A foto acima retrata a batalha entre as tropas leais à Ucrânia e os separatistas russos pelo controle do aeroporto de Donetsk, um dos principais do país. O confronto, que terminou com 40 mortos, ocorreu na terça-feira 27, apenas dois dias após o empresário Petro Poroshenko ser eleito o novo presidente, com 54% dos votos. A carnificina de Donetsk mostra que nem mesmo a promessa de um novo governo acalmou os ânimos. Se Poroshenko quiser, de fato, estabilizar a Ucrânia, terá de atacar o verdadeiro problema – e ele não é o separatismo. “A instabilidade vem da profunda crise econômica”, diz Marcus Vinícius de Freitas, professor de Relações Internacionais da Faap.

Transformar o país em uma vitrine da economia ocidental também o ajudaria em outra questão. “Isso conteria as investidas da Rússia e o separatismo”, afirma Guilherme Casarões, professor da FGV. Tirar a Ucrânia do atoleiro econômico, porém, é tão ou mais difícil do que lidar com os rebeldes. Durante a campanha presidencial, Poroshenko defendeu a adesão à União Europeia, algo que ampliaria o mercado para sua produção agrícola e mineral e atrairia investimentos. O Peterson Institute for Economics, de Washington, calcula que a adesão elevaria, no longo prazo, em 46% as exportações ucranianas e aumentaria em 12% seu PIB.

Parece um belo negócio, não fossem os custos envolvidos. O principal é a exigência dos europeus de que a Ucrânia reequilibre suas contas, diante de um déficit fiscal de 12%. Para isso, deve rever a política de câmbio fixo, que drenou suas reservas, atualmente de apenas US$ 11,5 bilhões. Outro ponto sensível é eliminar os subsídios ao gás natural. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que, somente em 2014, seja necessário reajustar em até 45% o preço do gás – uma pancada e tanto na inflação. Com isso, os gastos médios com gás passarão de 5% para até 11% da renda das famílias. Convenhamos, não é uma medida popular.

Isso prejudicaria ainda mais a situação. Desde a independência da antiga União Soviética, em 1991, estima-se que o PIB ucraniano tenha encolhido 15%. Embora todos sejam afetados pelo empobrecimento, a crise gerou distorções. Os 12 Estados do leste e do sul, cuja população é majoritariamente russa, são os mais ricos e industrializados, com as maiores siderúrgicas, minas de carvão e reservas de gás. Ali, o salário médio mensal varia de US$ 242 a US$ 268. Já os 15 Estados de maioria ucraniana são os mais atrasados, com média salarial de US$ 223 a US$ 243. “A Ucrânia ficou mais desigual”, diz Casarões, da FGV.

Enquanto a União Europeia reluta em aceitar a Ucrânia, a Rússia sonha com o dia em que ela voltará aos seus braços. O país é cortejado e ameaçado – em iguais proporções – pelo presidente russo Vladimir Putin. Sua jogada mais agressiva foi insuflar o separatismo na Crimeia, até anexá-la à Rússia, em março. Poroshenko sentiu na pele as sanções de Putin. Conhecido como o “rei do chocolate”, ele é o dono do Grupo Roshen, maior fabricante de doces do país – e fonte de sua fortuna de US$ 1,3 bilhão.

No ano passado, a Rússia proibiu as importações do Roshen, alegando problemas sanitários, numa manobra interpretada como mais pressão para que o país se aliasse a Moscou. Se Poroshenko ceder, porém, provocará protestos semelhantes aos da Praça Maidan, em Kiev, que derrubaram o então presidente Viktor Yanukovych, quando cancelou a assinatura do acordo europeu. “A Ucrânia é o encontro de dois mundos”, diz o diplomata Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Nenhum desses mundos é o ideal para Poroshenko – mas ficar sem aliados seria pior.