A imagem do goleiro Loires erguendo a taça no estádio Lujniki, na Rússia, em 2018, eternizou o segundo título da seleção francesa (o primeiro foi em 1998, em casa) na história da Copa do Mundo e fechou a 21ª edição do principal torneio de futebol mundial. Agora, quatro anos depois, as atenções se voltam novamente aos gramados, desta vez no Catar. Até 18 de dezembro, o pequeno mas bilionário país do Oriente Médio vai concentrar o que há de melhor em cada uma das 32 equipes participantes. Um espetáculo que deve ser acompanhado, segundo a Fifa, por 5 bilhões de telespectadores, equivalente a 63% da população mundial — 8 bilhões de pessoas desde a terça-feira (15). Uma audiência 43% superior à registrada no torneio passado, de 3,5 bilhões.

Os números superlativos não se restringem ao prestígio da competição junto ao público. O capital investido pelo país-sede para receber o Mundial é sem precendentes. A empresa de consultoria de finanças esportivas Front Office Sports estimou um custo de US$ 220 bilhões — ou R$ 1,1 trilhão —, cifra confirmada por Hassan Al Thawadi, secretário-geral do Comitê Supremo para Entrega e Legado do Mundial do Catar, órgão criado para organizar o torneio. Para efeito de comparação, as edições mais caras da história haviam sido realizadas na Rússia (2018, com custos estimados de US$ 11,1 bilhões) e no Brasil (2014, US$ 10,1 bilhões).

IMPONÊNCIA NO DESERTO O Catar construiu sete arenas para receber as 64 partidas do Mundial. Um investimento estimado em US$ 10 bilhões. (Crédito:David Ramos)

O montante investido pelo Catar corresponde a 13% do PIB brasileiro em 2021, de R$ 8,7 trilhões (US$ 1,6 trilhão). E o mais surpreendente: é maior que o PIB do próprio país-sede, de US$ 180 bilhões (2021). Para Amir Somoggi, sócio-diretor da Sports Value, empresa especializada em marketing esportivo, as deficiências estruturais do Catar obrigaram o país a “investir pesado” para receber a Copa do Mundo. O alto investimento do governo catariano integra o projeto Qatar National Vision 2030, que contempla obras de infraestrutura não relacionadas exclusivamente ao torneio, mas que irão beneficiar 1,2 milhão de turistas esperados durante os 30 dias de disputa e a própria população local, de 3 milhões de pessoas. Estão incluídas as construções de aeroporto internacional, sistema de metrô, estradas, hotéis e shopping centers. O capital aplicado supera em dez vezes o retorno econômico (US$ 20 bilhões) previsto pelo Catar com a realização da Copa do Mundo. No Brasil, o Mundial injetou US$ 13,5 bilhões no PIB do País, que alcançou US$ 2,4 trilhões em 2014.

Enquanto tenta superar polêmicas e acusações de violação de direitos trabalhistas do Catar na preparação da Copa (leia boxe na página 33), a Fifa está com os foco voltado ao retorno financeiro para recuperação de seu caixa. A entidade comandada pelo italiano Gianni Infantino espera arrecadar US$ 4,6 bilhões neste ano. Esse valor foi revelado em orçamento divulgado pela entidade máxima do futebol em 2020, portanto, está subestimado, segundo especialistas, que apontam faturamento de US$ 6,2 bilhões apenas com o Mundial. Para 2022, o lucro estimado é de US$ 1,5 bilhão. “Um bom resultado após a Fifa acusar prejuízo acumulado de US$ 1 bilhão em 2020 e 2021, quando a pandemia arruinou suas finanças”, afirmou Somoggi.

Os direitos de transmissão são as principais fontes de receita da Fifa no ano, com participação de 56% (considerando a previsão de receita de US$ 4,6 bilhões), ou US$ 2,6 bilhões. Na sequência vêm os direitos de marketing, com 29% (US$ 1,3 bilhão). Isso sem contar os 15% referentes a direitos de licenciamento, de hospitalidade e vendas de ingressos e outras receitas. Apenas no Brasil, o Grupo Águia, detentor dos direitos de comercialização de pacotes para o Mundial, vai levar 2 mil turistas ao Catar, além de ter elevado de US$ 30 milhões para US$ 40 milhões a previsão de faturamento com o torneio.

PARA A HISTÓRIA Goleiro Hugo Lloris ergue a taça no bicampeonato mundial conquistado pela França, em 2018, diante da Croácia, na Rússia. (Crédito:Anne-christine Poujoulat)

A realização da Copa do Mundo de 2026, que será organizada conjuntamente por Estados Unidos, Canadá e México, deve ser ainda mais rentável para a Fifa. Terá a participação de 48 países, contra 32 na atualidade. O formato com 80 jogos no total – e não 64 como agora – obviamente prevê, entre outras coisas, maior arrecadação com bilheteria. A estimativa do comitê organizador é que o faturamento atinja US$ 14 bilhões, com lucro de aproximadamente US$ 11 bilhões.

Para Adalberto Leister Filho, diretor de conteúdo da Máquina do Esporte — site especializado em negócios e em marketing esportivo —, o novo formato do torneio tem o lado econômico e também político. “Pelo lado político, ao colocar mais seleções a Fifa vai atingir mais públicos”, disse. “E é também uma maneira de Gianni Infantino agradar mais federações nacionais, que votam na eleição para a presidência da entidade.” Pelo lado financeiro, Leister Filho destaca que o Mundial atinge mercados globais e a entidade fecha também contratos regionais. “Nem toda empresa tem uma projeção de nível mundial, como Coca-Cola ou McDonald’s. Algumas empresas atuam mais em mercados regionais.”

