19/03/2015 - 19:30
Em 1903, o jovem português Albino Souza Cruz alugou um pequeno sobrado no Rio de Janeiro e, com ajuda de 16 funcionários, começou a produzir cigarros. A demanda das tabacarias foi tão grande que ele teve de transformar a companhia em uma sociedade anônima e vender o controle para o grupo British American Tobacco (BAT). Assim, nasceu a Souza Cruz, que, em 1969, estreou na bolsa. Passados 46 anos, a BAT decidiu deixar o pregão e registrou uma oferta pública de aquisição (OPA), no dia 2 de março. A OPA, que pode movimentar até R$ 10,1 bilhões, ainda está sendo analisada pela Comissão de Valores Mobiliários.
Outras empresas, como a incorporadora BR Properties, vão pelo mesmo caminho, o que pode gerar boas oportunidades para os acionistas. A BAT propôs pagar R$ 27,75 por ação, um prêmio de 30% em relação à cotação média dos últimos três meses até 20 de fevereiro. Entre o anúncio da OPA e a quinta-feira 12, os papéis subiram 0,8%, enquanto o Ibovespa recuou 4,5%. No entanto, nem todos os investidores ficaram satisfeitos. A gestora escocesa Aberdeen é uma delas. Nick Robinson, chefe de renda variável da empresa, disse à Bloomberg que o valor proposto é baixo.
“Estamos avaliando vender a um preço mais alto”, afirmou. Procuradas, Aberdeen e Souza Cruz não concederam entrevista. A queda nas cotações é um dos motivos apontados para o fechamento de capital. Uma das mais tradicionais pagadoras de dividendos, a Souza Cruz era uma das ações mais estáveis da Bolsa. Porém, nos últimos dois anos têm oscilado bastante. No início de 2013, os papéis eram cotados a R$ 28,94. No dia da OPA, mesmo com a alta, elas fecharam a R$ 25,14. Outros motivos são estratégicos. “As empresas consideradas ‘politicamente incorretas’, como as de tabaco, estão cada vez mais fechando capital”, diz Celson Plácido, estrategista-chefe da XP Investimentos.
“Elas sabem que são mal-vistas pelos governos e, cada vez mais, pela população.” Além disso, a Souza Cruz é a única do setor a ser listada em bolsa e isso permite que concorrentes como a Philip Morris tenham acesso aos números e possam prever com precisão as estratégias de Andrea Martini, economista italiano que preside a empresa. O que deve ocorrer depois de a ação virar fumaça? Plácido, da XP, acredita que outras empresas podem se beneficiar da migração de investidores. Como a Souza Cruz é a única de seu setor na bolsa, os acionistas podem recorrer a uma empresa com características semelhantes: ou seja, boas pagadoras de dividendos e maduras, como a Ambev. Há outros exemplos.
A Amil deixou a bolsa em 2013. Nesse período, Odontoprev e Qualicorp ganharam valor de mercado. Esse movimento de migração pode ficar mais evidente no fechamento de capital da BR Properties, embora os papéis do setor estejam bastante descontados pelas condições ruins do mercado. O BTG Pactual, um dos acionistas da incorporadora, associou-se a outros investidores e lançou o fundo Bridge, que registrou a OPA no dia 26 de fevereiro, visando assumir o controle e fechar o capital. Desde então, até a quinta-feira 12, as ações da incorporadora caíram 1,96%, enquanto as da Aliansce recuaram 3,82% e as da Multiplan despencaram 3,90%.
Porém, isso não significa que elas vão continuar caindo. “A percepção de risco macroeconômico ajuda a reduzir o preço”, explica Luis Gustavo Pereira, estrategista da Guide Investimentos. Os investidores da Souza Cruz que aderirem à OPA precisam ficar atentos à data da compra das ações. Se elas tiverem sido adquiridas antes de 1983, o acionista pode tentar reaver o valor pago em imposto de renda. Naquele ano, o governo passou a tributar a rentabilidade obtida com a venda de ações. “O melhor a fazer é depositar o valor do imposto em juízo e entrar com recurso”, diz Roberto Justo, sócio do escritório de advocacia Choaib, Paiva e Justo.