04/09/2015 - 20:00
Desde novembro de 2013, a indústria automotiva vem promovendo demissões religiosamente, a cada mês, sem exceção. De lá para cá, cerca de 25 mil trabalhadores, a maioria deles altamente qualificados, foram postos no olho da rua. O desemprego no setor é a ponta mais cruel de uma grave crise que atinge as montadoras e o setor de autopeças, num momento em que a capacidade de produção é inversamente proporcional à confiança do consumidor. As vendas, em 2015, estão caindo mais de 20%. Para piorar, os bancos contraíram o crédito e elevaram os juros, com receio da inadimplência dos clientes, diante do aumento do desemprego. Com estoques abarrotados, a indústria continua demitindo, deteriorando o clima econômico, o que deixa as instituições financeiras e os consumidores mais cautelosos, num interminável círculo vicioso.
Premidos pela gravidade da situação, os representantes de 10 mil operários da Mercedes-Benz, reunidos em assembleia, em São Bernardo do Campo, fecharam um acordo, na terça-feira 1, para reduzir os salários em 10% e a jornada de trabalho em 20%. É um cenário completamente diferente daquele observado no início desta década, em que os sindicatos de metalúrgicos conseguiam reajustes muito acima da inflação, além de polpudos bônus. A contrapartida do acordo é a estabilidade no emprego durante 12 meses e a revisão, pela montadora, da decisão de demitir 5% dos funcionários. “Estamos felizes pelas famílias e pelos nossos funcionários”, diz Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil, que não prevê recuperação do mercado de veículos comerciais no ano que vem.
A ausência de perspectivas no curto prazo e a certeza de que o governo não vai tirar nenhum coelho tributário da cartola, dado o quadro de penúria fiscal, levaram os principais executivos da cadeia automotiva, incluindo o setor financeiro, a unirem forças numa mobilização inédita. O primeiro encontro, realizado na segunda-feira 31, em São Paulo, teve a participação de representantes da Anfavea (montadoras), da Fenabrave (concessionárias), da Fenauto (veículos usados), do Sindipeças (fornecedores), da Abac (consórcios), da Febraban (bancos), da Anef (bancos das montadoras) e da Acrefi (financeiras). O clima amistoso só foi quebrado quando o presidente do Sindipeças, Paulo Butori, cobrou das instituições financeiras mais ousadia e menos lucro. “Os bancos ganham muito dinheiro com risco baixo”, afirmou Butori. Representando a Febraban, o diretor Leandro Vilain observou que a legislação ainda dificulta o processo de localização e apreensão de veículos das pessoas inadimplentes. “Isso gera perdas da garantia do empréstimo”, disse Vilain.
Por sua vez, o presidente da Fenabrave, Alarico Assumpção Jr., destacou que o percentual de aprovação dos financiamentos para carros é de apenas 30%. No segmento de motos, míseros 15%. “Além do crédito, o maior problema do setor é a falta de PIB”, afirma Assumpção Jr., referindo-se ao encolhimento da economia brasileira. “Enquanto a taxa de desemprego não parar de subir e a renda média real não parar de cair, não há solução para a crise”, diz Decio Carbonari, presidente da Anef. Para Paulo Roberto Rossi, presidente da Abac, a retração do crédito abre espaço para outras modalidades de financiamento. “A indústria automotiva precisa olhar os consórcios como algo estratégico”, diz.
Em 2013, no melhor desempenho da história, foram vendidos 3,8 milhões de veículos, no País. Neste ano, com a crise, o setor comercializará um milhão de unidades a menos. “O mercado precisa cair na real, pois foi inflado com baixa de impostos e crédito abundante”, diz Érico Ferreira, presidente da Acrefi. Líder do movimento de união, o presidente da Anfavea, Luiz Moan, é mais otimista: “Se o PIB crescer 3% ao longo de 20 anos, vamos ter um mercado de sete milhões de unidades”, afirma.” Essa conta, é claro, só começará em 2017, já que o ano que vem deve ser ainda muito difícil.