Sancionada em plena ditadura militar pelo então presidente Médici (1905-1985), a Lei 5.579, de 1970, estabelece que seja celebrado a 5 de novembro de cada ano o Dia da Cultura e da Ciência. A data homenageia o nascimento de Rui Barbosa (1849-1923). Segundo o texto, o jurista e orador mereceu a honraria por ter sido “figura exponencial das letras e das ciências, no Brasil e no mundo”. Por mais controvérsias que haja em relação ao legado de Rui Barbosa, sua envergadura intelectual é inquestionável. Ministro das Relações Exteriores quando ganhou o apelido de Águia de Haia após discursar na Segunda Conferência Internacional da Paz, em 1907, ele assegurou seu lugar na história como polímata. Estudioso de diversos temas, foi ministro da Fazenda, cofundador da Academia Brasileira de Letras e indicado ao cargo de juiz do Tribunal Permanente de Justiça Internacional, órgão criado em 1921 pela Liga das Nações. Embora não tenha sido propriamente um cientista, a escolha de seu nome pelo governo militar para o dia nacional da Cultura e da Ciência fez todo sentido.

Mesmo com a homenagem a Rui Brabosa, a data é pouco conhecida. Ela raramente aparece nos calendários e nunca foi celebrada com a seriedade que representa. É mais uma daquelas efemérides à qual cabe o enfadonho clichê “não há motivos para comemorar”. O presidente da República eleito em 2018 fez o possível para deixar claro seu horror à Cultura e menosprezo pela Ciência. Até Médici, cujo governo foi marcado pela censura, repressão, torturas e assassinatos, entendeu que era importante incitar a produção de conhecimento científico e expressões culturais no País. Para Bolsonaro, que em seu discurso no último 7 de Setembro ignorou solenemente o bicentenário da Independência, nada disso importa. Nem Cultura, nem Ciência, nem História, nem o futuro da Nação — que tem se tornado pária mundial pela catastrófica gestão do meio-ambiente, da saúde e das relações internacionais.

Infelizmente, o estrago causado pelo poder Executivo nos últimos anos se torna ainda maior quando o Congresso Nacional está alinhado no mesmo obscurantismo. Embora os parlamentares tenham derrubado, em julho, os vetos de Bolsonaro às leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, garantindo recursos emergenciais à atividade cultural, a produção científica tem sido sacrificada por sucessivos cortes de verba — e corre o sério risco de perder mais uma importante fonte de financiamento.

Em dezembro encerra-se o prazo para que deputados e senadores decidam o futuro do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Criado em 1969, ele é mantido com recursos originários de diferentes tributos, mas sua destinação tem sido desvirtuada. O orçamento do FNDCT aprovado pelo Congresso Nacional para 2022 era de R$ 4,5 bilhões. O governo retirou daí cerca de R$ 2 bilhões que deveriam ser investidos em inovação por meio de fundos setoriais. Foi com o dinheiro do FNDCT que, no passado, o Brasil pôde construir laboratórios de pesquisas em diversas universidades públicas, alguns deles essenciais para estudos que garantiram resultados positivos no combate a doenças como Zika e Covid-19. O fundo também permitiu parte das pesquisas agropecuárias realizadas pela Embrapa que colocaram o Brasil na vanguarda do setor, e até projetos de engenharia de grandes obras de infraestrutura e energia, caso da ponte Rio-Niterói e da hidrelétrica de Itaipu.

O contingenciamento de verbas do fundo preocupa entidades como a Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), uma organização civil sem fins lucrativos, apartidária e de abrangência nacional. “O FNDCT deve servir aos interesses dos brasileiros que querem prosperar, produzir e encontrar no País um efervescente mercado de pesquisa e inovação”, afirmou o presidente-executivo da ABBI, Thiago Falda. “Porque, junto com os recursos financeiros, vão-se as melhores cabeças para outros países.” Sem dinheiro nem cérebros, o Brasil poderá passar as próximas décadas perdendo ainda mais posições no ranking internacional de inovação. Hoje, o País coupa a 52ª.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO