11/09/2015 - 20:00
No dia 1º de julho de 1798, Napoleão Bonaparte invadiu o Egito. Era a primeira vez desde as Cruzadas que uma armada europeia pisava em solo árabe. Um dos primeiros atos do imperador francês foi fazer uma proclamação garantindo ao povo egípcio suas boas intenções. “Povo do Egito, quando ouvirem que eu vim para destruir sua religião, não acreditem! Eu vim para reestabelecer seus direitos e punir os usurpadores. Respeito Deus, o Profeta e o Corão”, afirmou Napoleão.
Em seguida, os franceses organizaram um grande evento para mostrar a superioridade de sua civilização. A exposição incluía demonstrações nas áreas militar, médica, química e até um voo de balão – que acabou caindo logo após levantar voo. Em vez de admiração, no entanto, os europeus receberam um sentimento de indiferença. Testemunha ocular desses acontecimentos, o teólogo egípcio ‘Abd al-Rahman al-Jabarti nos dá outra versão da história.
No livro “The Arabs”, de 2011, o historiador Eugene Rogan afirma que as anotações de al-Jabarti mostram que os árabes estavam, sim, impressionados com a tecnologia europeia, mas nunca dariam o braço a torcer. O orgulho árabe era mais forte do que o espanto e a admiração pela superioridade francesa. Napoleão deixaria o Egito, derrotado, três anos depois. Mas esse encontro mudaria para sempre tanto árabes, quanto europeus. Para os nativos, era o começo de um longo inverno.
Desde a Revolução Industrial, quando, após séculos de domínio árabe, os europeus finalmente se viram à frente do mundo islâmico em termos tecnológicos, as relações entre esses povos têm causado prejuízos enormes aos muçulmanos. Se, nos primeiros 500 anos após o surgimento do islamismo, no século 7, os árabes construíram um império que se estendia da Península Ibérica à Arábia, chegando até a parte da Mongólia, nos últimos dois séculos, a vida tem sido dura para esse povo de um passado tão rico e diverso.
Em parte pela sua própria incapacidade de reagir diante da modernização do mundo. Mas, também, em grande medida, por estar à mercê de lógicas estrangeiras, que ajudaram a enriquecer seus dominadores e trouxeram caos aos dominados. Napoleão invadiu o Egito com o objetivo de estabelecer uma vantagem geoestratégica frente à Inglaterra, sua grande rival. E assim o fizeram todos os demais dominadores ocidentais que, sob o pretexto de “libertar” o povo árabe, se lançaram em cruzadas humanitárias contra o “atrasado” mundo islâmico.
Essas guerras acabaram por solapar as tentativas de modernização dos Estados árabes, desde o renascimento cultural do século 19, chamado pelos mulçumanos de nahda, passando pelos movimentos nacionalistas do século 20, cujo grande expoente foi o Egito do presidente Gamal Abdel Nasser, até chegar à Primavera Árabe, mais recentemente. A atual crise de refugiados e a ascensão de grupos radicais, como o Estado Islâmico, é resultado direto de disputas internas e da interferência estrangeira. Muitos dos erros cometidos são consequências de uma ideia de superioridade ocidental, que data dos tempos napoleônicos, conceito criado por motivos econômicos e apoiado por uma cultura imperialista.
Movimentos, por sinal, muito bem abordados pelo intelectual palestino Edward W. Said em seu livro “Orientalismo”, de 1978. Em momentos de crise, como o atual, é quase natural que o discurso de “nós” contra “eles” e o sentimento de “ser mais evoluído” balize as estratégias para resolução dos conflitos. A solução, entretanto, está mais no entendimento, do que no enfrentamento. Caso contrário, qualquer atitude terá como resultado tão somente mais uma repetição da história.