12/04/2013 - 21:00
Quem a conheceu através do filme A Dama de Ferro, de Phyllida Lloyd, pode ter uma imagem equivocada da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. No papel que deu o Oscar de Melhor Atriz a Meryl Streep, no ano passado, Thatcher é mostrada em um certo momento, já idosa e senil, falando sozinha com o marido morto, parecendo uma velhinha inofensiva. A descrição é verdadeira, mas revela apenas parte da vida de quem foi uma das mais importantes personalidades do século 20, a primeira mulher a ocupar a chefia de governo num país desenvolvido. O filme também revela os embates que ela teve com seu próprio partido, o Conservador, e o autoritarismo extremado que acabaram contribuindo para que perdesse o poder, em 1990, depois de 11 anos no cargo.
Das panelas ao parlamento: Margaret Thatcher, em sua residência, em Londres,
logo após ser eleita líder dos conservadores, em 1975
Margaret Thatcher, que morreu aos 87 anos, vítima de um acidente vascular cerebral, em Londres, na segunda 8, viveu uma vida intensa, que despertou amores e ódios. O legado da mandatária, filha de um pequeno comerciante, que estudou na Universidade de Oxford e casou-se com um empresário, é controverso e sua influência, dentro de um ideário liberal, é incontestável. “Ela conseguiu ter um impacto internacional muito maior do que seria justificado pelo tamanho do Reino Unido”, diz Octavio Amorim Neto, professor de Ciência Política da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), da FGV, no Rio.
Quando assumiu o poder, em 1979, o país vivia sob uma forte influência dos sindicatos de trabalhadores, o que no entender dos conservadores, como ela, inviabilizava a economia, engessando a competitividade das empresas. Por conta disso e de sua intransigência em negociar com os trabalhadores, a mais importante queda de braço de Thatcher foi travada com os mineiros ingleses, que ficaram em greve por um ano, entre 1984 e 1985, em protesto contra o fechamento de minas consideradas ineficientes. Acabaram voltando ao trabalho sem conseguir nada. Sua política neoliberal foi marcada pela privatização de dezenas de empresas, em busca de uma eficiência que acabou deixando um contingente de três milhões de britânicos sem trabalho, o que empinou a taxa de desemprego para 11,8%.
A dama e o poder: Ao lado de Ronald Reagan (à esq.), sua “alma gêmea”, e de Augusto Pinochet (à dir.),
seu aliado nas Malvinas, Margaret Thatcher assumiu posições polêmicas, despertando amores e ódios pelo mundo
Em nome da austeridade, reduziu gastos sociais (acabou com a distribuição gratuita de leite nas escolas, por exemplo). Por outro lado, as reformas resultaram num Estado menor e mais eficiente. Sua obstinação também favoreceu os ingleses, ao resistir em aderir a uma moeda comum, o euro, que entraria em vigor em 2002. A decisão acabou se revelando acertada no longo prazo. Na busca por um Estado menor, Thatcher encontrou no presidente americano Ronald Reagan sua alma gêmea. Em parceria, foram decisivos para o fim da Guerra Fria e para a derrocada do bloco socialista no Leste Europeu. Para o economista Marcio Pochmann, da Universidade de Campinas, os resultados de suas políticas neoliberais foram mais positivos para os Estados Unidos do que para o próprio Reino Unido, uma vez que os americanos consolidaram sua posição de maior potência global.
A dama sob protesto: em 1985, mineiros ingleses lutaram contra o fechamento de minas consideradas
ineficientes pelo governo. Após um ano de greve, voltaram ao trabalho sem conseguir nada
Mesmo assim, a despeito das semelhanças de ideias e objetivos, a Dama de Ferro teve de suar para conseguir o apoio de Reagan na Guerra das Malvinas, para defender a pequena ilha britânica que havia sido invadida pela Argentina em 1982. A vitória militar fez com que Thatcher recuperasse a popularidade doméstica ao mesmo tempo que lhe valia o ódio eterno dos argentinos. Para os latino-americanos, outra passagem polêmica da sua biografia era a proximidade com o ditador chileno Augusto Pinochet: o Chile apoiou os britânicos na Guerra das Malvinas, um gesto que foi recompensado, anos depois, pela então ex-primeira-ministra. Thatcher foi visitá-lo quando ele estava em prisão domiciliar, em 1999, em Londres, acusado de crimes contra a humanidade, e intercedeu para que Pinochet não fosse extraditado para a Espanha, onde seria julgado.
A dobradinha Thatcher-Reagan teve na América Latina alunos aplicados do pensamento desestatizante, nos anos 1980 e 1990. Seguindo a cartilha dominante, o Brasil também adotou a receita da privatização, a partir dos anos 1990, mas nunca chegou a desregulamentar o mercado financeiro, como fizeram o Reino Unido e os Estados Unidos. O modelo, porém, entrou em xeque com a crise de 2008, levando o Estado de volta ao centro do cenário econômico, numa reversão que Margaret Thatcher não chegou a ver. Durante seus últimos anos de vida, ela teve de conviver com as sequelas do mal de Alzheimer, o que seguramente a poupou de tomar conhecimento do sucateamento de suas ideias na maior parte do mundo.