Os dias que antecederam a abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff no Senado, que resultou em seu afastamento na quinta-feira 12, foram atípicos no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente da República. Na mansão às margens do Lago Paranoá, um dos mais imponentes cartões postais da capital federal, era possível observar um intenso entra-e-sai de aliados políticos, simpatizantes à proposta de troca de governo, representantes de entidades de classe e, principalmente, empresários e executivos que enxergavam em Michel Temer a melhor alternativa – talvez a única, naquele momento – para tirar a economia brasileira do atoleiro.

“É consenso que há uma séria dificuldade tanto na demanda interna quanto na exportação”, disse o industrial Jorge Gerdau, na saída de uma reunião informal com Temer, que assumiu o comando do Executivo. “Ele demonstrou que é sua prioridade retomar o crescimento e o fortalecimento das empresas.” Consciente de que o governo, com as finanças em frangalhos, não pode mais incentivar a economia por meio de desonerações ou empréstimos com recursos públicos, o presidente não esconde a fé na capacidade de reação do setor produtivo.

“Precisamos injetar ânimo nas empresas para o País voltar a crescer. Só se sai da crise com os empresários”, disse Temer a um empresário, no Jaburu, dois dias antes de assumir a cadeira de Dilma. A declaração foi novamente enfatizada em seu discurso de posse, na tarde da quinta-feira. “Estou convencido de que a iniciativa privada será o motor do crescimento e que o diálogo com o setor produtivo, com o fortalecimento das Parcerias Público-Privadas, será o primeiro passo para crescer.”

A certeza de Temer ficou ainda mais evidente após uma série de encontros com empresários na véspera de sua posse. Além de Gerdau, ele também recebeu outros protagonistas da economia brasileira, como Benjamin Steinbruch, da CSN; Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco; Abilio Diniz, do Carrefour; e Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp. Ouviu aquilo que os empresários vinham gritando aos sete ventos nos últimos anos: a necessidade de se criar um ambiente mais propício à competitividade, a urgência na redução das taxas de juros e a queda gradual da carga tributária, ingredientes que destravariam os investimentos e a geração de empregos.

“O Temer despertará a confiança entre os atores do desenvolvimento”, disse Skaf, após a conversa a portas fechadas com o novo presidente. “Com a volta da confiança, automaticamente o mercado reagirá e a roda da economia voltará a girar”, acrescentou o líder da Fiesp, que fez campanha pelo impeachment e contra a volta da CPMF. O entusiasmo de Gerdau e de Skaf, que reflete o estado de espírito da maioria absoluta do empresariado (leia destaques ao final desta reportagem), decorre da afinidade de Temer com o setor produtivo.

Desde o primeiro mandato de Dilma, dada a dificuldade da presidente afastada em dialogar com os mais variados setores da economia, Temer é uma espécie de ponte com os empresários. “Ele tem a habilidade de fazer as costuras que precisam ser feitas”, disse o CEO do frigorífico Minerva, Fernando Galletti. “Existe investimento represado que pode ser acelerado com mais confiança.” Em diversas ocasiões, Temer liderou missões comerciais mundo afora. Na última delas, em abril do ano passado, o então vice-presidente esteve ao lado de 40 empresários em Dubai, nos Emirados Árabes.

A viagem resultou em mais de US$ 860 milhões em novos negócios para empresas de calçados, alimentos, montadoras de automóveis, entre outras. “É inegável a habilidade de Temer em negociar, seja no campo político, seja no campo dos negócios”, afirmou o empresário Carlos Wizard Martins, fundador do Grupo Multi Holding, que integrava a comitiva brasileira no Oriente Médio. “Sabemos que não existe mágica para recuperar a economia brasileira da noite para o dia, mas quem conhece e convive com Temer tem de estar otimista com seu governo.”

