19/09/2012 - 21:00
Na semana passada o governo anunciou um corte na tarifa de energia que irá gerar uma renúncia fiscal de R$ 3,6 bilhões ao ano à União. Só em 2012 são R$ 43 bilhões em desonerações anunciadas pelo governo, e, para 2013, já estão programados pelo menos R$ 15 bilhões. A grande dúvida é se a meta de superávit primário de 3,1% do PIB (de R$ 139,8 bilhões), uma das âncoras da política econômica do governo, será atingida este ano. Nesta entrevista exclusiva concedida à DINHEIRO, o dono do cofre do governo, o economista gaúcho Arno Augustin, secretário do Tesouro Nacional, diz que o governo mantém a meta do primário, mas não é enfático ao afirmar que ela será alcançada este ano. “Por enquanto, mantemos essa meta de superávit primário, mas a prioridade é a economia. Foi, é e continuará sendo. Se tiver que fazer desoneração, vamos fazer”, afirmou. “Não se pode olhar só o primário”. Augustin só não admite que se chame de truque ou manobra a transferência de recursos das estatais por meio de dividendos. “Felizmente, as estatais têm dado lucro. A época que havia déficit nas empresas estatais já vai longe.” Amigo da presidenta Dilma Rousseff, Augustin tem sido peça importante na elaboração de todas as medidas adotadas pelo governo na economia. A seguir, os principais trechos da entrevista:
A queda dos juros: ”Na minha opinião, a redução dos juros é, disparado,
a principal mudança na economia”
De quanto será a renúncia com a redução da tarifa de energia?
Vamos transferir para o setor elétrico parte da dívida de R$ 2 bilhões da Itaipu Binacional e mais R$ 1 bilhão da Eletrobras. O impacto será de R$ 3,67 bilhões ao ano em receita. Mas o mais importante é que o ganho dessa medida se justifica largamente. Por quê? Só para ficar no lado fiscal, essa medida representa uma redução de inflação significativa. Abre inclusive mais espaço para a política monetária. O Custo Brasil também cai bastante. Ou seja, temos uma melhora forte na economia.
Com todas as desonerações, o governo conseguirá atingir a meta do superávit primário de 3,1% do PIB para este ano?
Sempre há muita discussão em relação a essa questão do valor do primário, mas temos uma política relativamente conhecida. Em 2009, que foi um ano de crise relevante, fizemos um primário um pouco menor. Já em 2011, em função do tipo da crise que se avizinhava, fizemos um primário um pouco maior. Nós acrescentamos R$ 10 bilhões no primário de 2011. Achamos que o melhor mix de estímulos à economia era fazer um fiscal um pouco mais forte para abrir mais espaço para a política monetária. Agora, em 2012, optamos por um primário cheio. Mas não se pode olhar só o primário. Tem que olhar o todo. Tem que olhar a política monetária, a política cambial, o financiamento externo das empresas. Olhamos isso tudo e optamos por um determinado mix de política econômica. Por enquanto, a definição é essa. É primário cheio, e assim vamos continuar.
A prioridade é a economia?
A prioridade sempre foi e continuará sendo a economia, o que significa que não deixaremos de fazer medidas de desoneração se acharmos necessário. Continuaremos a trabalhar com desonerações,como fizemos, por exemplo, no caso da energia, que vai ter um custo fiscal. Estamos trabalhando para a economia, mas não é necessário para esse fim mexer no primário. O primário é importante para consolidar o Brasil num momento em que vários países estão com dificuldades fiscais relevantes. É sempre bom lembrar que a crise na Europa tem muito a ver com as crises fiscais de muitos países. Esses outros países não têm hoje muito espaço para política monetária. Em geral, já têm uma taxa de juros muito baixa ou até negativa. Foi essa política que fortaleceu a capacidade das nossas empresas de obter recursos no Exterior. Nas crises de 2008/2009, muitas das nossas empresas tiveram fluxo de recursos em moeda estrangeira zerado, o que provocou enormes problemas para as empresas exportadoras que se financiavam externamente. Esse efeito na crise atual não aconteceu. Nós conseguimos manter uma boa estrutura do ponto de vista de solidez do País. A prova disso foi que, na semana passada, fizemos um lançamento de títulos com vencimento em 2023 no mercado externo e obtivemos a menor taxa da história do Brasil e da América Latina, de 2,686%. Há três ou quatro anos era uma taxa Treasure (do Tesouro americano). Esse mix que estamos usando é o que melhor ajuda a economia. Mantém fluxo de capitais importante para as empresas, consolida o País fiscalmente.
