O Brasil torrou, apenas no mês de setembro, R$ 30 bilhões com o pagamento de juros da dívida pública federal. É praticamente o mesmo montante destinado ao Programa Bolsa Família durante o ano inteiro. Gasta-se muito com juros por dois motivos: a taxa real (descontada a inflação) no País é a maior do mundo e a dívida é enorme e não para de crescer. Na terça-feira 25, o Tesouro Nacional divulgou que a dívida mobiliária aumentou 3,1% em setembro e alcançou o patamar histórico de R$ 3 trilhões. Essa expansão deve-se às despesas com juros e a uma maior emissão de títulos públicos, que servem para captar recursos que vão cobrir o rombo das contas públicas.

Se a cifra de R$ 3 trilhões já assusta, a dívida pública bruta total, que inclui os resultados municipais, estaduais e as operações compromissadas do Banco Central (BC), espanta muito mais. O rombo é de R$ 4,3 trilhões, o equivalente a 71% do Produto Interno Bruto (PIB). O quadro descrito acima é um dos principais argumentos para o Congresso Nacional chancelar a Proposta de Emenda à Constituição 241, conhecida como PEC dos gastos públicos. No mesmo dia em que o Tesouro Nacional escancarou o tamanho do problema, a Câmara dos Deputados aprovou por ampla maioria, em segundo turno, a PEC que limitará o crescimento das despesas à inflação do ano anterior durante 20 anos.

O texto segue para o Senado Federal, com duas votações, para posterior sanção do presidente Michel Temer. “No atual ambiente macroeconômico, em que o PIB encolhe e os juros reais estão em 8,5% ao ano, é muito preocupante ter uma relação dívida/PIB de 71%”, afirma o economista Felipe Salto, mestre em administração pública pela Fundação Getulio Vargas. “Nesse aspecto, a PEC é bem-vinda, embora o prazo de 20 anos seja muito longo e vai acabar gerando superávits primários excessivos no futuro de 6% a 6,5% do PIB.” A geração de superávits primários (receitas menos despesas, sem considerar os juros) é a meta principal da equipe econômica para reduzir o endividamento público.

Se nada fosse feito, a relação dívida/PIB chegaria a 100% em 2020. Em vídeo divulgado no site do Palácio do Planalto, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defende a vigência da PEC por 20 anos. “Se fizéssemos um prazo muito curto, digamos metade desse, por exemplo, no momento em que a dívida começa a se estabilizar para cair, já estaria terminado o prazo de vigência da PEC”, afirma Meirelles. “Portanto, o efeito disso na economia seria inócuo. Nós faríamos um esforço grande para morrer na praia.” Em diversos eventos empresariais, o ministro tem reiterado que a emenda constitucional prevê a revisão das regras no décimo ano de sua vigência.

Na quinta-feira 27, foi a vez da Receita Federal jogar luz sobre o problema fiscal. A arrecadação de impostos caiu 8,3% em setembro, em termos reais, na comparação com o mesmo mês de 2015. A cifra de R$ 94,9 bilhões foi a menor para setembro em sete anos. “Vai demorar um pouco para que a melhora da confiança se reflita na arrecadação”, diz Claudemir Malaquias, chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal. No mesmo dia, o Tesouro informou que as contas do governo federal fecharam setembro com um déficit de R$ 25,3 bilhões, o pior resultado desde o início da série histórica, em 1997.

Além da PEC dos gastos públicos, o governo federal vai batalhar pela aprovação de uma reforma previdenciária que estabeleça uma idade mínima para a aposentadoria. O objetivo é reverter a inexorável trajetória explosiva dos gastos da previdência num contexto de envelhecimento da população. Na quarta-feira 26, o Supremo Tribunal Federal (STF) gerou um alívio à equipe econômica ao rejeitar a possibilidade de recálculo dos benefícios de aposentados que continuam a trabalhar e a contribuir com o INSS. Conhecida como “desaposentação”, a medida tinha o potencial de aumentar os custos da previdência em R$ 7,7 bilhões por ano, segundo a Advocacia-Geral da União.

A meta de déficit primário em 2016 é de R$ 170,5 bilhões, um enorme desafio. Até o fim do ano, no entanto, duas notícias devem aliviar o quadro fiscal. A primeira refere-se à repatriação de recursos não declarados no exterior, que pode render mais de R$ 50 bilhões aos cofres públicos. A outra é sobre mais um corte na Selic, em novembro, aliviando a dívida bruta total. “O atual patamar de juros não faz o menor sentido“, diz Salto. “Não tem pressão de demanda, a expectativa inflacionária já caiu e o risco-país despencou.” Ao reduzir os juros, o BC dará uma grande ajuda para desacelerar o meteoro fiscal.