Durante os dois mandatos do ex-presidente Lula, seu vice, o empresário José Alencar, não perdia a chance de reclamar publicamente do tamanho dos juros praticados no Brasil. Foram oito anos em que o político mineiro expressou  o que Lula não diria abertamente.  No governo da presidente Dilma Rousseff, a plateia de Alencar não ficou órfã. O microfone do vice-presidente foi tomado pela própria mandatária, que já sinalizava, na campanha eleitoral, o desejo de derrubar a taxa de juros reais para 2% até o final do seu mandato, em 2014. Parecia discurso de candidata. Mas não era. Nos últimos dias, a presidente reavivou as esperanças de quem deseja livrar o País de um indesejável troféu. “Hoje o Brasil pratica uma das mais altas taxas de juros”, disse a presidente, na terça-feira 30, durante uma entrevista a emissoras de rádios de Pernambuco. “Eu não posso dizer quando nós vamos ter isso, mas asseguro que nós abrimos o caminho para ter juros cadentes”, disse ela.

O caminho aberto por Dilma foi pavimentado um dia antes, quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que faria uma economia extra para aumentar o superávit primário do governo central de R$ 81 bilhões para R$ 91 bilhões. Os R$ 10 bilhões elevam para R$ 127,8 bilhões o superávit, que passa de 3% para cerca de 3,25% do PIB. Mas foi na quarta-feira 31 que as palavras da presidente passaram do discurso à prática. Durante a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central mostrou uma ousadia, que assustou o mercado por transformar as palavras da presidente numa espécie de profecia: por 5 votos a 2, a taxa Selic caiu de 12,5% para 12%, a despeito de todas as apostas de que o juro seria mantido. As críticas sobre a autoridade monetária vieram logo após o anúncio, às 21 horas, da redução dos juros. “A decisão preocupa por causa do controle da inflação e se este é um sinal de que o BC perde sua autoridade por pressão política”, diz Eduardo Velho, economista-chefe da Prósper Corretora. Com sua fina ironia, o ex-ministro Antônio Delfim Netto afirma que essa discussão é bobagem. “No Brasil, BC independente é aquele que obedece ao mercado. Isso é um absurdo”, diz. A presidente Dilma também desdenhou as críticas. “O Copom fala pelo Copom, eu falo pelo governo federal”, retrucou.

 

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Se é pressão ou um jogo combinado entre a mandatária-economista e seus principais titulares, a gestão Dilma começou a deixar clara uma inflexão na política econômica. Se o governo anterior era marcado pela esquizofrenia entre um Banco Central que tinha de elevar juros para compensar a política expansionista do Ministério da Fazenda e evitar a inflação, agora o governo aponta que a prioridade é o crescimento. O ex-presidente Lula precisou conceder a autonomia informal ao então número 1 do BC, Henrique Meirelles, para angariar credibilidade. Dilma pega o País em outras condições. O Brasil não só consolidou essa credibilidade como a tese de que o mercado se regula por si só perdeu força com a crise de 2008. Agora, o BC marca a diferença e o alinhamento com a presidente ao ousar  reduzir juros, a despeito da inflação elevada – em agosto chegou a 7,1% no acumulado em 12 meses. Decisivos mesmo para o BC, ao que tudo indica, foram os sinais de desaceleração do crescimento, como mostrou o PIB do segundo trimestre, divulgado na sexta-feira 2. A economia cresce 3,6% em comparação com o primeiro trimestre, com desempenho pífio da indústria, de 0,2%. E, mais preocupante, a taxa de investimento passou para 17,8% do PIB, menos que os 18,2% registrados no mesmo período de 2010, o que pode se refletir, no médio prazo, em menos emprego e produção. 

 

Um ajuste fiscal agora é mais do que necessário para não perder os avanços já conquistados. A presidente fez questão de passar essa mensagem aos principais interessados em manter a economia aquecida. Os primeiros interlocutores a conhecerem os planos sobre a política fiscal foram os líderes das seis maiores centrais sindicais. Eles ouviram, na segunda-feira de manhã, que o governo tinha como objetivo final a redução de juros e um crescimento entre 4% e 4,5% para este ano. “É preciso dar uma sinalização de austeridade para criarmos condições de reduzir os juros”, disse a presidente. Uma hora depois, em reunião com os líderes dos partidos, ela pediu apoio para evitar novas despesas para o ano que vem. A presidente está preocupada com a tramitação de projetos como a PEC 300, que cria um piso nacional para os policiais. Ao mesmo tempo, começou a defender a recriação da CPMF, para ampliar os recursos para a saúde. O superávit primário maior foi a primeira contribuição do governo no sentido de evitar novas despesas. Os gastos do governo, que representam mais de 20% do PIB, têm contribuição importante nos índices inflacionários. 

