05/10/2011 - 21:00
Diz um provérbio oriental que em vez de amaldiçoar a escuridão, o melhor é acender uma vela. O ditado popular parece talhado para os dias de fúria que a economia global tem enfrentado e as alternativas que ficam para o Brasil com as insípidas perspectivas de recuperação dos países desenvolvidos. Diante da escuridão na Europa e nos EUA, uma chama deveria ser acesa para a nação que ainda garante fôlego para a economia brasileira: a China. “Temos de acender uma vela todos os dias para a China”, disse Benjamin Steinbruch, presidente da CSN, na semana passada, no 8º Fórum de Economia da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.
“Deveríamos acender, todos os dias, uma vela para a China, que continua aumentando sua produção”
Benjamin Steinbruch, presidente da CSN
A ponderação de Steinbruch, em todo caso, nada tinha a ver com o provérbio. Era um desabafo em meio a uma mesa de economistas que avaliavam as previsões cada vez mais pessimistas para os mercados americano e europeu. Num contraponto favorável ao Brasil, a inércia do crescimento chinês continua, o que beneficia a exportação de commodities por algum tempo. O presidente da CSN reconhece que a situação global traz volatilidade e se reflete em uma pequena variação de preços do minério. “Haverá ajustes para baixo, que não são quantitativos, são qualitativos”, diz Steinbruch. “O que preocupa é se a China parar de comprar, aí é outra conversa… tomara Deus que isso não aconteça.” Algumas evidências demonstram que o Altíssimo pode estar ouvindo as preces de Steinbruch, e os chineses vão segurar as pontas da economia, pelo menos nos próximos meses:
1) As encomendas de minério de ferro brasileiro continuam aumentando, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o que levará a produção brasileira ao patamar de 410 milhões de toneladas neste ano, 10% a mais do que em 2010. Desse total, 80% seguem para exportação, dos quais metade é absorvida pelo mercado chinês.
2) O embarque de soja para o Exterior cresceu 35% em 2011, e chegará a 32,4 milhões de toneladas – 70% destinadas à China.
3) As projeções mais conservadoras, como as do Fundo Monetário Internacional, indicam um crescimento de 9,5% do PIB chinês neste ano, apenas 0,9 ponto percentual a menos do que o registrado em 2010. Só a venda de minério e soja para o mercado chinês representa 12,5% de todas as exportações do País. “Eles compram um milhão de toneladas de soja por semana”, diz Fabio Trigueirinho, secretário-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal (Abiove).
A soja serve para a criação de bovinos e frangos. “Uma prova de que o país está comendo melhor com o aumento de renda e continua crescendo cada vez mais”, diz ele. Cresce também o interesse oriental pelos ativos brasileiros, como constatou a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC). As visitas de chineses dispostos a investir no País se intensificaram nos últimos meses. “A crise global os aproximou mais do Brasil”, diz Uta Schwietzer, diretora-executiva da CCIBC. Os interesses, explica Uta, vão dos investimentos no trem-bala até o setor financeiro, passando por siderurgia, agrobusiness e eventos esportivos. “O Bank of Communication (Bacomm) da China, por exemplo, já sinalizou a intenção de se instalar aqui”, afirma a diretora da CCIBC. O Bacomm é uma instituição financeira voltada para o desenvolvimento de negócios.
Alento na europa: a chanceler alemã Angela Merkel celebra a aprovação do aumento do Fundo Europeu de Estabilidade
Seria, então, o terceiro banco de fomento chinês a desembarcar por aqui – os outros são o Bank of China e o Development Bank of China. Os bons ventos que sopram do Oriente certamente funcionam como um excelente amortecedor para a economia brasileira, minimizando os impactos da crise. Mas estão longe de blindar o País, algo que o próprio governo reconhece. O Relatório Trimestral de Inflação, divulgado pelo Banco Central na quinta-feira 29, por exemplo, reviu o crescimento do País em 2011, passando da projeção de 4% para 3,5%. Na semana passada, algumas notícias do Velho Mundo trouxeram até algum alento, como a aprovação, pelo governo da chanceler Angela Merkel, da Alemanha, da ampliação do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, para € 440 bilhões, para ajudar as economias em dificuldade, especialmente a Grécia.
Também os EUA surpreenderam o mercado com um crescimento de 1,3% no segundo trimestre, acima do esperado. As boas-novas, porém, são uma gota no oceano. O ex-ministro Delfim Netto, que participava do seminário da FGV junto com Steinbruch, lembrou que as definições mais concretas sobre os caminhos para a recuperação da economia global dependem de algumas trocas de comando. “Não nos iludamos: os EUA não vão arrumar nada antes da eleição de 2012”, disse Delfim. “Além disso, o Banco Central Europeu não vai restabelecer a confiança antes que o novo presidente, o italiano Mario Draghi, assuma o posto.” O atual presidente do BCE, o francês Jean-Claude Trichet, deixará o cargo no final de outubro.
Nesse ínterim, a China deverá mesmo cumprir o papel de fiel da balança da economia mundial, embora o próprio dragão asiático não esteja imune à crise. Grande parte das suas exportações, que representam 27% do PIB, segue para Europa e Estados Unidos. “A desaceleração europeia chegará, de uma maneira ou de outra, ao dinamismo chinês”, diz o economista Fabio Silveira, da RC Consultores, de São Paulo. “É claro que não interessa à China uma quebra acentuada do ritmo da economia global, mas ela não tem controle sobre tudo, e o reflexo vai chegar ao comércio com outros países, incluindo o Brasil”, afirma Silveira. E em que momento, então, a China sentiria o impacto do quadro recessivo nas economia mais maduras? “Acredito num prazo de seis a nove meses para que isso aconteça”, diz Silveira. Até lá, não custa seguir o conselho do dono da CSN e ir fazendo um estoque de velas.
Colaboraram Guilherme Queiroz e Cristiano Zaia