06/05/2016 - 20:00
O velocista jamaicano Usain Bolt, o homem mais rápido de todos os tempos, por razões óbvias se tornou um especialista em números e um obcecado por melhorar sua performance, em cada centésimo de segundo. Em 2009, com apenas 22 anos, cravou no Campeonato Mundial de Atletismo, em Berlim, o recorde mundial em impressionantes 9s58 na disputa dos 100 metros, e em 19s19 na pista de 200 metros. Bolt também é recordista no revezamento 4 por 100. Ao lado dos compatriotas Nesta Carter, Michael Frater e Yohan Blake, marcou 36s84 nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.
Em seis provas disputadas em Olimpíadas até hoje, seis medalhas de ouro. Aos 29 anos, o atleta mantém uma rotina intensa de treinamentos na Universidade de West Indies, a maior e mais importante da Jamaica, enquanto elabora sua carreira para além das pistas. Dono de uma fortuna estimada pela revista americana People With Money em US$ 330 milhões (cerca de R$ 1,2 bilhão), Bolt está à frente dos mais variados negócios e tem a ambição de ser reconhecido como um empresário de sucesso.
E ele tem pressa. Antes mesmo de se aposentar, já é dono de uma bandeira de restaurantes, planeja investimentos em fazendas de café e continua a amealhar milhões de dólares em campanhas publicitárias de marcas que vão desde a alemã Puma e a montadora japonesa Nissan até o banco brasileiro Original, da J&F. O objetivo é garantir uma previdência tranquila, depois de brilhar nos jogos Rio 2016, em agosto, a última Olimpíada de sua vida. A aposentadoria está programada para o Mundial de Atletismo de Londres, em 2017.
“Esta será a mais importante disputa da minha carreira, mesmo que o meu recorde não seja quebrado”, disse Bolt à DINHEIRO. “Estou preparado para melhorar minhas marcas e escrever meu nome na história.” Seu sonho não é pequeno: virar lenda. “Quero ser um Pelé ou um Muhammad Ali”, afirmou (leia a entrevista ao final da reportagem). A busca pela perfeição e seus recordes fizeram com que Bolt se tornasse, nos últimos anos, a maior celebridade viva no país de Bob Marley, uma espécie de referência para as novas gerações e um orgulho nacional.
Hoje em dia, o rosto de Bolt é imagem onipresente na rotina da pequena ilha caribenha – no aeroporto, nos pontos de ônibus, nas vitrines das lojas, nas fachadas dos prédios e em hospitais. E com razão. Sua popularidade tem influenciado até na saúde na população. No mês passado, o governo da Jamaica lançou a campanha de vacinação tendo Bolt como garoto-propaganda. Com o mote Go for the Gold! Get Vaccinated!, mais de 860 mil crianças foram imunizadas em menos de duas semanas, um aumento de 72% em relação à campanha anterior, antes da participação do velocista.
“O Bolt inspira nossas crianças a treinar e os pais a cuidar da saúde dos filhos com mais atenção”, disse à DINHEIRO o ministro da Saúde, Christopher Tufton. Tudo que envolve o nome de Bolt parece superlativo, inclusive no campo dos negócios. A revista People With Money calcula que ele receberá US$ 82 milhões neste ano – somados patrocínios, direito de imagem e premiações. “Não fico pensando o tempo todo em quando vou parar, nem como vou ganhar dinheiro no futuro, porque preciso estar concentrado em meus treinamentos, mas tenho uma equipe que me ajuda no planejamento, em cada detalhe”, afirmou o tímido Bolt, que reconhece não ter ideia do dinheiro que possui atualmente.
“Confesso que não sei quanto tenho, só sei que devo ter o suficiente para fazer bons negócios nos próximos anos.” Embora seja discreto quando o assunto é vida pessoal e dinheiro, a estratégia do “Lightning Bolt” (Relâmpago Bolt), apelido que deu origem à sua pose de comemoração, é diversificar ao máximo o portfólio, com aquisição de terras, ampliação dos licenciamentos de produtos e até energia. O primeiro – e talvez mais ambicioso deles – já está em curso: o Track & Records.
Trata-se de um formato de bar e restaurante temático de esportes, elaborado por ele mesmo, com ambiente semelhante aos estabelecimentos da famosa rede Hard Rock Café. Uma unidade do Track & Records já funciona no centro da capital Kingston e terá, a partir do segundo semestre deste ano, novos endereços na região de Montego Bay, a parte mais turística da Jamaica. O restaurante de Bolt custou cerca de US$ 8 milhões e, segundo ele, recebeu aporte de alguns sócios . A casa oferece cardápio caribenho, cervejas importadas e tem ambientes com telas gigantes transmitindo jogos de futebol, corridas e lutas.