A reação positiva da classe empresarial se explica também pelas recentes diretrizes traçadas por Temer para seu governo. Antes mesmo de ser empossado como presidente, cargo que manterá até o julgamento definitivo de Dilma Rousseff pelo Senado, em até seis meses, ele sinalizou que pretende reduzir o tamanho do Estado, privatizando “tudo o que for possível na infraestrutura”. Essa medida, que tende a atrair investimentos em curtíssimo prazo, animou setores que dependem diretamente da melhoria de portos, aeroportos, ferrovias e rodovias.

“Temos um cenário macroeconômico e político ainda incerto, para dizer o mínimo, mas é algo que deverá ser equacionado daqui em diante”, disse Paulo Kakinoff, presidente da Gol Linhas Aéreas. A aviação comercial é, inclusive, um setor que terá atenção especial de Temer. Frente às turbulências das companhias em operação no País, que sofrem com a combinação entre alta do dólar e a acentuada queda na demanda interna por viagens a negócios e a turismo, o presidente afirmou que pretende dar sinal verde para a participação de até 100% de capital estrangeiro em empresas aéreas nacionais. Atualmente, a legislação brasileira limita essa fatia a 30%.

Mudanças também estão no radar de Temer para o sucateado setor portuário. Gigantes globais de logística demonstram interesse em contribuir com um eventual processo de concessões. “Estamos avaliando investimentos em portos no Nordeste e em iniciativas como um segundo terminal de contêineres no Porto de Suape, em Recife”, afirmou Julian Thomas, diretor-superintendente da Hamburg Süd na América Latina, maior conglomerado de logística marinha do planeta. “Com o fim do desgoverno de Dilma e da falta de direção, há um cenário político mais favorável e a expectativa de acelerar esses projetos”

Para colocar o País de volta aos trilhos, Temer sabe que terá de superar grandes desafios, tanto na política quanto na economia. No campo econômico, o presidente assume as rédeas de um PIB em profunda recessão, com uma queda prevista antes de sua posse em 4% neste ano. O desemprego já supera a marca de 11 milhões de pessoas, o equivalente a 10,9% da força de trabalho. A mortalidade das empresas cresce exponencialmente. Somente em 2015, fecharam as portas 1,8 milhão de estabelecimentos, segundo a consultoria Neoway, o triplo do contabilizado um ano antes.

O ritmo da atividade industrial retornou a patamares de 2009, puxada por segmentos fundamentais para a riqueza do País, como a indústria automobilística. “Nosso setor regrediu dez anos com a atual crise”, disse Pedro Eberhardt, presidente da Arteb, fabricante de autopeças. “A mudança, agora, traz uma esperança.” Se a situação é alarmante nas planilhas das empresas, não é diferente na contabilidade pública. Com a arrecadação em queda e os gastos em alta, as contas federais terão um déficit de quase R$ 150 bilhões neste ano, cifra que corresponde a 2,5% do PIB.

“A disciplina fiscal terá de ser a prioridade número um de Temer. Não é possível continuar com uma estrutura de déficit como essa”, afirmou o presidente do Grupo Algar, Luiz Alexandre Garcia. Assim como no meio empresarial, Temer também terá de dialogar com lideranças políticas para aprovar as reformas que serão necessárias, especialmente a da Previdência. A conjuntura desfavorável levou Temer, em conversas com pessoas próximas, a comparar sua missão à frente do País – guardadas, é claro, as devidas proporções – ao do britânico Winston Churchill, que conclamou o apoio popular durante a Segunda Guerra Mundial para conseguir implementar medidas que, embora impopulares em um primeiro momento, fortaleceriam a Inglaterra no combate ao avanço das tropas nazistas.

A posse de Temer despertou a reação positiva do mercado e até de banqueiros. Desde janeiro, quando o processo de impeachment ganhou força no Congresso, até o dia da oficialização do afastamento de Dilma, a cotação do dólar caiu 12,5% e a bolsa subiu 36,7%. Por quê? Para o presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro Brandão, a renovação no Palácio do Planalto é o que tem gerado uma melhora no humor dos investidores e da economia. “Não podemos ceder à inércia da desesperança.

