Não é de hoje que Brasília mais parece um reino da fantasia, das mordomias e do perdularismo, onde a falta de vergonha na cara é um atributo quase natural – me refiro aos políticos, é claro. Nos últimos dias, um grupo de parlamentares articulou um golpe que pretendia anistiar os envolvidos com caixa 2. A ideia era incluir o “benefício” no pacote de medidas contra a corrupção, apresentado pelo Ministério Público. Os maiores interessados seriam os próprios deputados federais e senadores que são investigados pela Operação Lava Jato.

Ou seja: sob o pretexto de adotar regras que vão coibir a corrupção, os nobres parlamentares isentariam os “erros” cometidos nas últimas eleições. O argumento jurídico seria o de que ninguém pode ser condenado de forma retroativa. Ou seja: sob o pretexto de adotar regras que vão coibir a corrupção, os nobres parlamentares isentariam os “erros” cometidos nas últimas eleições. O argumento jurídico é o de que ninguém pode ser condenado de forma retroativa. Qualquer cidadão honesto sabe que o caixa 2 é – e sempre foi – uma ilegalidade.

Usar dinheiro na campanha sem comunicar a Justiça Eleitoral é uma forma espúria de tentar chegar ao Poder. Pior ainda se o recurso é fruto de corrupção. No entanto, os exemplos vindos de Brasília tentam passar um ar de naturalidade à artimanha. Basta lembrar que, em julho de 2005, no auge do escândalo do mensalão, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que “o que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente”. O petista tentou, com isso, minimizar a importância da prática do caixa 2, negando à época a existência do mensalão.

Na noite da quarta-feira 23, a comissão especial da Câmara aprovou por 30 votos a zero o texto do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) com as medidas anticorrupção, incluindo a pena de dois a cinco anos de prisão para crimes de caixa 2. Na sequência, o relatório seria votado em plenário com uma emenda que oficializaria a anistia. E mais: de última hora, incluiria a possibilidade de processar magistrados e promotores por crime de responsabilidade, numa clara intimidação aos protagonistas da Lava Jato. Para não manchar a imagem de nenhum parlamentar, a votação seria simbólica, ou seja, em poucos segundos e sem o registro dos nomes.

A concretização do golpe se daria no Senado. O texto, se sancionado pelo presidente Michel Temer, poderia livrar grande parte dos alvos da Operação Lava Jato, já que os políticos alegam ter recebido recursos desviados da Petrobras, via empreiteiras, com fins eleitorais. Na quinta-feira 24, o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, criticou, em nota, a manobra. “Tem-se a esperança de que nossos representantes eleitos, zelosos de suas elevadas responsabilidades, não aprovarão medida dessa natureza.”

Moro sabe melhor do que ninguém que a Lava Jato pode acabar em uma enorme pizza se o golpe parlamentar for concretizado. Diante da repercussão negativa e da falta de acordo entre os partidos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiou a votação do pacote anticorrupção, que voltará à pauta em breve. Por ora, a manobra não prosperou, mas é utópico imaginar que os parlamentares não agirão novamente. Aliás, essa foi a segunda tentativa de blindar os colegas enrolados com a Justiça Eleitoral.

Na primeira vez, em setembro deste ano, os deputados quiseram votar, na calada da noite, um projeto que também previa a anistia a quem praticou caixa 2. A tática só fracassou porque o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) fez uma denúncia. Diante da iminente megadelação premiada dos executivos da Odebrecht, é nítido o temor dos políticos em Brasília. Quem cometeu irregularidades, que arque com as consequências. Legislar em causa própria para anistiar crimes é o suprassumo da cara de pau. Fiquemos atentos: se o golpe for bem sucedido, será um tapa na cara da Lava Jato.