 

Se o Estado aperta o cinto, a pressão diminui e há espaço para reduzir juros, o que barateia o custo de financiamentos para que as empresas voltem a investir. Vale frisar, entretanto, que a economia anunciada pelo governo vem de um excedente de receita, que nos primeiros sete meses subiu 21,9% – enquanto as despesas cresceram 11%. A boa arrecadação deste ano deve-se ao crescimento da economia, com elevação da contribuição previdenciária em função do aumento do emprego e da massa salarial. Mas também houve algumas receitas extraordinárias, como os R$ 5,8 bilhões pagos pela Vale após desistir de uma contestação judicial e R$ 3,1 bilhões obtidos com a reclassificação por estimativa no Imposto de Renda de empresas. Até agora, o único corte nas contas públicas,  definido neste ano, foi o ajuste anunciado em fevereiro, de R$ 50 bilhões. Mesmo assim, a iniciativa recebeu elogios. “É uma sinalização muito importante com a meta clara de corrigir, talvez, a maior distorção da economia brasileira, os juros altos, incompatíveis com nosso nível de classificação de risco”, diz Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores.  

 

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Sardinha contra juro alto - depois da reunião com a presidente no Palácio do Planalto, integrantes da Força Sindical promovem

um protesto contra os juros altos: sardinhada para alimentar os “tubarões” do mercado, interessados em manter as taxas nas alturas

 

O ex-ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso acha que o aumento do superávit “é um bom começo”, mas diz que o essencial é o aumento dos investimentos para 25% do PIB,  a fim de livrar o País da necessidade periódica de segurar o crescimento para cuidar da inflação. Dilma deu início ao processo de redução de juros com as contas públicas mais enxutas. Mas ainda falta alinhavar alguns pontos que não fecham nessa equação, como o projeto de lei orçamentária, enviado ao Congresso na quarta-feira 31, que prenuncia despesas novamente crescendo mais do que as receitas. Em 2012, segundo o governo, os gastos devem subir 15,8% e a arrecadação, 12,8%. “O esforço deste ano é louvável, mas o orçamento para 2012 não explica como pode ser mantido um ajuste fiscal com despesas crescendo”, diz Mansueto de Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Seria, de fato, um contrassenso, diante do discurso de engajamento pelo juro baixo da presidente. Os efeitos do pesado troféu das taxas mais altas do mundo recaem sobre os 190 milhões de brasileiros na forma da dívida pública, os recursos que o governo gasta para cumprir suas obrigações. Hoje, ela equivale a R$ 1,54 trilhão ou R$ 8.032 per capita. 

 

Pelo menos dois terços dessa dívida estão atrelados à taxa Selic. A dívida pesa sobre todo cidadão, pois para administrá-la o governo precisa dividir a fatura por meio dos tributos cobrados dos contribuintes. Dessa forma, se o juro cai, o custo para administrar a dívida pública também diminui. E, assim, o governo pode optar por dois caminhos interessantes: aumentar investimentos ou reduzir tributos. Na semana passada, quando o BC reduziu a taxa Selic em meio ponto percentual, o governo já pôde reduzir em R$ 6 bilhões anuais a conta que precisa ser paga para rolar essa dívida. É o  equivalente a mais da metade do que o governo pretende gastar para os projetos do Minha Casa Minha Vida em 2012. Diante de um cenário de aumento de gastos no próximo ano, esta seria a única via por onde o governo poderia garantir mais dinheiro para investimento, avalia Eduardo Velho, da Prósper Corretora. “Assim, trocaria a despesa de capital por um aumento de investimentos públicos”, diz. De fato, Mantega mandou um recado nessa linha durante o seu anúncio de segunda-feira: “Vamos gastar menos com juros para aumentar os gastos com investimentos”, diz o ministro.

 

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Colaborou Guilherme Queiroz