Há pilares que nos dão ânimo”, afirmou Brandão. “O Brasil não pode mais ficar aprisionado a esse feitiço do tempo, no qual os dias apenas se repetem”, acrescentou Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco. “Temos a expectativa de que o governo de Michel Temer direcione o Brasil a um novo tempo de solidez, um País pensado para fluir.” Assim como o mercado e os bancos, outros setores com representatividade no PIB receberam com otimismo a notícia de que Temer está, oficialmente, no comando. Uma das atividades que mais sofreram com o revés da economia foi a construção civil e as empresas que, direta ou indiretamente, dependem do ramo imobiliário.

A maior fabricante de chuveiros do País, a Lorenzetti, congelou todos seus investimentos em agosto do ano passado, em razão das incertezas e da retração do consumo. Agora, já pensa em retomar seus planos. “Para os investimentos voltarem, não pode é ter um aumento dos impostos. As empresas já não estão conseguindo se sustentar”, afirmou o presidente da companhia, Eduardo Coli. “Espero que as decisões não fiquem flutuando para que a confiança dos empresários seja recuperada logo.” A julgar pelos primeiros movimentos de Temer na presidência, os empresários terão participação ativa em seu governo.

Cercado por seus 24 ministros, que assinavam, um a um, o termo de posse, enfatizou que conta com o apoio do setor produtivo para um governo que ele classificou como o de “salvação nacional”. “É preciso resgatar a credibilidade do Brasil, no âmbito interno e internacional, fator necessário para que os empresários do setor industrial, de serviços e do agronegócio, e os trabalhadores de todas as áreas produtivas, se entusiasmem e retomem com segurança os seus investimentos”, disse Temer, sob aplausos. “A partir de agora, não vamos falar em crise. Vamos trabalhar.”

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Confira o que pensam os empresários

“É consenso que há uma séria dificuldade. Ele demonstrou que sua prioridade É o fortalecimento das empresas”
Jorge Gerdau, da Gerdau

“Estive com Temer em algumas reuniões. Ele tem se mostrado aberto ao diálogo e a escutar os empresários”
Cleber Morais, presidente da Schneider Electric

“O que temer não pode fazer é promover aumento dos impostos. As empresas não estão conseguindo se sustentar”
Eduardo Coli, presidente da Lorenzetti

“Sabemos que não existe mágica para recuperar a economia, mas quem conhece e convive com Temer tem de estar otimista”
Carlos Wizard Martins, presidente do Grupo Multi

“A disciplina fiscal terá de ser a prioridade. Não é possível continuar com uma estrutura de déficit como essa”
Luiz Alexandre Garcia, presidente do Grupo Algar

“Temos um cenário macroeconômico e político ainda incerto, para dizer o mínimo, mas é algo que deverá ser equacionado”
Paulo Kakinoff, presidente da Gol Linhas Aéreas

“Não podemos ceder à inércia da desesperança. Há pilares que nos dão ânimo”
Lázaro Brandão, presidente do conselho de administração do Bradesco

“Temos a expectativa de que o governo Temer direcione o Brasil a um novo tempo de solidez, um País pensado para fluir”
Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco

“O setor de autopeças regrediu dez anos com a atual crise. A mudança, agora, nos traz uma nova esperança”
Pedro Eberhardt, presidente da Arteb

“Temer precisa ser rápido. O ideal é que ele tivesse um programa de 100 dias para sinalizar uma virada no País”
Marco Stefanini, CEO da Stefanini

“Com o fim do desgoverno e da falta de direção, há um cenário mais favorável e a expectativa de acelerar projetos”
Julian Thomas, diretor-superintendente da Hamburg Süd

“Estou muito feliz, mas cauteloso. não espero melhora visível para o mês que vem. É preciso ter um choque de investimentos”
Thierry fournier, presidente da Saint-Gobain

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Colaboraram: Letícia Liñeira, Paula Bezerra, André Jankavski, Carlos Eduardo Valim, Gabriel Baldocchi, Moacir Drska e Rodrigo Caetano.

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Confira as demais matérias do “Especial Governo Temer”:

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