A ideia era simples. A rede social seria uma espécie de mural, no qual os usuários “fixariam” fotos de seus interesses, como nos quartos de adolescentes. Daí o nome, a soma de “pin” (alfinete) e “interest” (interesse). A plataforma surgiu em 2010, na cabeça de Ben Silbermann, empreendedor americano, então com 27 anos. Silbermann teria concorrência forte no mundo das redes sociais, mas, nos primeiros meses à frente de sua empresa, recebeu uma ajuda que classifica como “crucial”: a do investidor-anjo americano Kevin Hartz. “Ele me colocou sob suas asas e me deu vários conselhos”, diz Silberman.

Hartz, 44 anos de idade, foi o primeiro a ver o potencial do Pinterest, que hoje tem mais de 2 bilhões de visitas por mês e 70 milhões de usuários ativos vorazes por consumir. Cada um deles já gastou cerca de US$ 180 em itens que viram nos murais, segundo pesquisa da consultoria americana de comércio eletrônico RichRelevance. Esse não é o único caso de sucesso de Hartz, hoje reconhecido como um dos mais bem-sucedidos investidores-anjo no Vale do Silício, a Meca das startups, nos Estados Unidos.

Ele também colocou dinheiro nas fases iniciais do Airbnb, site de aluguel de imóveis, na plataforma de streaming de vídeos Flixter e esteve ao lado de seu amigo Peter Thiel nos primeiros passos do gigante de pagamento online Paypal, no qual também foi um dos primeiros investidores. Até a brasileira Netshoes, maior loja online de artigos esportivos do País, recebeu dinheiro de Hartz. Os dias de investidor-anjo de Hartz, no entanto, estão ficando para trás. Apesar de ainda fazer investimentos pontuais, o foco de Hartz hoje é sua empresa, a EventBrite, que acaba de chegar ao Brasil com a compra da Eventioz – startup argentina que atua em toda a América Latina.

O negócio de ambas as empresas é semelhante. Tanto a EventBrite quanto a Eventioz são plataformas que permitem a elaboração da bilhetagem e pagamento para eventos de todos os tamanhos. Nos Estados Unidos, a EventBrite já organizou pequenas feiras para fãs do jogo virtual Minecraft e shows para milhares de pessoas, como do grupo Black Eyed Peas e do rapper Kanye West. Em seus sete anos, foram 130 milhões de ingressos vendidos e US$ 1 bilhão arrecadados, só em 2013. “Vamos trazer nossa tecnologia para a Eventioz, permitir que ela faça um trabalho avançado no Brasil”, disse Hartz, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. “Fizemos uma pesquisa com consumidores nacionais e eles têm queixas sobre altas taxas cobradas e mau atendimento.”

Comprar a Eventioz foi a melhor maneira que a empresa chefiada por Kevin e por Julia Hartz, sua esposa há dez anos, encontrou para entrar na América Latina. A região é a primeira área fora dos Estados Unidos explorada pela estratégia de expansão da EventBrite. “Vamos atacar regiões que necessitam de um serviço completo para administração de eventos”, diz Hartz. “Temos uma meta de vender US$ 10 bilhões em um ano e a América Latina é importante para isso.” Quando perguntado sobre os valores da aquisição da Eventioz e quanto pretende investir nos próximos anos, Hartz alegou que essas informações eram estratégicas da companhia e não respondeu.

Esse privilégio, contudo, deve ter fim. A EventBrite, que acaba de receber uma rodada de investimentos de US$ 60 milhões do fundo Tiger Global, é considerada uma das empresas com mais potencial para abrir seu capital nos próximos anos. Foi, inclusive, em conversas com o fundo Tiger Global que Hartz começou a prestar mais atenção no Brasil. “Foi por intermédio da Tiger que fiquei sabendo da Netshoes.” O primeiro contato de Hartz com o País foi com um aporte feito na companhia fundada pelo empreendedor digital brasileiro Marcio Kumruian, em 2012. Depois disso, ele fez novas visitas e ficou impressionado com o que viu. “Existem muitas startups interessantes por aqui”, diz Hartz. “Acho que São Paulo está muito parecida com São Francisco de alguns anos atrás.”

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“Nem tudo começa no Vale do Silício”

Como o sr. vê o quadro das startups atualmente?
É um período muito interessante, com inovações e ritmo acelerado. É uma época boa para ser um empreendedor e os recursos estão no mercado. Se você quisesse começar uma companhia de tecnologia há alguns anos, precisava estudar em Harvard e começar sua empresa no Vale do Silício. Só assim conseguiria a montanha de dinheiro necessária. Além de dificuldades estruturais, teria de construir um data center próprio e trabalhar com um público menor, no início. Hoje, você pode aprender a trabalhar com códigos pela internet e, mediante uma pequena quantia, construir um software. Ou seja, estamos passando por uma era de democratização do empreendedorismo.

Estamos observando muitas startups, como WhatsApp, Waze e Tumblr sendo vendidas por muito dinheiro. Como vê esses movimentos?
Só o tempo poderá dizer se foram investimentos bons ou ruins. Historicamente, a maioria não dá o retorno antecipado. Mas o Google é um exemplo de empresa que valoriza suas aquisições. Quando comprou o YouTube, o valor parecia algo de outro mundo. Hoje, o YouTube é muito importante e se mostrou uma aquisição acertada, uma pechincha. Zuckerberg é uma pessoa brilhante. E se você tem uma rede social de US$ 160 bilhões, uma aquisição de US$ 19 bilhões pode ser um risco calculado, se ela tem potencial. Se o Google não comprasse o YouTube, o Yahoo! poderia ter comprado e o quadro da internet seria diferente hoje.

O sr. acredita que as gigantes precisam fazer investimentos diferenciados?
Elas não precisam, mas vão fazer porque é a única maneira de continuarem relevantes. O Google poderia apenas focar em vender propaganda, mas também coloca dinheiro em carros inteligentes e robôs. As empresas de hoje aprenderam com o passado. A Microsoft é um bom exemplo. Era a gigante absoluta e, 20 anos depois, as tecnologias que a empresa não acompanhou tiveram grande efeito sobre eles. Voltamos àquele ponto: se a Microsoft tivesse comprado o Facebook, Google ou Apple lá atrás, talvez por um valor que parecesse muito alto para a época, hoje não veria essas tecnologias destruindo seus negócios.

O sr. investe em uma empresa de bitcoins. Como está acompanhando os percalços no caminho da moeda?
O bitcoin pode se tornar uma opção para o dinheiro. Se isso acontecer, terá um grande impacto no mercado. Tudo de negativo que aconteceu com o bitcoin poderia ser evitado. Nós, que estamos envolvidos com a moeda, precisamos observar e aprender. Mas hoje, por exemplo, eu não aceito pagamentos em bitcoins na EventBrite, pois sei que a moeda ainda tem de amadurecer.

Como encara o avanço das empresas chinesas de tecnologia?
É impressionante e positivo. Um exemplo é o Alibaba, que é maior em vendas que a combinação Amazon e eBay. Eles são absolutamente dominantes na China e estão vindo para este lado do globo. É bom para mostrar que nem tudo começa no Vale do Silício. Para o mercado, toda competição é positiva.