Os funcionários das 95 corretoras autorizadas a negociar ações, derivativos, moedas e commodities na BM&FBovespa sentiram a diferença no início de março. Depois de dois meses de preparação, a BM&FBovespa Supervisão de Mercado (BSM), organismo da bolsa dedicado à autorregulação e que divide com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a fiscalização das corretoras e de seus funcionários, inaugurou uma nova forma de auditar o mercado. “Pelo método antigo, nós realizávamos uma auditoria anual, que fiscalizava o movimento dos três meses anteriores”, diz Marcos Torres, superintendente da BSM. “Agora, auditamos 100% das operações realizadas por 100% dos clientes em 100% das corretoras, todos os dias.”

 

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A troca da lupa logo se fez sentir: em março, 3.533 dos cerca de 1,9 milhão de operações realizadas por pessoas vinculadas às corretoras (diretores, corretores, agentes autônomos e seus familiares mais próximos) foram consideradas fora de padrão, em sua maioria por erros operacionais – Torres evita cuidadosamente classificá-las como irregulares. O volume foi pequeno, equivalente a apenas 0,18% das transações. Em um dos episódios, porém, a BSM detectou uma tentativa de manipular preços e a corretora está sofrendo um processo administrativo. Discreto, Torres não comenta nomes nem especifica se a peraltice foi realizada com ações, com derivativos ou com commodities. 

 

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Raymundo Magliano Neto, da corretora Magliano: ”O número de corretoras

deverá reduzir-se à metade.”

 

No entanto, sua mensagem é clara. “Agora temos mais ferramentas, sistemas e inteligência para fiscalizar o que é realizado no mercado.” Os números da BSM indicam que a mensagem foi bem compreendida. Em julho, após cinco meses de atuação, o volume de operações com problemas caiu para 48, apenas 0,0025%. “Sabemos que ocorrência zero é algo praticamente impossível, mas essa é a meta que perseguimos”, diz Torres. Fiscalização mais rígida e aumento das exigências demandam controles mais precisos por parte das corretoras, elevando os gastos. “Não é exagero dizer que os custos de observância, ou seja, as despesas para cumprir as regras, mais que dobraram desde 2007”, diz Eduardo Lobo Fonseca, diretor da tradicional corretora paulista Souza Barros. 

 

Esse aperto vem no pior momento possível: em julho, a média diária de negócios foi de R$ 5,1 bilhões em ações, uma queda de 4% em relação ao mesmo mês de 2011. Somem-se custos maiores com receitas menores e o resultado é um mar vermelho nos números das corretoras, especialmente as independentes, que não estão ligadas a grandes bancos ou a instituições financeiras internacionais. No quarto trimestre de 2011, segundo o Banco Central, de 45 empresas, 14 perderam dinheiro (leia quadro ao final da reportagem).Entender o que vem ocorrendo requer uma breve volta a 2007. O último ano antes da crise foi um divisor de águas para o mercado. Nele, a bolsa concluiu seu processo de desmutualização, deixando de ser uma espécie de clube aristocrático pertencente às corretoras – não por acaso, seu apelido informal era “clube do charuto”. 

 

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Marcos Torres, da BM&FBovespa: ”Nossa meta é o zero estatístico

nas operações irregulares no mercado.”

 

Ela também abriu seu capital, em uma oferta pública de ações que trouxe, de uma só vez, 268 mil novos participantes ao mercado, antes de fundir-se à BM&F, no ano seguinte. Todos esses eventos afetaram a ordem das coisas. Muitos serviços prestados graciosamente pela bolsa às suas antigas sócias, as corretoras, passaram a ser cobrados. A princípio, essa novidade não incomodou muito. Além de terem embolsado generosas boladas, as corretoras vislumbravam um mercado comparável aos maiores do mundo. A meta oficial da bolsa era ter cinco milhões de pessoas físicas cadastradas até 2013. Atualmente, depois de rondar 600 mil pessoas, o número estabilizou-se ao redor de 500 mil usuários – que vêm fazendo menos negócios, por sinal. 

 

A combinação entre má sorte e excesso de entusiasmo foi fatal para as corretoras. “Elas estão pagando o preço de uma aposta equivocada”, diz Fonseca. “Em 2007, muitos acreditavam que os negócios dobrariam em poucos meses, e reduziram suas comissões para ganhar mercado.” O caso mais emblemático foi o da coreana Mirae, que chegou ao Brasil com a estratégia de cobrar apenas R$ 2,99 por operação. A meta de Martin Lee, principal executivo da Mirae, era chegar no azul em cinco anos. “Agora, acho que vamos demorar pelo menos sete anos, pois os resultados não têm sido tão bons quanto esperávamos”, diz ele. “Tenho de ficar explicando isso para a matriz o tempo todo.” 

 

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Marvin Lee, da corretora coreana Mirae: ”Vamos demorar

mais tempo para chegarmos ao azul.”

 

Como resultado, várias corretoras estão procurando maneiras de reduzir os custos e aumentar as receitas. Uma das fórmulas tem sido a de procurar associações. Em maio, a gestora de recursos Plural Capital, de ex-sócios do Banco Pactual, comprou a corretora Geração Futuro, que enfrentava problemas de sucessão após o falecimento de seu fundador, Edmundo Valadão. Poucas semanas depois, a corretora independente paulista Planner e a Prosper, associada ao grupo carioca Peixoto de Castro, anunciaram uma joint venture. Quem conhece o mercado garante que mais garrafas de champanhe serão abertas em breve. “Todo mundo está conversando com todo mundo, buscando associações e acordos operacionais”, diz Raymundo Magliano Neto, diretor-presidente da tradicional corretora Magliano. 

 

Alguma aquisição no radar, com a também tradicional Spinelli, por exemplo? “Não quero citar nomes, há muitas conversas, mas ainda não temos nada sério no horizonte.” Segundo o executivo, o acordo ideal é aquele que envolve empresas fortes em mercados diferentes – como a união entre uma corretora de ações com outra dedicada ao câmbio e aos mercados futuros, por exemplo, e em geral envolvendo as casas independentes, com menos fôlego financeiro para atravessar os períodos de crise. O clube do charuto terá muito menos frequentadores, no futuro próximo. “Acredito que metade das corretoras em atividade terá de buscar alguma associação em breve”, diz Magliano. 

 

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