O empresário Abilio Diniz, presidente do conselho de administração do Pão de Açúcar, se acostumou a ser um vencedor. Ao longo das últimas décadas, Diniz travou batalhas importantes na defesa dos seus interesses e de seu grupo empresarial, que salvou da falência, no começo da década de 1990.  Em todas elas, sua vontade prevaleceu, consolidando uma autoconfiança que não raro se transforma em autossuficiência e atrevimento. Dono de uma fortuna pessoal de US$ 3,4 bilhões, Diniz está em plena batalha para concretizar o que se pode definir como a maior tacada de sua vida, a fusão do Pão de Açúcar com a rede francesa Carrefour. 

Desta vez, no entanto, parece ter encontrado um oponente à sua altura, capaz de lhe dizer não: Jean-Charles Naouri, CEO de seu sócio Casino.  Com todas as letras, Naouri tem se oposto ferreamente à iniciativa de Diniz. “Concordamos e apoiamos a internacionalização do Pão de Açúcar, mas não em mercados estagnados como a Europa”, disse à DINHEIRO Naouri, que esteve na semana passada no Brasil. Aqui, mais precisamente no Rio de Janeiro, ele se encontrou com Luciano Coutinho, presidente do BNDES, quando se manifestou contra o projeto de fusão, que tinha como um dos pilares justamente um polpudo aporte financeiro de R$ 3,9 bilhões do banco estatal.  

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“Concordamos e apoiamos a internacionalização do Pão de Açúcar, mas não em mercados estagnados, como a Europa Ocidental”
Jean-Charles Naouri, CEO do Casino

Isso não quer dizer que Naouri seja, por formação e convicção, totalmente avesso a recorrer a recursos e apoio oficial, quando necessário. É lembrada, a propósito, sua trajetória na França, onde soube administrar seus contatos nos altos escalões do governo – ele chegou a chefiar o gabinete do Ministério das Finanças do país – para alavancar uma meteórica ascensão que o transformou num dos empresários mais poderosos da França. Ao longo de sua curta permanência no País, Naouri reiterou sua falta de entusiasmo com as bases da proposta de Diniz. Nem a perspectiva de criar uma empresa de R$ 65,1 bilhões no Brasil, nem a prometida economia de R$ 1,8 bilhão em redução de custos ou, ainda, a otimização de recursos resultante da associação Pão de Açúcar-Carrefour o seduziram. 

Para ele, o que está em jogo não é o crescimento da empresa, como diz Diniz, mas sim uma estratégia do sócio brasileiro para diluir a participação acionária do Casino no Pão de Açúcar e manter inalterada a influência e a preponderância de Diniz no comando do grupo. Não é exatamente isso que o chefão do Casino quer. “Em junho de 2012, o Casino dará o maior passo de sua história”, afirmou Naouri. “Vamos assumir o controle exclusivo do Pão de Açúcar.” Para fortalecer suas posições, Naouri desembolsou R$ 1 bilhão para adquirir um robusto lote de ações preferenciais do Pão de Açúcar. A operação, apresentada por ele como uma prova de sua confiança na empresa e no País, sofreu algumas críticas de seus adversários. 

 

Uma delas é de que essa aquisição teria se beneficiado de uma queda acentuada dos papéis, que ocorrera justamente em função de sua oposição pública à operação de fusão. A reação de Naouri surpreendeu Diniz. Menos pelo fato de o presidente mundial do Casino ser contrário à proposta de fusão – o que já era esperado. Mas, principalmente, por ele se recusar a sentar à mesa de negociações. “Eles nomearam interlocutores, mas que não conversam”, disse à DINHEIRO uma fonte que participa das negociações ao lado de Diniz. A mesma fonte confia que, caso Diniz consiga que Naouri ceda e admita discutir a proposta de fusão, acabará prevalecendo a proverbial habilidade do brasileiro em driblar situações adversas e de convencer seus interlocutores. 

