A greve numa das 15 linhas de metrô que se estendem por Paris, na terça-feira 7, perturbou um pouco o cotidiano da capital francesa, mas não a ponto de parar o trânsito. A paralisação dos metroviários por melhores salários foi discreta e deixou claro que os parisienses não deram muita audiência para o primeiro-ministro francês, François Fillon. Um dia antes, Fillon anunciara na tevê o plano de austeridade que encaminhou ao Congresso, incluindo  aumento de impostos e o congelamento de salários dele próprio e do presidente Nicolas Sarkozy. “Se não houver um sacrifício de todos, seremos um país condenado a ser um dia governado, politicamente, por outros.”A referência do primeiro-ministro eram os governos da Grécia e da Itália, que foram à lona na semana passada. Na terça-feira 8, o Parlamento italiano pediu o afastamento do premiê  Silvio Berlusconi. Em seu lugar, deve assumir o italiano Mario Monti, ex- comissário da Comissão Europeia. Na quarta-feira 9, foi a vez de George Papandreou, primeiro-ministro grego, ir à tevê anunciar, oficialmente, que deixa o governo. 

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Pressa francesa: O presidente Nicolas Sarkozy espera aprovar plano de ajuste fiscal
ao mesmo tempo que busca voto de confiança para a reeleição

Sua falta de habilidade para lidar com a oferta de um pacote de ajuda da União Europeia no final de outubro não foi perdoada e, agora, será substituído pelo economista grego Lucas Papademos, ex-vice-presidente do Banco Central Europeu. É a hora da verdade, que bate à porta da Europa. Depois das críticas sobre a falta de liderança para conduzir seus problemas econômicos, o bloco, que reúne 27 países, empurrou para o abismo Papandreou e Berlusconi, por deixarem seus barcos à deriva por tempo demasiadamente longo, num momento em que o mundo – e o impiedoso mercado financeiro – faz pressão por soluções urgentes e firmeza de estadistas. Os dois mandatários que saem de cena ainda buscaram manter a palavra dada aos seus pares. “Eu me demito assim que o plano de austeridade para a Itália, acertado com a União Europeia, for aprovado”, disse Berlusconi. Já o primeiro-ministro grego buscou dar crédito ao plano de resgate da União Europeia. “O plano vai ajudar a Grécia a sair da crise”, disse ele. 

 

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Fora Berlusconi: O polêmico premiê italiano Silvio Berlusconi condiciona a demissão à aprovação de plano de austeridade

 

Consolidar os planos de austeridade em tempo recorde foi um compromisso assumido pelos líderes europeus durante o encontro do G-20, nos dias 3 e 4, em Cannes, na França. A urgência foi, definitivamente, incluída na agenda do continente a partir do momento em que o mercado financeiro mostrou que castigaria a falta de coerência entre as intenções e as ações concretas: o prêmio pago pelos títulos italianos e franceses subiram a níveis preocupantes na semana passada. Diante do quadro tão complexo, a Comissão Europeia reviu para baixo, na quinta-feira 10, o crescimento no continente em 2012 – de 1,3%, a expectativa agora é crescer 0,5% no ano que vem. A francesa Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, alertou para a possibilidade de “uma década perdida”. No começo da semana, a chanceler alemã, Angela Merkel, já sinalizava tempos difíceis. “Temos muito trabalho pela frente”, disse Angela, apontada como a principal líder na resolução da crise europeia pelos seus pares, juntamente com Sarkozy. 

 

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Sem quebrar pratos: missão do novo premiê grego, Lucas Papademos,

é restaurar a confiança dos mercados e da população diante da crise

 

Essa percepção, entretanto, passa longe da leitura do cotidiano da população europeia, às voltas com a vida real de empregos mais restritos. “Medidas econômicas estão além da percepção das grandes massas”, diz Imran Choudhry, economista do Instituto Internacional de Paris. Na Alemanha, o predomínio de Audis e BMWs nas rodovias mostra que a nação mais rica do continente absorveu o impacto da crise. “Por enquanto é só uma crise de banco. Ao contrário do que houve na turbulência de 2009, ainda não aconteceu nada”, diz a dentista Amanda Umwelt, enquanto caminha pelo centro comercial de Rosengartenplatz, na cidade industrial de Mannheim, no oeste da Alemanha. Localizada na junção dos rios Reno e Neckar, a região portuária local é um canteiro de obras, com velhos galpões sendo demolidos, enquanto guindastes erguem novos prédios. O que deixa os alemães zangados é ter de socorrer financeiramente países como a Grécia. Uma charge publicada em um jornal local, que mostra Angela Merkel carregando a Europa nas costas, reflete o sentimento popular. 

 

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Saída à grega: o primeiro-ministro George Papandreou renunciou na quarta-feira

depois da inabilidade com a oferta do pacote europeu

 

Ao mesmo tempo, também há uma sensação de inevitabilidade no ar. “Os gregos e os outros países compram nossos carros e outros produtos alemães; portanto, precisamos deles”, diz Eugene Welling, dono de uma banca de jornais na cidade. A população se mostra surpreendentemente indiferente ao papel desempenhado pela mulher na cadeira do comando do país. Pesquisas mostram que a chanceler ainda derrotaria todos os possíveis candidatos da oposição em uma eventual disputa eleitoral, mas por margens cada vez menores. Ao se falar na chanceler, a reação mais comum de um alemão é simplesmente dar de ombros. O mesmo não se pode dizer de Sarkozy, na França. Com 25% das preferências, o presidente francês perde terreno para o socialista François Holland, que lidera as pesquisas para as eleições que serão realizadas dentro de seis meses, com 36% de apoio. 

 

O economista Imran Choudhry avalia que ainda há um tempo para se definir os votos. “Vai depender dos efeitos da política fiscal sobre a população”, diz Choudhry. O problema é que,  diante de cenários recessivos, as multinacionais europeias miram seus investimentos onde há mais margem de lucro, ou seja, fora da Europa. “Hoje as oportunidades estão nos emergentes”, diz Enrique Valer, vice-presidente para a América do Sul da empresa francesa Schneider, de gestão energética. “É o novo eixo econômico”, afirma. Enquanto isso, a saída do polêmico premiê italiano, Silvio Berlusconi, desperta o desprezo de parte da Europa. A maior parte dos alemães o vê como uma antirrepresentação de tudo o que é valorizado pelo país: sobriedade, discrição, seriedade e trabalho. “É um palhaço”, define o taxista Claus Herber. “Nem consigo acreditar que ele seja europeu”, concorda uma mulher que se nomeia como Denissa. 

 

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Tempos difíceis: apontada como a líder na condução da crise europeia por seus pares,

Angela Merkel convive com a indiferença da população alemã

 

A opinião reflete uma visão arraigada aos alemães, de que países latinos como Itália, Espanha e Portugal têm pouco ou nada em comum com aqueles de herança anglo-saxônica – considerados por muitos deles como os legítimos líderes da União Europeia. A preocupação muda, entretanto, durante uma festa promovida por uma das maiores indústrias químicas globais em Deidesheim, cidadezinha próxima ao Reno. Um executivo, responsável por assuntos governamentais, ligeiramente alterado pelo álcool, diz que nada vai acontecer por causa dos gregos: “A Grécia seguirá o exemplo da Argentina”, diz. “Vai dar um calote e todos vão seguir suas vidas.” Ele revela que o alvo de sua preocupação é outra. “O grande problema é a China… Se ela desacelerar, aquela fábrica que você está vendo ali – aponta na direção da unidade industrial do grupo – vai fechar, e vou ter de demitir todos os funcionários.” No local, trabalham mais de 33 mil empregados.

 

Basta visitar a vizinha Heidelberg para conhecer a extensão dessa influência chinesa. Uma das mais antigas cidades da Alemanha, o local é um tradicional destino turístico do país, visitado especialmente por italianos e franceses. Ou pelo menos era. Na semana passada, não havia um único representante desses países em meio a uma multidão de chineses. “Estão sem dinheiro para vir para cá”, afirma Odete Gademar, 67 anos, proprietária de uma pequena loja de artigos religiosos ao lado da catedral local. “Os chineses estão tomando conta de tudo e eles não compram nada católico”, diz Odete, olhando para a loja vazia. “As coisas estão mudando”, diz Theodore, um mendigo com longas barbas brancas. De fato. Enquanto ele vasculha uma lata de lixo em busca de restos, um restaurante tailandês e uma loja com bandeira da Coreia do Sul na vitrine transbordam de abonados turistas orientais.

 

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