23/09/2016 - 20:00
O presidente da Mundial S.A, Michael Ceitlin, acusado de corrupção e organização criminosa pela Operação Zelotes em 15 de setembro, não é um desconhecido para a Polícia Federal (PF) nem para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Há quatro anos, o principal executivo da empresa de alicates e talheres ganhou as manchetes. A razão foi uma alta inexplicada de 3.000% das ações em apenas cinco meses, por suspeitas de manipulação. As suspeitas eram de que a alta, apelidada de “bolha do alicate”, havia sido provocada por negociações de ações entre acionistas que se conheciam.
Ao puxar os preços, eles atraíram novos investidores, elevando o volume de negócios na Bolsa de Valores. Se o movimento durasse tempo suficiente, as ações da Mundial passariam a fazer parte do Índice Bovespa, criando uma demanda cativa. No entanto, a alta acabou tão subitamente quanto havia começado, e as cotações caíram 98%, lesando os minoritários. As suspeitas levaram a uma investigação da PF e do Ministério Público Federal (MPF), que indiciou Ceitlin e outras dez pessoas por manipulação de mercado, processo que ainda não foi julgado.
A CVM fez uma investigação paralela, mas não chegou a nenhuma conclusão. Nos registros da autarquia, Ceitlin aparece mais três vezes. Um processo de 2013 aponta uma irregularidade nos demonstrativos financeiros. A Mundial não informou os investidores dos riscos de não recuperar os R$ 272 milhões emprestados à coligada Hércules. Outro problema é a contabilização indevida de créditos tributários incertos. Em português: nos balanços, a Mundial garante que tem restituição de imposto a receber antes de a discussão com o Leão ter acabado.
Julgado em maio, o processo gerou multas de R$ 1,5 milhão para Ceitlin e outros dois diretores, Marcelo Fagondes de Freitas e Julio Cesar Camara. A decisão final cabe ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), o chamado “conselhinho”, vinculado ao Ministério da Fazenda. Em 2014, a CVM abriu mais dois processos. Em um deles, problema é o mesmo: contabilização de créditos tributários incertos nos demonstrativos financeiros de 2009 a 2011. O caso foi arquivado mediante a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) por Ceitlin e outros executivos, que pagaram multas de R$ 150 mil em junho de 2015.
No outro, a CVM apura a responsabilidade do acionista controlador, de Ceitlin e de integrantes do Conselho de Administração na suposta manipulação de mercado e uso de informação privilegiada. No processo mais recente, de setembro deste ano, Ceitlin, o diretor financeiro Paulo Ricardo de Moraes Machado e outras cinco pessoas não ligadas à Mundial são suspeitos de terem participado de supostas fraudes em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) realizados entre 2008 e 2010.
A chamada Operação Zelotes apura se contribuintes multados corromperam conselheiros do Carf para decidir a seu favor nos julgamentos do Conselho, a última instância de defesa contra as mordidas do Leão. Dois procuradores do Ministério Público, Frederico Paiva e Herbert Mesquita, acusam José Ricardo Silva, então conselheiro do Carf, de ter negociado um voto em favor da Mundial em um processo de 2010. A decisão teria gerado um prejuízo de R$ 43 milhões aos cofres públicos. Brigar com o Leão não é novidade para a Mundial.
O Formulário de Referência mais recente da própria companhia lista 62 processos envolvendo impostos na Justiça. Em nenhum dos casos a Mundial provisionou recursos em caso de derrota nos tribunais. O advogado Rafael Villac, sócio do escritório Peixoto & Cury Advogados, avalia que o usual é que as companhias reservem 30% do valor das causas. “Não reservar nada é, no mínimo, estranho”, diz ele. Procurado pela DINHEIRO, Ceitlin não concedeu entrevista.
Em nota, Danilo Knijnik, advogado do executivo, negou que Ceitlin “tenha contratado escritórios de advocacia supostamente envolvidos em ilicitudes junto ao Carf ou efetuado pagamentos a eles”. Knijnik informou que seu cliente não foi ouvido sobre as acusações, e disse esperar que a Justiça rejeite as “imputações indevidas”. Nesse meio tempo, Ceitlin terá muito o que fazer. A Mundial amargou um prejuízo de R$ 84 milhões no primeiro semestre. O Conselho deve aprovar, no dia 29 de setembro, a captação de R$ 50 milhões por meio da emissão de debêntures simples.
Correção: o advogado Rafael Villac é sócio do escritório Peixoto & Cury Advogados, e não do escritório Renato Cury, conforme publicado.