22/08/2014 - 20:00
As redes sociais na internet foram inundadas por uma inusitada campanha na última semana. Tudo começou como uma brincadeira entre amigos, em julho, que acabou ganhando proporções nunca vistas para uma ação beneficente e está reinventando o marketing do terceiro setor. Até a quinta-feira 21, as doações à Associação da Esclerose Lateral Amiotrófica (ALS, em inglês), com sede em Washington, já batiam a casa dos US$ 41 milhões. Cada vez mais anônimos e famosos contribuem para a campanha, que se tornou um viral após a participação de dois dos homens mais ricos do mundo: Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, e Bill Gates, da Microsoft.
Os dois entraram na brincadeira, que consiste em desafiar três pessoas a virar um balde de água gelada sobre a cabeça ou, para os que não querem se molhar, doar US$ 100 para a entidade. Porém, a ação se popularizou com a provocação de Zuckerberg a Gates em um vídeo divulgado no dia 14 e acelerou as doações. O fundador da Microsoft não só montou uma engenhoca e postou a filmagem de seu divertido banho como ainda doou US$ 2 milhões para as pesquisas relacionadas à doença, que provoca a degeneração de neurônios no cérebro e na medula espinhal.
A enfermidade é a mesma que atinge o renomado físico inglês Stephen Hawking, 72 anos, um caso raro na medicina, já que convive com o problema desde os 21 anos. No Brasil, a ação também ganhou força com a adesão de celebridades como a cantora Ivete Sangalo e o jogador de futebol Neymar Jr., e já começou a dar resultados para as organizações nacionais. O que mais chamou a atenção na campanha, na opinião de especialistas, não foi apenas a rápida adesão dos internautas, mas também uma mudança profunda na forma de as organizações não governamentais convidarem o público para suas causas e receber doações.
O modelo tradicional identifica filantropos, busca doadores por telefone e realiza eventos como bingos, jantares e leilões para angariar fundos. Agora, a ação de marketing mostra que a rede social pode contribuir muito mais com as entidades desde que haja apoio dos formadores de opinião e engajamento dos usuários da internet. “Para o terceiro setor, a rede social se tornou uma aliada para movimentar as pessoas”, afirma Claudir Segura, professor de mídias digitais da PUC-SP. “Porém, não basta apenas ativar, é preciso engajar as pessoas para uma causa.”
Um exemplo no Brasil, de acordo com o professor, é o que já acontece em relação à adoção de cães e gatos abandonados. Aqui, o banho de marketing turbinou as doações às entidades similares à ALS. De acordo com a diretora da Associação Pró-Cura da Esclerose Lateral Amiotrófica, Andreza Diaferia Kuhlmann, a organização recebeu R$ 120 mil em doações de segunda-feira até quinta-feira da semana passada. O valor corresponde a dez vezes mais do que a entidade recebeu em donativos em 2013. “Com esse novo montante conseguimos comprar quase três respiradores para quem tem a doença e precisa do nosso apoio”, diz a diretora.
“Parece pouco, mas não podemos reclamar se compararmos com os outros anos.” A expectativa é de que empresas também comecem a fazer doações ao promover o Ice Bucket Challenge coletivo. A gerente executiva e social da Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (Abrela), Elica Fernandes, acredita que o mais importante da campanha é a divulgação sobre a doença, conhecida no País pela sigla ELA. “Nosso site passou de 460 acessos diários para 21 mil”, afirma. “Até então, ninguém falava da Ela, muito menos em fazer doações.” No Brasil, há 15 mil pessoas portadoras da doença.
Contudo, especialistas temem que a mensagem possa estar chegando de forma distorcida ao Brasil. De acordo com Andreza, dos quase 70 famosos que postaram vídeos na última semana participando da campanha, apenas 20% doaram à instituição. “Já está virando também um desafio do comprovante de doação”, diz. Para o supervisor de comunicação integrada da ESPM Rodney Nascimento, o principal problema das participações brasileiras na ação é que não há referência à doação. “No Brasil, a ALS Ice Bucket Challenge virou corrente de internet e a causa se perdeu”, afirma.