Napoleão Bonaparte, um dos maiores gênios militares de todos os tempos, permaneceu 15 anos à frente do império francês, até ser derrotado na batalha de Waterloo. Saddam Hussein, o ditador iraquiano, foi apeado do poder e executado após 23 anos de regime totalitário. O mesmo tempo foi ocupado pelo controvertido Ricardo Teixeira, na presidência da CBF. O carioca Eugênio Gouveia Vieira mantém-se há 18 anos ininterruptos na direção da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Embora mandatos longevos sejam relativamente comuns nas entidades sindicais, empresariais e de trabalhadores no País, chama a atenção, por ser um recorde digno do Guinness Book, a duração do mandato do capixaba Antonio Oliveira Santos, 85 anos, no comando da Confederação Nacional do Comércio (CNC). 

 

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Oliveira Santos: aos 85 anos, faz planos para se reeleger em 2014

pela nona vez na presidência da entidade

 

Eleito com o providencial apoio do então todo-poderoso general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil do governo Figueiredo, em plena ditadura militar, Oliveira Santos ocupa o posto desde 1980 – há exatos 33 anos. Amparado em recursos que chegam a R$ 4,8 bilhões por ano, o presidente da CNC vem resistindo às transformações impostas pela redemocratização do Brasil, a despeito das inúmeras ações que correm na Justiça. Graças a essa dinheirama, arrecadada sob a forma de imposto sindical e da contribuição das empresas ao chamado “Sistema S”, Oliveira Santos controla com mão de ferro, como se fosse um coronel nordestino da velha-guarda, os repasses às 27 federações do comércio (as Fecomercio) existentes no País e às estruturas do Sesc e do Senac. 

 

Desde o primeiro mandato, o octogenário presidente da principal entidade do comércio brasileiro tem sido reeleito, em chapa única, a cada quatro anos. Não por desinteresse de outros candidatos. Ao contrário. Segundo seus adversários, a estratégia de Oliveira Santos seria asfixiar potenciais sucessores, os presidentes das Fecomercio, diante de qualquer esboço de oposição. “Sempre que se levanta algum tipo de questionamento em relação à CNC, ele decreta intervenção no Sesc ou no Senac, suspendendo o repasse legal de recursos, forçando os possíveis candidatos a desistir”, diz Cristiano Zanin Martins, advogado da Fecomercio do Rio de Janeiro. Detalhe: engenheiro de formação, Oliveira Santos nunca foi comerciante na vida.

 

Pode-se observar que as constantes intervenções do presidente da CNC costumam realmente ocorrer com mais frequência nas federações nas quais seus presidentes se apresentam como oposição. Em 1997, Oliveira Santos decretou intervenção no Sesc e no Senac de Pernambuco e nomeou para a presidência seu correligionário Josias Albuquerque, que atualmente também ocupa o cargo de vice-presidente da CNC. “Nunca fui favorecido por ninguém, tanto é que tiro dinheiro do meu bolso para trabalhar”, rebate Albuquerque, em relação ao suposto favorecimento do amigo. “O Antonio tem sido reeleito há três décadas, sem oposição, porque é um excelente gestor. E, até agora, ninguém teve competência para assumir a entidade no lugar dele.”

 

Essa suposta falta de competência dos opositores foi um dos argumentos que fizeram com que o presidente da CNC também decretasse intervenção no Sistema Fecomercio do Piauí em 1999. No mesmo ano, ele afastou ainda o presidente da Fecomercio do Rio Grande do Sul, Renato Seghesio, que publicamente criticava a gestão da CNC. Em 2002, Oliveira Santos adotou a mesma tática com Sergio Koffes, presidente da Fecomercio do Distrito Federal, considerado à época um nome forte para sucedê-lo. “Tenho muita coisa a dizer, mas prefiro me pronunciar apenas na esfera judicial”, disse Koffes à DINHEIRO. “Temos vários processos que correm na Justiça desde aquela época.”

