03/03/2023 - 5:10
A invasão da Rússia à Ucrânia, que começou há um ano, tem causado estragos substanciais às economias de ambos os países. Ao longo de 12 meses de guerra ficou evidente como a globalização faz com que esse tipo de conflito tenha um efeito demolidor em toda a economia global, embora em escalas distintas. Pelos cálculos da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), até o final deste ano a guerra deve custar US$ 2,8 trilhões de produção perdida mundialmente. Mas se há temporal, há quem lucre com guarda-chuva. Sem poder vender seu petróleo livremente, Putin tem vendido para China, Índia e Turquia por valores abaixo da cotação do mercado. Benefícios quase invisíveis, mas suficientes para segurar o tombo russo. A retração do PIB do país, estimada acima de -10% no início da guerra, deve fechar em -2,2%.
De toda forma, no final deste jogo de perde-ganha, a maioria perde. A decisão do Ocidente de excluir a Rússia do tabuleiro de War do comércio mundial quebrou a já trincada (pela pandemia) cadeia global de alimentos e de energia, especialmente petróleo e gás natural. As restrições na logística secaram o fluxo de insumos agrícolas e fertilizantes. Como os dois países envolvidos estão entre os maiores fornecedores de cereais do mundo, com destaque para o trigo e milho, o conflito resultou em aumento global dos preços de alimentos. O resultado foi que as estimativas de crescimento foram afetadas. Pela OCDE, o crescimento global desaba das projeções inciais de 3,9% para 1,5% (em 2022) e de 2,5% para 0,8% (2023).
Segundo o economista da XP Investimentos Francisco Nobre, o maior problema é que a guerra alimentou uma inflação que estava aquecida desde a pandemia. A Covid-19 gerou gargalos de produção globais e desequilíbrio na oferta. Por isso, o impacto foi ainda maior no país invadido, presidido por Volodimir Zelenski. Dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) apontam que as exportações da Ucrânia registraram queda de 30% durante 2022. Em contrapartida, as exportações russas tiveram alta de 15,6%. E isso diz muito sobre uma ordem mundial em mutação.
Antes da guerra, os Bancos Centrais ao redor de todo o mundo começavam a aumentar suas taxas de juros para frear a inflação — o que levaria a uma desaceleração global. Mas após a invasão os Estados Unidos orquestraram um pacote de sanções em que os países europeus embarcaram — e pagaram caro. Isso porque a União Europeia está entre os principais importadores da energia russa e encerrou as compras de petróleo por via marítima. A Rússia respondeu estancando o fornecimento de gás, o que fez o preço da energia explodir e contaminar toda a Europa. Em 5 de fevereiro entrou em vigor outra proibição, da comercialização de produtos derivados do petróleo russo. Novamente o resultado é incerto.
RESISTÊNCIA Alguns especialistas afirmam que o impacto final das sanções contra a Rússia e os afeitos da guerra na economia global só serão enxergados no longo prazo. O último relatório de perspectivas do Fundo Monetário Internacional (FMI), no entanto, mostra que a economia russa parece menos fragilizada do que se pensava. Estima-se que o país cresça 0,3% neste ano, leve melhora ante a pequena contração de 2,2% em 2022 — para comparação, o Brasil sem guerra caiu 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016.
A explicação para isso, segundo o professor de comércio exterior da Faculdade do Comércio da Associação Comercial de São Paulo, Laércio Donizetti Olivaes Munhoz, é que a Rússia se preparou financeiramente para a invasão, com a utilização de reservas internacionais. E adotou manobras internas para reduzir a pressão popular, como a distribuição de auxílios. “A Rússia se manteve bem no começo, mas está piorando à medida que a guerra leva mais tempo do que o esperado”, afirmou. “Putin começa a mostrar sinais de desespero com ameaças de uso de armas nucleares, prova de que está perto do limite.” De toda forma, é preciso incluir na equação dois gigantes globais: China e Índia. Respectivamente, a segunda e a quinta maiores economias estão ao lado dos russos, mantendo fluxo de dinheiro a Moscou. E isso significa que o xadrez global está muito mais complexo. O que refletirá na economia.