09/11/2016 - 19:30
O ano era 1966. Carlos Eduardo Ferreira enfrentava sérias dificuldades para tocar a gráfica Centenário, fundada por ele cinco anos antes, em Avaré, interior de São Paulo. O principal receio era de que a empresa fosse obrigada a fechar as portas, assim como acontecera com a revenda de tratores, seu negócio anterior. Um golpe de sorte mudou esse destino. O empresário ganhou na loteria e comprou um novo maquinário, que deu fôlego à companhia, na ativa até hoje, sob o comando de seus filhos. A veia empreendedora de Carlito, como era mais conhecido na cidade, segue inspirando a família.
Mas, se depender de seus netos, a história da nova geração dos Ferreira não será escrita por prensas e embalagens, e sim, em um outro mercado: a indústria de smartphones. O desafio de construir uma marca nacional de celular do zero atende pelo nome de Rockcel. O projeto começou a ser idealizado há dois anos por José Eduardo Ferreira, CEO da empresa. Assim como o avô, não era a sua primeira experiência como empreendedor. Formado em engenharia, ele já havia fundado a BioSpace, que desenvolveu uma “biruta eletrônica” para o setor de aviação.
Como a novata não decolou, Ferreira enxergou nos celulares uma oportunidade. “O Brasil vende entre 40 milhões e 50 milhões de celulares”, diz. “Nosso plano em médio prazo envolve menos de 1% desse volume.” À procura de investidores, Ferreira encontrou muita resistência. E a entrada em um setor dominado por gigantes mundiais não foi a única barreira. “Os fundos preferem investir em empresas de software, onde o risco é menor. Todos tremiam quando eu falava em smartphones”. O bilhete premiado veio quando ele foi apresentado por um desses fundos a Eugênio Ermírio de Moraes, neto do empresário Antônio Ermírio de Moraes.
Em fevereiro, Eugênio montou a Lynnwood Participações, que investiu R$ 4,5 milhões em troca de 20% da Rockcel. Os 80% restantes pertencem a José Eduardo e ao seu irmão Henrique. Em operação desde junho, a Rockcel vai se concentrar nos smartphones de entrada. “Nossa estratégia é atacar com bons produtos os mercados nos quais as grandes marcas estão deixando de trabalhar”, diz Ferreira. A linha inclui os modelos Quartzo e Opalus, com preços de R$ 399 e R$ 529, respectivamente. Os aparelhos trazem recursos que atendem às demandas mais populares dos usuários, como a navegação em redes sociais e em aplicativos como o WhatsApp.
O Opalus tem tela de 5 polegadas, memória de 8 GB, câmera traseira de 8 megapixels e é equipado com a penúltima versão do Android. A concorrência será mais dura para esse modelo. Nomes como Samsung, Motorola e LG atuam na faixa de R$ 450 a R$ 699, que responde por 28% das vendas no Brasil, segundo a consultoria IDC. Para Diego Silva, analista da IDC, há espaço para novas empresas nesse filão, onde há outras rivais (leia quadro). “Ao contrário dos aparelhos mais caros, nessa faixa, os consumidores dão muito mais valor ao custo benefício do que à marca”, afirma.
No entanto, há riscos nessa vertente. “Essas gigantes têm muito poder de fogo e podem fazer estragos com suas estratégias de preço”, diz outra fonte do setor. Uma das principais armas da Rockcel é a sua fábrica própria. Instalada em uma área de 3,3 mil metros quadrados, em Avaré, a unidade tem capacidade para produzir 120 mil aparelhos por mês. A empresa também criou estruturas próprias de call center e de assistência técnica, em São Paulo, e já prevê unidades similares em Recife, Goiânia e Belém. Encontrar espaço no varejo, no entanto, é o maior desafio.
“Existem muitas barreiras para receber uma marca nova e nacional.” A princípio, a empresa concentrou esforços em redes regionais, como a Casa & Vídeo, no Rio de Janeiro, e a Credimóveis Novolar, no Nordeste. Nas prateleiras desde junho, a marca está presente em 900 pontos de venda, além de e-marketplaces de pequeno porte. Para romper a barreira dos grandes varejistas e distribuidores, a Rockcel aposta nos contatos de seu time de executivos, com passagens por empresas como Sony-Ericsson e a distribuidora Ingram Micro.
“A fábrica própria também dá segurança”, diz Aldo Moino, diretor de marketing da Rockcel. “Ela e a equipe mostram que não somos aventureiros.” Com uma verba enxuta, a divulgação da marca será focada nos pontos de venda. Um dos destaques é o Rockbus, um ônibus de dois andares com DJ e pista de dança. A ideia é realizar ações com lojas e casas noturnas, sorteio de brindes e experimentação dos produtos. A Rockcel vendeu 20 mil aparelhos até o momento e prevê fechar 2016 com 80 mil unidades. Em 2017, a meta é de 600 mil smartphones. “Sabemos as nossas limitações e o tamanho dos rivais”, diz Ferreira. “Mas estamos fazendo a nossa parte e vamos ocupar o nosso espaço.”
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É coisa nossa
Conheça as outras empresas brasileiras que apostam no mercado de smartphones
POSITIVO (QUANTUM)
A Positivo passou a investir em smartphones no fim de 2012, com aparelhos de entrada e intermediários. Em 2015, a empresa lançou a marca Quantum, que mescla modelos mais sofisticados e preços mais acessíveis
MULTILASER
Conhecida por um amplo portfólio de eletrônicos, a empresa estreou no mercado de smartphones em 2012. Após investir em aparelhos de entrada, a empresa ampliou seu leque recentemente, com modelos de até R$ 950
QBEX
A fabricante entrou no mercado de smartphones no segundo semestre de 2014. No projeto, investiu R$ 100 milhões na ampliação de sua fábrica em Lauro de Freitas (BA)
DL
Líder no mercado nacional de tablets, a empresa decidiu investir em celulares em julho de 2015, com aparelhos básicos. Um ano depois, a companhia lançou seus smartphones, na faixa de preços de R$ 300 a R$ 600