A queda da arrecadação não compromete o primário?
Eu mantenho a avaliação de que a receita nos próximos meses vai reagir. De fato, no primeiro semestre e até o momento, a arrecadação está um pouco abaixo do que se desejaria e até do que estimamos. Mas a expectativa é de que melhore nos próximos meses. A economia já começou a reagir e, na medida em que o tempo vá passando, essa reação aumenta, com reflexos na receita no final do ano e em 2013. É normal que essa recuperação da receita demore um pouco. Há uma defasagem entre o crescimento econômico e o momento na qual a receita cresce.
Muitos criticam a política de transferência de dividendos dos bancos federais para o Tesouro. Chamam de manobra ou de truque fiscal para se atingir a meta de superávit primário.
Nós respeitamos todas as críticas, mas o fato objetivo é que as empresas estatais deixaram de ser deficitárias, como foram em outros momentos da história do País. As estatais passaram a ser lucrativas. O fato de que os bancos federais, como o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa, tenham rentabilidades altas é motivo de comemoração. Não vemos nenhum problema nisso. Do ponto de vista fiscal, o que importa é a constância. O que torna uma receita eventualmente extraordinária é o fato de existir num ano e não existir no outro. Não é o caso dos dividendos. Os dividendos vêm mantendo um patamar alto todos os anos. Faz vários anos que os dividendos representam uma parcela importante da receita. Em 2009, tivemos R$ 26 bilhões de receitas de dividendos; em 2010, R$ 22 bilhões; em 2011, R$ 19,9 bilhões, e estamos prevendo para este ano um valor acima de R$ 20 bilhões, e, para o ano que vem, também.
Com a queda da taxa de juros, o governo já projeta 30% do PIB de dívida líquida e déficit nominal zero para 2014?
A dívida líquida do setor público em percentual do PIB já tem apresentado uma queda bem forte. Em 2003, a relação dívida/PIB do Brasil era superior a 60%. O último número, de julho de 2012, é de 34,9%. Estamos estimando 32,7% para 2013. Em breve, a relação dívida/PIB do Brasil chega a menos de 30%, e o déficit nominal zerado tende a acontecer dentro do próximo período. Evidentemente que a queda da taxa de juros é muito importante para isso. Para 2013, prevemos um déficit nominal em torno de 1%, bem menor do que dos anos anteriores. Foi de 3,3% em 2009, de 2,5% em 2010, de 2,6% em 2011, e será de 1,6% em 2012. Em 2013, a nossa estimativa é de 1%, rumo a um déficit nominal inexistente, zerado. Não fizemos a conta para 2014. Não sei se vai ser zero, mas vai se aproximar disso.
A queda dos juros é a principal mudança na economia, uma mudança de paradigma?
A taxa de juros em queda auxilia em muito para que todas essas mudanças ocorram na economia. É um elemento fundamental para o equilíbrio fiscal de longo prazo. Quando a gente emite no mercado externo e se cobram preços muito baixos para o Brasil, significa que esses fundamentos positivos estão sancionados não apenas pela opinião do governo brasileiro, mas pelo mercado internacional. A taxa de juros é um elemento estratégico de longo prazo, tanto para o fiscal ficar mais forte como para a economia. As mudanças que estamos produzindo este ano são de médio e longo prazos para o Brasil. Elas vão dar frutos bons por muitos anos, e o juro, na minha opinião, é, disparado, a principal mudança.
Por que o governo tem tanta dificuldade em investir?
Nós temos aumentado mais o investimento do que as despesas de custeio. Essa tem sido a nossa política, a de fazer com que os investimentos governamentais cresçam mais do que as despesas correntes, e isso tem melhorado ano a ano. Neste ano, por exemplo, já tivemos um crescimento nominal do investimento de 30%, atingindo um percentual de 20,9% em relação ao PIB. Mais importante é que não há restrição ao investimento. O PAC é totalmente liberado. A restrição não é fiscal, e sim operacional. Há dificuldades que têm que melhorar no Brasil, de Cade, de projetos, de licenças. Tudo isso é, de fato, uma luta, mas que estamos enfrentando. Essa é a principal restrição. Optamos por fazer as PPPs (Parcerias Público-Privadas) exatamente porque entendemos que a rapidez pode ser maior.