do Alibaba foi acompanhada com lupa pelos executivos envolvidos com a captação.

Os múltiplos dessa transação podem turbinar ainda mais essa operação franco-brasileira. Por que a Cnova escolheu abrir o seu capital nos Estados Unidos? Há duas razões, segundo fontes de mercado. A principal delas é que a companhia quer ser reconhecida como uma empresa de tecnologia, e não apenas de internet. E não há melhor lugar do mundo para receber essa chancela do que a Nasdaq ou a Bolsa de Nova York (Nyse), que reúnem as principais companhias de tecnologia do mundo, como Apple, Google, Facebook, Amazon, Intel, Twitter, entre tantas outras listadas. “Elas passam a ter visibilidade global”, diz Alex Ibrahim, vice-presidente da Nyse para a América Latina.

O segundo motivo é o escasso apetite dos investidores brasileiros por ativos tecnológicos. Na BM&FBovespa contam-se nos dedos as companhias dessa área, como a Totvs e a Linx. “O mercado americano está muito receptivo às empresas de tecnologia”, diz uma fonte do setor. Analistas e investidores ouvidos pela DINHEIRO acreditam que há quatro candidatas a cruzar a linha do Equador e abrir o capital nos Estados Unidos. São elas a operação online de artigos esportivos Netshoes, o site de moda Dafiti, a agência online de viagens Hotel Urbano e o comércio eletrônico de itens para crianças Bebê Store.

Procuradas, só o Hotel Urbano, fundado por João Ricardo Mendes, Roberta Antunes e José Eduardo Mendes, confirmou o plano. “Nos Estados Unidos os investidores estão muito mais acostumados a assumir os riscos inerentes ao setor”, afirma Joel Rennó Jr., diretor financeiro e de desenvolvimento estratégico do Hotel Urbano. Segundo ele, as condições atuais apontam para um IPO em alguma das bolsas americanas. Ex-EBX, a combalida holding do empresário Eike Batista, Rennó Jr. foi contratado no começo deste ano para ajustar processos internos, mirando uma abertura de capital. Os planos são de estrear no pregão dentro de 15 a 24 meses.