17/03/2023 - 0:05
Jerome Powell completou 70 anos dia 4 de fevereiro. Cinco semanas depois, recebeu um presente de aniversário invertido e uma bomba caiu em seu colo: na sexta-feira (10), foi anunciada a quebra do Silicon Valley Bank (SVB), o 16º maior dos EUA. E nada é mais assustador para o sistema do que o colapso de uma instituição financeira. Pelo efeito em cascata que pode provocar. Tanto que 48 horas depois, no domingo (12), foi a vez do Signature Bank. Em comum, os dois tinham o fato de serem jovens — o SVB é de 1983 e o Signature, de 2001 — e atuarem majoritariamente na nova economia — o primeiro com startups, o segundo com criptomoedas. As ações iniciais das autoridades americanas, de garantir os depósitos aos clientes, acalmaram seus pares no mundo. Tudo parecia a caminho de ser controlado, longe do que ocorreu em 2008. A frágil tranquilidade durou 72 horas. Na quarta-feira (15), a crise atravessou o Atlântico e mudou de perfil. Nada de nova economia ou banco sem tradição. O Credit Suisse, de 1856, quase rodou. O BC suíço o socorreu com uma linha de US$ 54 bilhões e fez a sensação de que tudo está sob controle desaparecer. E outro banco dos EUA está na berlinda: o First Republic Bank — o gigante JP Morgan já estaria disposto a comprá-lo, se os reguladores derem aval. Na real, esse tipo de crise está para a economia global como a pandemia de Covid-19, para a saúde. E de pandemia o mundo passou a entender bem.
Até as quebras estarem restritas ao mercado americano a situação era preocupante. Mas ao chegar à Europa, e a uma instituição como o Credit Suisse, ela se tornou alarmante. O balanço ruim do banco, publicado na terça-feira (14), se contaminou com a quebra do SVB e virou derretimento do preço das ações no dia seguinte, quando os papéis desabaram até 30% após um pedido de aporte ao seu sócio, o Saudi National Bank, da Arábia Saudita, ser negado. O banco saudita tem quase 10% de participação, limite permitido na legislação. A saída foi recorrer na mesma quarta-feira ao Banco Central suíço, que teve de realizar o socorro bilionário.
Pois é esse caldo de tensão que Powell terá de resolver. E haverá um Dia D para isso: a quarta-feira (22). O homem que comanda o Fed, o BC dos EUA, uma instituição independente, vai estar à frente das reuniões do Federal Open Market Committee (Fomc) — equivalente ao Copom do nosso BC — na terça e na quarta para anunciar se o que foi declarado até aqui vai continuar a valer: juros altos para controlar a inflação. O patamar dos Fed Funds, os juros americanos, hoje está na faixa de 4,5% a 4,75%, numa nação acostumada a percentuais próximos do zero. Um ano atrás, flutuava entre 0% e 0,25%. E Powell vinha declarando que a taxa continuaria a subir provavelmente até o fim do ano para debelar uma inflação que teima em ficar muito acima (na casa dos 6%) da meta (de 2%). O que o Fomc decidir por lá deve virar cascata pelo planeta. A agenda não ajuda o Brasil, porque nos mesmos dias o Copom decidirá aqui o que fazer com a Selic. Se derruba ou mantém.

Se até a véspera da quebra do SVB parecia ser consenso entre analistas e economistas de todas as matizes que a dose elevada de juro servia para domar a inflação, agora parece ser consenso de que o remédio está mais matando que curando o paciente. E esse é o problema. O plneta nunca havia trabalhado com tanto crédito barato por um período tão longo (desde a crise de 2008), acentuado pela pandemia de Covid-19, que se juntou a uma quebra de cadeias de suprimentos e inflação fora de controle mundo afora. Em suma, não dá para cravar mais se as teorias e conceitos continuam a valer. Por aqui, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o caso é grave e que o governo está monitorando a situação. “Eu não sei se vai gerar uma crise sistêmica. Mas o fato é que é grave o que aconteceu.” Na vida real, os efeitos têm sido danosos. As principais bolsas do mundo acumulavam quedas até a quarta-feira (15): Nova York (- 1,17%), Londres (-6,79%), Paris (-5,88%), Frankfurt (-5,74%), Tóquio (-4,27%). Por aqui, o Ibovespa recuou 2,04%. Os maiores bancos também perderam: BB (-4,04%), Bradesco (-3,15%), Itaú (-4,13%) e Santander Brasil (-2,69%).
SVB Considerado uma instituição regional nos EUA, o SVB tinha US$ 212 bilhões em ativos, principalmente de startups, tamanho equivalente ao de grandes bancos privados brasileiros. Para chegar ao atual momento, em que o fogo foi ateado no pavio, é preciso voltar a 2007, início da crise do subprime, que estourou em 2008. O governo americano injetou trilhões de dólares na economia em estímulo para empresas contraírem empréstimos a baixo custo e, assim, gerar emprego e consumo. O dinheiro barato por mais de uma década fez os investidores aplicarem capital em empresas de tecnologia, com alto potencial de crescimento. E aí vieram dois movimentos importantes do Fed. O primeiro em 2020. Com a pandemia declarada, autorizou os bancos a não terem mais reserva técnica dos depósitos à vista dos clientes. Eles poderiam, então, aplicar 100% do que recebiam. Foi uma minifarra. Em 2019, pré-pandemia, o mercado americano de venture capital movimentou US$ 145 bilhões. Dois anos depois, em 2021, esse volume foi a US$ 330 bilhões, alta de quase 130%. A festa acabou com o segundo movimento do Fed, ao longo de 2022, de fechar a torneira do dinheiro barato ao aumentar sucessivamente a taxa de juros para combater a inflação que teima em não ceder.