“Tenho um carinho especial pela Track & Records. Poucas coisas me deixam mais feliz do que ouvir reggae, comer e beber com os amigos”, disse Bolt, que se diz um fã incondicional de Bob Marley, sem revelar muitos detalhes do projeto para sua rede. Sabe-se, no entanto, que fundos de investimentos americanos, dispostos a desembolsar algo entre US$ 300 milhões e US$ 500 milhões, têm assediado Bolt a levar a Track & Records para os Estados Unidos, aproveitando o auge de sua reputação mundial.
A expansão da rede de restaurantes se daria por meio de unidades próprias e franqueadas. Bolt não esconde a pressa de multiplicar seus restaurantes. Na semana passada, o site da Track & Records criou um espaço exclusivo para receber propostas de potenciais investidores. “Principalmente para mim, tempo é dinheiro”, afirmou o jamaicano, em tom de brincadeira. O timing dos investimentos, a julgar pelo seu sucesso, é apropriado. Assim como a imagem de Bolt está por todas as partes da Jamaica, no mercado americano – não com a mesma proporção, mas igualmente impressionante –, a popularidade do recordista já é comparada a de lendas do esporte, como Michael Jordan, Muhammad Ali e Pelé.
O milionário jamaicano Usain Bolt também estaria articulando aquisição de propriedades na parte Norte do país, onde a produção agrícola, especialmente o cultivo de café, é mais intensa. Ele prefere não falar de seus projetos em sua terra natal, até para evitar uma corrida especulativa, mas dentro da Jamaica já se sabe que existem negociações em andamento, para fins de plantio e para geração de energias renováveis. Uma das ideias, segundo fontes ligadas a projetos de infraestrutura na Jamaica, seria a compra de uma área para instalação de placas solares e turbinas eólicas em parceria com a companhia energética Kimroy Bailey.
Tanto Bolt quanto a empresa não confirmam a negociação. Por enquanto, o velocista afirma que faturar com o atletismo é a prioridade. A carreira esportiva e a vida financeira do jamaicano estão sob cuidados da britânica Pace Sports Management, com sede em Londres. A agência é mundialmente conhecida pela gestão de atletas de elite, como o corredor americano Trayvon Bromell e o somali naturalizado inglês Mo Farah. Por questões de confidencialidade, a Pace disse não poder revelar cifras ou informações que envolvam seus clientes.
Apesar de ainda não se considerar uma lenda do esporte, Bolt sabe que o sucesso ou o fracasso nos jogos olímpicos serão indiferentes. Qualquer que seja o resultado, ele já é o maior de todos os tempos nas pistas e uma máquina de fazer dinheiro. “Quero ser uma lenda e estar à altura de meus ídolos, mas ainda tenho que correr muito para alcançar esse patamar”, disse o velocista, com uma boa dose de modéstia. No mercado publicitário, Bolt já é um fenômeno – e sua exposição aumenta quanto mais a Olimpíada se aproxima.
Um de seus maiores apoiadores, a montadora japonesa Nissan, que também é patrocinadora oficial dos jogos olímpicos e paralímpicos deste ano, promoveu o atleta jamaicano a “diretor global de excitement”, uma espécie de embaixador supremo da marca. Além de um polpudo contrato de patrocínio, a Nissan presenteou Bolt com um GT-R dourado, considerado o carro mais ágil do mundo, capaz de acelerar de zero a 100 km/h em apenas 2,9 segundos. Bolt já era proprietário de um GT-R preto, antes mesmo de ser apoiado pela marca.
“A escolha de Bolt foi uma decisão natural, afinal é um dos esportistas mais atrevidos do planeta e tem toda a chance de ser um dos grandes personagens da Olimpíada”, disse Arnaud Charpentier, diretor de marketing da Nissan. Mesmo mantidas em sigilo por Bolt e seus patrocinadores, algumas cifras envolvendo o homem mais rápido do mundo acabaram vazando na imprensa. O maior contrato do atleta, atualmente, seria com a alemã Puma. Bolt estaria recebendo, anualmente, segundo o jornal britânico Daily Telegraph, US$ 10 milhões para ser o garoto-propaganda da empresa – valor que passará a vitalícios US$ 4 milhões, depois de pendurar as sapatilhas.
O jamaicano é apoiado pela Puma há 15 anos, desde seus 14 anos de idade. “Mais do que um embaixador, Bolt nos ajuda a desenvolver produtos e tecnologias em nossos centros de pesquisa na Alemanha”, diz Fábio Kadow, diretor da Puma Brasil. O valor desembolsado pela grife alemã, que também tem estrelas do esporte como Maradona e Boris Becker como representantes até o fim da vida, é equivalente ao que a americana Nike, por exemplo, paga ao tenista Rafael Nadal. Além da Puma e da Nissan, Bolt mantém contrato com 15 companhias.
