O pior cenário para qualquer comerciante é vender e não receber pelo produto vendido. Para evitar a inadimplência, o comércio desenvolveu, há décadas, sistemas para rastrear e identificar os maus pagadores. Esses sistemas prestam um serviço tão essencial para os empresários do balcão quanto a eletricidade ou, mais recentemente, a internet. 

 

Ou seja, um serviço que vale dinheiro. Muito dinheiro. Não por acaso, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) está dando os primeiros passos para abrir o capital do Serviço Central de Proteção ao Crédito, o SCPC. Fundada há 116 anos, a entidade prepara-se para transformar a “lista negra” do crédito num negócio estimado por seus dirigentes em pelo menos R$ 1 bilhão. 

 

98.jpg

Alencar Burti: nova empresa será formalizada em novembro

 

O SCPC vai virar uma sociedade anônima, a Boa Vista Serviços. “O acordo para formar a nova companhia será assinado no dia 3 de novembro”, disse à DINHEIRO Alencar Burti, o presidente. “O SCPC vai transformar-se em uma empresa que oferecerá seus serviços no mercado”, explicou Guilherme Afif Domingos, vice-presidente.

 

Os banqueiros de investimento já programaram visitas à sede da associação, localizada na rua Boa Vista, centro velho de São Paulo. É lá que funciona o Impostômetro, painel que estima o volume de impostos pagos durante o ano no Brasil. O cadastro da associação é alimentado pelos seus 27 mil usuários, estabelecimentos que vendem a crédito e instituições financeiras. 

 

99.jpg

Afif Domingos: companhia vai vender serviços ao mercado

 

Segundo estimativas do economista-chefe da instituição, Marcel Solimeo, há mais de 100 milhões de registros de adimplência e inadimplência no SCPC. As receitas vêm da cobrança pelas cinco a seis milhões de consultas que os lojistas fazem ao banco de dados por ano. “Hoje, grande parte da farta concessão de crédito ao consumidor, inclusive para as classes mais baixas, se deve à existência deste serviço”, afirma Solimeo.

 

Este ano, o volume de crédito às pessoas físicas chegou a R$ 518 bilhões em setembro, o que dá uma dimensão da importância do serviço. O SCPC tem uma fatia de mercado de 22%. O maior concorrente é a Serasa Experian, com 60%. A Serasa, por sinal, era um serviço da Febraban, a entidade dos bancos, que virou uma empresa independente e foi vendida em 2007 à irlandesa Experian. 

 

Ela pagou R$ 2,3 bilhões por 65% do capital, valor que anima os dirigentes da associação comercial. Segundo especialistas, as empresas que prestam serviços de cadastro de maus pagadores têm tudo para ficar entre as favoritas dos investidores. “Essas companhias têm demanda cativa e ela só tende a crescer”, diz o professor de finanças Ricardo Torres, da Brazilian Business School. As margens de lucro do varejo estão mais estreitas e, por isso, as perdas com inadimplência são cada vez menos suportáveis. Cadastros como o SCPC ajudam as lojas e as instituições financeiras a crescerem com saúde.

100.jpg

Para transformar o SCPC num negócio à parte, foi feito um acordo societário, concluído em meados de outubro. O serviço passou a ter novos sócios: o fundo de participações TMG Capital, a Câmara dos Dirigentes Lojistas de Porto Alegre, o Clube dos Dirigentes Lojistas do Rio de Janeiro e a Associação Comercial do Paraná. A participação de cada um não foi confirmada, mas espera-se que a associação paulista mantenha 65% do capital e o fundo TMG, 25%. 

 

A Boa Vista Serviços será presidida por Dorival Dourado, executivo vindo da Serasa Experian. O mais difícil será convencer todos os usuários de que a transformação valerá a pena. Não há unanimidade. “Somos uma entidade de classe. Com a mudança de associação para empresa, os custos para os lojistas vão aumentar”, reclamou à DINHEIRO o presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS), Vítor Koch. A entidade optou por desfiliar o braço de Porto Alegre, que teria vendido o banco de dados de crédito no Estado à ACSP, por R$ 16 milhões.

 

Colaborou Jaqueline Mendes