O que aconteceu é bem definido pelo colunista-celebridade americano Matt Levine. “Quando as taxas de juros estão baixas em todos os lugares, US$ 1 em 20 anos é quase tão bom quanto US$ 1 hoje, então uma startup cujo modelo de negócios é ‘vamos perder dinheiro por uma década e em seguida arrecadar muito dinheiro no futuro distante’ soa muito bem”, disse. “Mas quando as taxas de juros são mais altas, US$ 1 hoje é melhor do que um dólar amanhã e todo o dinheiro que estava indo para clientes é subitamente cortado.” Bingo. O SVB anunciou na quinta-feira (9) a venda de R$ 21 bilhões em títulos com prejuízo de US$ 1,8 bilhão e disse que venderia outros US$ 2,25 bilhões em novas ações para reforçar seu balanço. Isso causou preocupação entre as principais consultorias de capital de risco. As ações derreteram 22,9%. Saques das contas do SVB somaram US$ 42 bilhões apenas naquele dia.
No domingo (12), o presidente Joe Biden disse que “os americanos podem ter confiança de que o sistema bancário é seguro e seus depósitos estarão lá quando vocês precisarem”. Nos Estados Unidos, os depósitos são garantidos em até US$ 250 mil por cliente em cada instituição — no Brasil em R$ 250 mil. A decisão foi ir além disso e cobrir todos os depósitos. Uma maneira de acalmar o mercado, mas que não evitou que outros bancos pequenos passassem a sofrer uma onda de saques para instituições maiores. O Fed também criou um Programa de Financiamento a Prazo de Bancos destinado a suprir os depósitos. Ele oferecerá empréstimos de até um ano a bancos, associações de poupança, cooperativas de crédito e outras instituições. Em troca, receberá papéis e Fed Funds de posse dessas instituições. Não será, como em 2008, uma distribuição farta de dinheiro sem garantias. Ainda assim, há gente graúda do mercado, como Ray Dalio, da gestora global Bridgewater, que acredita que o caso do SVB é só início de um grande problema para a economia mundial. A saída apontada pelo mercado é o Fed cortar os juros, mas Dalio avalia como provável que nos próximos dois anos possa ocorrer outro quantitative easing (QE), ou seja, que as instituições gerem outra cilada ao jogar trilhões de dólares na economia.
BRASIL Mercado, setor bancário e especialistas acreditam que a quebra dos bancos e a crise instalada nos EUA não refletirão de maneira direta no Brasil. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que as informações disponíveis até o momento “apontam para um efeito localizado” apenas em território americano. “O setor no Brasil é bem capitalizado, líquido, tem provisionamento suficiente e tem suas operações majoritariamente no mercado local, garantindo segurança aos 180 milhões de clientes bancários e à economia como um todo”, disse. Fintechs brasileiras como o Nubank e o C6 Bank, que possuem estruturas internacionais, informaram que não possuíam exposição no SVB. Em live na noite de segunda-feira (13), o estrategista-chefe da XP, Fernando Ferreira, descartou maiores impactos para instituições locais. “Os bancos brasileiros estão muito confortáveis em capitais”, disse.
Para Giuliano De Marchi, CEO da JP Morgan Asset Management para América Latina, o período de 12 a 18 meses pela frente será “difícil e complicado” para empreendedores e startups brasileiros. “O mercado cai de elevador e sobe de escada. A palavra de ordem agora é se proteger. Ninguém vai buscar risco neste momento”, disse. Significa que a barra para aportes em startups está bem mais alta e menos pulverizada por parte dos investidores. Orlando Cintra, fundador e CEO do BR Angels, grupo de investimento anjo com 270 integrantes, diz que continuará investindo da mesma forma que nos últimos três anos. “Mas obviamente o momento do setor requer uma dinâmica diferente.” CEO do BMG Seguros e conselheiro da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), Jorge Sant’Anna avalia que “devemos ver uma certa retração no mercado que alimenta as startups e o retardo de algumas situações, como nova safra de IPOs, que deve demorar um pouco mais”.

FUTURO Na prática, todo mundo vai estar de olho no que o Fomc decidirá na quarta-feira. O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, diz que se chegou a uma encruzilhada: ou aumenta juros como projetado para levar a inflação à meta de 2% ao ano, ou salva o sistema bancário com estímulos. “Há muita pressão para o Fed baixar os juros, mas ele olha a economia como um todo e os dados de emprego estão positivos, pró-inflação”, afirmou. “Por outro lado, há uma preocupação de não repetir a crise de 2008.” Segundo o analista da Terra Investimentos Luis Eduardo Novaes, “a interrupção do ciclo de alta ainda é vista como incerta”. Na visão do estrategista-chefe da casa de análise Levante, Rafael Bevilacqua, um novo aumento dos juros pode fazer mais estragos. “Se a linha de socorro criada pelo Fed for capaz de tranquilizar investidores e depositantes, a crise que veio rápido deverá ir embora rápido”, disse. “No entanto, se houver um temor de que os juros altos vão fazer mais vítimas, desta vez não será diferente: haverá muitos prejuízos pelo mercado.” Questão para Jerome Powell resolver. O mundo aguarda.