Os vinhos de guarda sobrevivem a décadas de envelhecimento e evoluem na garrafa com o passar do tempo. Somente ao abri-los o gourmet saberá se vai degustar uma bebida memorável ou não. Claro que é preciso tomar alguns cuidados. A garrafa deve ser armazenada em um lugar adequado, com condições ideais de umidade, luminosidade e temperatura. O mesmo deve acontecer com os investimentos em previdência. É preciso paciência e cuidado para, lá na frente, o investidor não ficar com gosto de vinagre na boca. Por isso, quem pretende ingressar em um fundo de previdência neste ano deve levar em conta que a economia mudou e essas mudanças terão repercussões profundas em qualquer estratégia financeira que visa o longo prazo.

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A mudança mais visível está na taxa básica de juros. Até há pouco, os fundos aplicavam o dinheiro do poupador em papéis de renda fixa como títulos do governo e obtinham bons resultados. Agora, a realidade é outra, e os gestores precisarão ser mais agressivos para obter bons ganhos. Isso quer dizer que o poupador terá de correr mais riscos na hora de aplicar seu dinheiro, e não descarta-se a hipótese de que algumas safras de resultados sejam muito ruins. Para ajudar o cliente em sua escolha, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) fez uma mudança na classificação dos fundos e deixou mais claro como o gestor aplica o dinheiro. Ficou mais transparente qual é o limite de papéis de renda variável nos quais o fundo pode investir, como se vê nas tabelas a seguir.

 

A redução dos juros e a elevação dos riscos também vai dar mais trabalho para os investidores, que terão de dedicar mais tempo à análise das alternativas. O consultor Luiz Jurandir Simões de Araújo, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), afirma que investir em previdência é como adquirir um imóvel, uma decisão que tem de ser observada cuidadosamente, de vários ângulos. “É preciso pensar nos problemas”, diz Simões de Araújo. “Se a pessoa não gosta de barulho, não vai querer morar no centro da cidade.” Da mesma forma, um investimento em previdência deve considerar não só o ganho, mas também os riscos. “Todo gerente deve apresentar claramente para os investidores as vantagens e as desvantagens dos diferentes fundos”, diz. 

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Miguel Leôncio Pereira, advogado e professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), da USP, avalia que o investidor de previdência de forma geral é avesso ao risco, pois quem tem previdência privada está no mercado de renda fixa. “Poucos fundos investem até 49% em renda variável, mesmo que isso esteja previsto nos regulamentos.” Para ele, os riscos devem ser considerados de maneira ampla. Por exemplo, se o investidor for muito mais velho que seus filhos, um seguro-educação pode ser mais importante do que uma previdência privada. “O participante pode mudar de um plano para outro a cada 60 dias.” A indústria de previdência privada aberta arrecadou R$ 41,4 bilhões entre janeiro e outubro de 2011. 

 

Um resultado 19,6% superior sobre o verificado em igual intervalo do ano anterior, segundo a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi). “O percentual é pequeno e deve crescer nos próximos anos”, diz Márcio Simas, diretor da Icatu Vanguarda, gestora ligada à Icatu Seguros. Para ele, os agentes de mercado já projetam o gerenciamento de R$ 1 trilhão em recursos em 2019. A estratégia dos bancos e fundos é buscar clientes tanto na alta renda, como nas classes C e D. Segundo Simas, ainda há um espaço para lucrar com os juros elevados. “Podemos pensar em papéis atrelados à inflação, por exemplo.” A Icatu Seguros, que captou cerca de R$ 950 milhões no ano passado, espera captar 30% a mais este ano.

 

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Também pensando na expansão dos seus ativos, Roseli Machado, gestora da Fator Administração de Recursos, diz que os fundos de previdência conseguiram boa rentabilidade com juros. Contudo, daqui para a frente, será preciso aumentar as aplicações em ações. O fundo que Roseli administra permite-lhe que destine até 20% dos recursos à bolsa. “Nos últimos anos, não chegamos a esse percentual, mas aumentaremos a compra de ações assim que a bolsa apresentar um desempenho mais claro”, afirma ela.

No maior banco privado do Brasil, o Itaú Unibanco, o diretor-executivo de previdência, Osvaldo do Nascimento, espera ganhos similares aos de 2011, neste ano. “O ano será conturbado, mas o nosso negócio é de longo prazo”, diz. 

 

Para aumentar sua musculatura, o banco deve focar seus esforços no público de alta renda. “Muitas vezes, os planos de previdência são utilizados para fazer a sucessão patrimonial da família, principalmente, pela vantagem tributária”, diz Nascimento. Mas eles não querem desprezar a baixa renda, constituída por pequenos poupadores, na faixa dos R$ 50 a R$ 100 por mês. “A classe C e D já realizou a necessidade de consumo e agora começa a planejar a velhice”, diz. Pensando nisso, o banco alterou sua forma de atuar. O Itaú concentrou em uma mesma diretoria os investimentos de previdência, ações e poupanças. “Com isso podemos orientar os clientes sobre os investimentos de curto, médio e longo prazo de forma mais fácil”, diz Nascimento.

 

Para Márcio Matos, superintendente de investimentos da Brasilprev, empresa de previdência do Banco do Brasil, é necessário antecipar movimentos econômicos para planejar as estratégias do fundo. “Em 2007 já se vislumbrava que o Brasil seria seguro para investir e, por isso, criamos um produto um pouco mais exposto à renda variável”, afirma Matos. “Naquele momento, previmos a queda da taxa de juros também.” Por isso, uma das carteiras da Brasilprev que mais se destacam no grupo é a que trabalha com o risco proporcional: hoje, um fundo que vence em 2020, possui 29% de ações; se o vencimento ocorrer em 2040, a fatia da renda variável será de 49%. “Assim mesclamos rentabilidade e proteção dos ativos”, afirma o executivo.

 

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