Entre as maiores estão a Gatorade, a suíça Hublot, as operadoras de telefonia Optus (Austrália), Celcom (Malásia) e Digicel (Irlanda), além da Virgin Media, maior companhia de tevê por assinatura do Reino Unido, do bilionário Richard Brandson. O mais recente patrocinador do atleta, em contrato assinado há duas semanas, é a companhia aérea japonesa All Nippon Airways (ANA), que pagará cerca de US$ 4 milhões por ano, até 2020, para Bolt promover os Jogos Olímpicos de Tóquio.
“Todos querem associar sua marca à imagem de Bolt porque é um atleta com super poderes, quase um mutante, um humano que transformou o impossível em realidade”, afirma Felipe Iacocca, diretor da IWM Agency, maior agência de marketing de influência do País. Ele se refere ao fato de Bolt ter 1,95 metro de altura, algo que interfere no esporte.
Até por isso, foi surpreendente quando Bolt quebrou os recordes do americano Michael Johnson. No Brasil, o homem mais rápido de todos os tempos é garoto-propaganda do Banco Original, do Grupo J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista. Parte dos R$ 600 milhões investidos no lançamento do banco foram gastos na contratação de Bolt e no desenvolvimento de campanhas publicitárias com ele. O acordo comercial, de 12 meses, termina em março de 2017.
“Para criar algo de impacto no consolidado e competitivo segmento bancário do País, precisávamos de um representante que tivesse notoriedade”, afirmou Marcos Lacerda, diretor de marketing do Original, que cogitou também outras celebridades do esporte, como o tenista suíço Roger Federer. O slogan do banco com Bolt é: “Original é fazer o mesmo que os outros, mas como nenhum faz.” Os planos de Usain Bolt para sua vida pós-competições não se limitam a investimentos e lucros. O atleta pretende dedicar parte de seu tempo e dinheiro ao apoio a crianças carentes, através da Fundação Usain Bolt.
Em sua cidade natal, Sherwood Content, ele mantém, com dinheiro do próprio bolso, um programa de incentivo à prática de esportes, nos moldes de um centro de treinamento. “Quero levar essa experiência para outras partes da Jamaica e até para outros países”, disse Bolt, que atualmente banca os estudos e os treinamentos de 200 crianças em sua escolinha. “As empresas que me apóiam também já se prontificaram a ajudar nessas iniciativas sempre que for necessário. Dedicarei mais tempo a isso depois que parar de correr porque quero ser recordista também fora das pistas.”
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“O Brasil me tornará uma lenda do esporte”
Os Jogos Olímpicos Rio 2016 serão, muito provavelmente, palco de três medalhas de ouro para o jamaicano Usain Bolt, nas disputas de 100m, 200m e revezamento 4×100. Com as vitórias, o atleta será tricampeão olímpico e subirá, em definitivo, ao Olimpo do esporte mundial. Na Jamaica, o homem mais rápido que já existiu contou à DINHEIRO como está se preparando para disputar a última Olimpíada de sua vida e como administra o sucesso com a vida pessoal.
Por que você faz questão de se preparar na Jamaica, com pouca estrutura, se pode escolher centros de treinamento mais modernos nos Estados Unidos e na Europa?
A Jamaica é minha terra. O clima quente e úmido é ideal para mim. Além disso, preciso estar perto da minha família e de meus amigos para me concentrar, para alcançar meu melhor. Meu povo olha para mim e se inspira na minha vida para buscar uma vida melhor. Quero e preciso estar perto deles para inspirar e ser inspirado.
Mesmo na Jamaica, pouco se sabe de sua vida pessoal. Essa discrição é parte da sua personalidade ou surgiu após o sucesso?
Sempre fui assim. Gosto de receber meus amigos em casa, fazer festas com quem gosto de estar, ouvir Bob Marley com a minha família. Quando estou sozinho, assisto filmes com a minha namorada e jogo videogame. Levo uma vida normal, apesar da rotina de treinamentos.
Ter de se aposentar no auge te incomoda?
Parar não é fácil, mas terei de parar. É uma forma de preservar as conquistas que tive em toda a carreira.
O que vai fazer depois de deixar as pistas?
Com certeza vou ter uma agenda cheia de compromissos. Quero continuar ajudando a Puma a desenvolver tecnologias e produtos. Parte do meu tempo pretendo dedicar às crianças que mais precisam.
Você não se considera uma lenda?
Ainda não. Acho que o Brasil me tornará uma lenda do esporte, após a Olimpíada. Quero ser um Pelé ou um Muhammad Ali na história. Estou muito bem preparado fisicamente e emocionalmente para os jogos.