Os direitos de marketing representam importante fonte de receita para a Fifa, que tem três modelos de patrocínio distintos: parceiros globais, patrocinadores da Copa e apoiadores regionais. Na primeira categoria estão sete marcas presentes em todos os eventos organizados pela associação. São os casos, por exemplo, de Adidas, Coca-Cola e Visa. Estima-se que cada uma desembolse cerca de US$ 120 milhões para associar a sua imagem a todas as competições da entidade. Os patrocinadores pontuais do torneio no Catar são outros sete, como Budweiser e McDonald’s. Uma novidade neste torneio são as cotas para apoiadores regionais. São 20 bandeiras (quatro por continente) que podem explorar comercialmente a competição em territórios específicos. Na América do Sul estão as empresas brasileiras Nubank (banco digital) e Claro (operadora de telefonia), além da multinacional de origem indiana UPL (líder em agricultura sustentável) e da colombiana Inter Rapidíssimo (fornecedora de serviços de entrega).

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O Nubank vê na paixão das pessoas pelo futebol uma oportunidade de se aproximar mais dos clientes e gerar fortalecimento da marca. “O futebol tem, como nenhum outro esporte, o poder de unir as pessoas no mundo”, disse à época do anúncio da parceria com a Fifa Arturo Nuñez, diretor de Marketing do banco digital. Sem revelar o montante envolvido no acordo para o Mundial, o Nubank disse não descartar a presença novamente como apoiador ou até patrocinador na edição 2026. Por meio de nota, afirmou que sempre estuda novas possibilidades. “Consideramos apoiar iniciativas esportivas e inclusive neste ano nós apoiamos, além da Copa, a Taça das Favelas, uma iniciativa da Cufa [Central Única das Favelas] que tem como objetivo, além do futebol, promover a integração social.”

IMPACTO No Brasil, os efeitos do Mundial no Catar são vistos com otimismo por alguns setores, mas pessimismo por outros. Diego D’Arrigo, sócio e assessor de investimentos na Messem Investimentos, maior escritório de agentes autônomos do Grupo XP, observa que neste período, em decorrência do torneio, aumenta a demanda do varejo, em especial de eletrodoméstico, vestuário, cosméticos e alimentos. “É um movimento relevante que gera impacto no consumo das famílias”, afirmou. “A expectativa é boa nesses setores pelo ambiente criado pela Copa e a injeção na economia do 13º salário e do Auxílio Brasil.” Ele alerta, porém, sobre a produtividade industrial, que pode ser afetada em dias de jogos do Brasil. Na primeira fase, a Seleção Brasileira fará três partidas em dias úteis, situação que poderá se repetir em outras três ocasiões caso avance às semifinais.

UM NOVO EMIRADO O montante investido pelo Catar resultou em novo sistema de metrô, estradas, hotéis, aeroporto, além de outras melhorias. (Crédito:Sidhik Keerantakath)

Já o segmento cervejeiro espera aumento de 8% no consumo da bebida em território nacional (foram comercializados 14,3 bilhões de litros no País em 2021).Por outro lado, mercados como o de automóveis usados temem recuo nas vendas diante da suspensão das atividades em dias de partidas da Seleção Brasileira. Para Enílson Sales, presidente da Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenauto), o Mundial vai prejudicar o setor. “Vou torcer para que o Brasil chegue à final, mas os dias de jogos serão praticamente perdidos.” Um efeito colateral do maior evento da Terra.

Sob acusações, Catar busca aliviar pressão internacional

Adrian Dennis

Na mesma proporção da perspectiva de um grande evento esportivo e econômico no Catar estão as críticas de organizações não governamentais ao país. As intervenções em infraestrutura realizadas para receber a Copa do Mundo se transformaram em problema para o governo local. As autoridades seguem sob pressão de ONGs e da comunidade internacional para a criação de um fundo indenizatório para famílias de trabalhadores mortos ou feridos durante as obras. Segundo o jornal inglês Daily Mirror, as mortes nos canteiros de obras espalhados pelo país árabe podem ter chegado a 6,5 mil. Já o jornal americano The New York Times apurou que as mortes estariam entre 12 mil e 15 mil. As estatísticas são descartadas pela organização, que também rejeitou a verba indenizatória.

O fundo de compensação aos trabalhadores reclamado por organizações como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch é de US$ 440 milhões, equivalente aos prêmios pagos às seleções da Copa do Mundo. Mais do que apontar as más condições de trabalho, as ONGs pedem ao Catar e à Fifa que o número real de mortes seja informado. A Fifa diz que há um “diálogo contínuo” sobre o assunto. O Catar enfrentou uma onda de críticas desde que foi escolhido sede da Copa do Mundo em 2010, principalmente após denúncia de compra de votos para sediar o evento. O suíço Joseph Blatter, presidente da Fifa à época e depois preso por corrupção, chegou a declarar que foi errada a escolha do país. Cobranças ao Catar se intensificaram também pedindo respeito aos direitos das mulheres e do coletivo LGBTQIA+, principalmente após declarações do ex-jogador do Catar Khalid Salman, embaixador da Copa, que chamou a homossexualidade de “dano mental”.

A afirmação provocou reações imediatas. Ativistas protestaram em frente ao museu da Fifa, na Suíça. E ganharam voz em países que irão disputar o Mundial. Os capitães de seleções europeias como França, Inglaterra e Alemanha, por exemplo, vão usar braçadeiras com as cores do arco-íris e mensagem One Love numa campanha antidiscriminação. Diante de tantas polêmicas, artistas como Rod Stewart, Dua Lipa e Shakira recusaram convite da Fifa para cantar na cerimônia de abertura, no dia 20. Catar e Fifa esperam encerrar a Copa no dia 18 de dezembro maiores do que iniciaram. Dependerá de como agirem em relação às denúncias.