No imaginário popular, tudo que acontece na França, especialmente em Paris, tem a aura do charme e da elegância. É comum que as grandes corporações francesas façam assembleias de acionistas no luxuoso centro de convenções, anexo ao Museu do Louvre. O que não é comum são os conselheiros passarem por um verdadeiro corredor polonês formado por funcionários revoltados e contrários ao que se votará em espaço tão nobre. “É uma assembleia-geral que não vamos esquecer”, disse um acionista do Carrefour na terça-feira 21, pouco depois de escapar da turba por uma escada de emergência e chegar ao local da reunião em que se votariam dois assuntos particularmente importantes. 

Para indignação e fúria dos funcionários, os acionistas aprovaram o desmembramento e a abertura do capital da rede Dia, no Brasil, conhecida como Dia%. A marca, que respondeu por 11% dos € 90 bilhões faturados pelo grupo, em 2010, será cotada a partir de julho na bolsa de valores de Madrid – a Dia teve sua origem na capital espanhola. A segunda notícia, dada pelo presidente do grupo, Lars Olofsson, é que o Carrefour não vai se desfazer de suas operações no Brasil – um negócio de R$ 29 bilhões e 644 lojas. Pode-se avaliar a importância do Brasil para o Carrefour por outro parâmetro: é a segunda maior operação do varejista depois da França, onde a marca ainda é líder. 

 

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No olho do furacão: abrir o capital da Dia faz parte da estratégia de Lars Olofsson para dar resutado 

 

A eventual venda da operação do Carrefour no Brasil começou a ser discutida em 2009 pelos dois principais acionistas, Bernard Arnault, o homem mais rico da França, e o fundo americano Colony Capital, que  não hesitaram em sugerir a venda das operações nos mercados emergentes como forma de fazer algum dinheiro. Se os dois já não estavam felizes com a falta de resultado do capital investido na varejista,  ficaram menos ainda com a descoberta de um rombo de R$ 1,2 bilhão na subsidiária brasileira, resultante de uma contabilidade malfeita. Há pouco mais de um mês, a possível venda do Carrefour Brasil  voltou a ocupar espaço na imprensa com o vazamento da informação de que Abílio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, e Lars Olofsson falaram sobre uma eventual negociação. 

 

Se a ideia é mesmo ficar por aqui, é bom começar a arrumar a casa. O Carrefour foi líder no varejo brasileiro por quase duas décadas. Perdeu o posto para o Pão de Açúcar e já há no mercado quem veja uma “perigosa”  aproximação do terceiro colocado, o americano Walmart. “O modelo de loja é da década de 1980”, afirma Maurício Morgado, professor da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. “O atendimento ao cliente também é ruim.” Já Cláudio Felisoni, do Programa de Administração do Varejo (Provar) da USP, tem uma receita bem simples para o Carrefour voltar aos trilhos no Brasil. “Basta fazer hoje o que o Pão de Açúcar fez nos anos 1990”, diz Felisoni. “Hoje, as lojas são bonitas, bem iluminadas e bem sortidas. Tudo o que o Carrefour não tem por aqui.” 

 

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Questão de ordem: apesar dos protestos dos trabalhadores, a rede Dia foi desmembrada

 

Se estivesse vivo, Sérgio Porto, que sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, compôs o “Samba do Crioulo Doido”, poderia pensar na versão do samba do francês maluco. Há uma semana, o Casino aumentou sua participação no Pão de Açúcar. O banco Société Generale reforçou sua posição no Carrefour, apesar dos avisos de que os resultados de 2011 não serão bons. O presidente do conselho de administração do Carrefour, Amaury de Seze, pediu demissão na assembleia do barulho. Mais confuso que isso, só os funcionários que protestavam do lado de fora. Além dos franceses, também bateram ponto no protesto trabalhadores italianos e espanhóis.

 

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