 

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Ainda que para isso tenha de fazer concessões, como no caso da Casas Bahia, em que foi obrigado a rever o acordo assinado em dezembro de 2009 e desembolsar mais R$ 700 milhões para que a família Klein não desistisse da união com o Pão de Açúcar. A oportunidade para que esse diálogo ocorra terá lugar no dia 2 de agosto, quando está prevista a assembleia da Wilkes, a holding que controla o Pão de Açúcar. Será a primeira vez que Diniz e Naouri estarão frente a frente depois do desencadeamento da crise. “O Casino tem de sentar e conversar”, afirma um dos assessores diretos de Diniz. “Naouri recebeu a proposta às 8 horas e às 8h30 disse que não queria.” Segundo ele, o verdadeiro eixo da discussão é se faz sentido ter uma participação menor numa empresa maior. 

 

A falta de disposição de Naouri para discutir, que levou Diniz a prometer que acenderia uma vela a Santa Rita, caso consiga demovê-lo, é um fator preocupante no projeto de criação do Novo Pão de Açúcar. Afinal, o apoio do BNDES e do governo está condicionado a uma adesão do Casino, que pode também complicar ou até inviabilizar o negócio, apelando à Justiça brasileira. Perguntado recentemente sobre o que aconteceria, caso o acordo não saísse, Diniz respondeu: “Bom, aí é sentar na calçada e chorar. Acho que isso vai prejudicar o valor da companhia.”

 

 

‘Vamos assumir o controle do Pão de Açúcar’

  

Em entrevista à DINHEIRO, o presidente da rede de supermercados francesa Casino, Jean-Charles Naouri, diz que o Grupo Pão de Açúcar deve se internacionalizar, mas em nações emergentes, e afirma que as críticas ao endividamento do Casino são pueris:

 

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Uma das suas críticas à fusão com o Carrefour é de que há dois problemas estratégicos: um é a internacionalização errada, outro é o modelo de hipermercados. Qual a sua proposta?

Concordamos e apoiamos a internacionalização do grupo Pão de Açúcar, mas não em mercados consolidados e estagnados como a Europa. A estratégia do Casino e de suas subsidiárias é crescer em mercados emergentes e com perfis de lojas próximas ao consumidor.

 

O Casino está mesmo com um endividamento alto, o que poderia prejudicar os planos de crescimento do Pão de Açúcar no Brasil?

As referências a um suposto endividamento do Casino são completamente pueris. Temos saúde financeira dentro dos padrões de mercado. A relação dívida/ebitda é de 1,97 vez.  Após a aquisição das ações da CBD, a Standard & Poor’s emitiu relatório reafirmando o rating da companhia. O Casino investiu US$ 1,2 bilhão na aquisição das ações da Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), recursos esses que poderiam ser utilizados na companhia, caso a CBD precisasse. Ademais, o Casino está em plenas condições de financiar o crescimento do Pão de Açúcar, como fez outrora. Também, a título de exemplo, o Casino acaba de aportar € 520 milhões no Êxito, sua operação da Colômbia, e pretende captar US$ 1,4 bilhão em mercado para consolidar sua posição de liderança naquele país e no Uruguai.   

A partir de 2012, o sr. assume o controle do Pão de Açúcar. Quais são seus planos para a empresa? 

Nosso objetivo e compromisso é fazer o Pão de Açúcar crescer de maneira proveitosa e rentável, em favor dos acionistas, dos clientes e dos fornecedores, com grande respeito pelo Brasil. Comprometemo-nos que a gestão continuará brasileira. Junho de 2012 será um grande passo na história do Casino: vamos assumir o controle exclusivo da CBD. 

 

Está no horizonte vender as operações brasileiras?

Estive no Brasil para mostrar meu compromisso com esse país e com a CBD. Além disso, o Casino anunciou que aumentou a sua participação na CBD. Hoje, nossa participação econômica total, incluindo ações ordinárias, equivale a 43,1% do capital social do Pão de Açúcar. Com esse aumento significativo na participação, mais uma vez, o Casino reafirma o seu compromisso com o Brasil e com o GPA, bem como com sua equipe executiva, seus funcionários, sua gestão, seus clientes e fornecedores e todos os seus stakeholders.

 

O sr. tem uma parceria de 12 anos com Abilio Diniz. Como define o empresário brasileiro?

Não vou comentar sobre isso, embora eu respeite Abilio Diniz, que é um empreendedor de talento.

 

O sr. se arrepende de ter dado tanta autonomia para Abilio Diniz na condução dos negócios no Brasil?

Novamente, não vou comentar sobre isso. No entanto, o Pão de Açúcar tem um sólido plano de negócios, que foi aprovado pelos acionistas e está sendo implementado com sucesso.