 

O mais recente ataque de Oliveira Santos contra seus potenciais concorrentes ocorreu em 2012. O presidente da Fecomercio do Rio de Janeiro, Orlando Diniz, tido como seu adversário número 1, foi afastado sob o argumento de suspeitas de corrupção. Seu lugar foi ocupado pelo empresário Maron Emile Abi-Abib, amigo do presidente da CNC. Pouco tempos depois, Diniz, que está em seu segundo mandato, retornou ao cargo por determinação da Justiça por falta de provas. “As ofensivas do presidente da CNC demonstram, claramente, tentativas de evitar a alternância de poder na entidade e a perpetuação de sua gestão”, diz Zanin Martins, advogado de Diniz. 

 

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Os 33 anos de permanência de Oliveira Santos à frente de uma entidade do porte da CNC, seriam, por si só, motivo de estranheza em qualquer lugar do mundo. Há, no entanto, um outro fato inquestionável em sua administração: ele não poderia, segundo o estatuto da própria CNC, estar na presidência, porque suas contas, do exercício de 2000, foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2004. Nesses quase dez anos, o presidente tem reco rrido a liminares para se manter no cargo, reelegendo-se a despeito de suspeitas de fraudes e de processos por improbidade, muitos deles já concluídos. Os problemas vão mais além. 


O Conselho Fiscal do Sesc, cujo papel é fazer cumprir o estatuto, estaria fazendo vistas grossas às condenações de Oliveira Santos no TCU e na Justiça. O conselho é presidido pelo atual secretário-executivo da Receita Federal, Carlos Gabas. Em abril, ao ser comunicado pelo TCU da rejeição das contas do presidente, Gabas divulgou um documento no qual se abstém de comentários. “A decisão final do TCU, que rejeitou as contas do senhor Antonio, é apta a gerar a perda do mandato”, afirma o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu parecer no processo. “Os dirigentes do Sesc e do Senac, que mantêm o presidente no cargo, estão também incorrendo, em tese, na prática de improbidade.”

 

As acusações contra o presidente da CNC são tão extensas quanto seu período à frente da entidade, e se renovam com uma impressionante rapidez. A mais recente delas diz respeito à locação de um apartamento de luxo na Barra da Tijuca para Claudia Fadel, uma diretora do Sesc, pessoa próxima a Oliveira Santos. A entidade paga, desde abril, aluguel de R$ 7,5 mil pelo imóvel, além de ter desembolsado um seguro-caução de R$ 107,5 mil no ato da assinatura do contrato. A CNC nega irregularidades e diz que, como Claudia apresentou problemas de saúde, a locação de um imóvel próximo ao Sesc foi a solução para não haver prejuízos à sua atividade profissional. 

 

Outro descalabro atribuído a Oliveira Santos, também rejeitado pelo TCU em 2010, e hoje sob investigação do Ministério Público, é a construção de um prédio na Barra da Tijuca, erguido para sediar a CNC, o Sesc e o Senac. A execução da obra, que custou R$ 200 milhões e estaria apresentando problemas estruturais, ignorou a realização de licitação pública. “A construção irregular resultou em prejuízos de centenas de milhões de reais ao Sistema S”, afirma Zanin Martins. Procurado pela DINHEIRO, o presidente da CNC recusou-se a responder pessoalmente às acusações. Seus advogados, Leonardo Greco e Arthur Lavigne, não retornaram as ligações. Oliveira Santos, no entanto, resolveu manifestar-se por meio de sua assessoria. 

 

Sobre a rejeição de suas contas pelo TCU em 2004, afirmou que a irregularidade se deu por uma “simples deficiência de natureza formal” e que “tais contas foram aprovadas por unanimidade pelo Conselho do Sesc”. Em relação à construção da sede na Barra da Tijuca, garantiu que não há nenhuma condenação e que o edifício recebe cerca de mil funcionários diariamente. Sobre seus 33 anos na presidência, sem oposição nas eleições, a resposta é que isso “reflete a vontade e o consenso de seus pares, a partir dos méritos de sua gestão” e que “não há histórico de embates com presidentes das Federações, nem houve cerceamento de direito de oposição”. No ano que vem, a CNC passará por um novo processo eleitoral. O nome de Oliveira Santos, por enquanto, é dado como certo. E, provavelmente, o único.

 

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