14/04/2023 - 3:00
Dedicado “a todos os jornalistas, em respeito à luta diária pela informação e prestação de serviços”, o livro com artigos e crônicas que Ricardo Viveiros publicou originalmente nos jornais Folha de S.Paulo e Estadão nos últimos quatro anos traz desde a introdução o estilo arguto que caracteriza o autor: “O Brasil nunca foi um país fácil de entender e explicar, em especial, nos campos da política, da economia e do comportamento social. O que se viu e viveu de 2018 a 2022 foi ainda mais inusitado. Um período que, por diferentes razões, pode-se denominar ‘bizarro’”.
A palavra que coloquialmente se tornou sinônimo de desagradável e grotesco (embora sua origem tenha o sentido oposto) foi empregada pelo autor para descrever a sucessão de acontecimentos anormais que levaram os brasileiros a eleger Jair Bolsonaro e a consequente transformação do País em motivo de vergonha e escárnio global. São conhecidos de todos os desastres causados pelo Messias em seu esdrúxulo enfrentamento da pandemia, a degradação ambiental perpetrada de forma inconsequente (mas com consequências nefastas para o planeta), o ataque sistemático a grupos minorizados, a disseminação da cultura de ódio e o isolamento do Brasil no âmbito internacional. Apesar de tudo isso ter ficado claro no noticiário, houve quem escolhesse não enxergar, desprezando a histórica responsabilidade que a imprensa tem com a verdade dos fatos e deixando-se enganar por fake news — não por acaso, tema de uma das crônicas de Viveiros.
Ainda que o termo bizarro resuma bem o período, a senha para compreender melhor o arco de tempo compreendido no livro é o adjetivo escolhido para seu título: obscuro. Por serem mais difíceis de compreender que o próprio Brasil, muitos dos temas sobre os quais Viveiros decidiu argumentar precisam de interpretação crítica. Por isso a leitura dessa coletânea de artigos e crônicas é obrigatória. Jornalista e escritor com 50 livros publicados e mais de meio século de atuação reconhecida na forma de inúmeros prêmios nacionais e estrangeiros, Viveiros é um articulista sagaz, que não se deixa iludir por narrativas fantasiosas, e corajoso ao assumir posições incômodas. Basta ler alguns títulos: Contra teimosia não há vacina; Aceitar é preciso, negar não é preciso. São quase manifestos.
Fundador de uma empresa de assessoria de imprensa que representa clientes do peso da Fiesp, esse carioca que há quatro décadas escolheu São Paulo para viver e trabalhar se destacou por combinar lucidez e elegância em seus textos sobre o Brasil e o mundo. Sempre pautado pela defesa da democracia, do estado de direito e da segurança jurídica (sem os quais, como ele mesmo afirma, não existe liberdade de mercado), foi condecorado pela ONU por uma série de reportagens sobre direitos humanos no Ano Internacional da Paz (1986).
A autoridade jornalística e a proximidade de quem pode afetar os rumos do País fazem de Viveiros um narrador singular. Seus textos são análises precisas de uma era triste, sombria e tenebrosa (para ficar em três sinônimos de “obscuro”) à qual fomos submetidos sem aviso. Faz todo sentido que o livro seja encerrado com a provocação A seita que não aceita, sobre o comportamento de bolsonaristas após a derrota de seu candidato à reeleição presidencial. A última linha é este axioma: “Liberdade de expressão exige responsabilidade de expressão”.
Com o Brasil e o mundo se tornando mais obtusos devido ao negacionismo, ao fanatismo e à aceitação passiva de ameaças à democracia (e até à inteligência), artigos como os de Viveiros são um andítodo a esse flagelo. A coletânea Memórias de um tempo obscuro chega às livrarias este mês pela editora Contexto.
Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO