28/04/2023 - 4:10
Quebrar paradigmas é uma das principais características da trajetória empreendedora de Sandra Nalli, fundadora e CEO da Escola do Mecânico. Sim, o substantivo é masculino, tanto no dicionário quanto no setor dominado pelos homens. Mas Sandra tem dado um toque feminino nessa área em que predomina a testosterona. A partir de uma série de “coincidências”, como ela diz, superação e transpondo obstáculos como o preconceito, criou a edtech de impacto social em 2011. Em 12 anos de trabalho, já são 35 unidades — 24 franqueadas —, sendo uma delas voltada à funilaria. Formou 50 mil profissionais. Ano passado foram 13 mil matrículas, 8% a mais do que o ano anterior. Para este ano, o plano é atingir 23 mil inscritos nos cursos, com a abertura de mais 15 unidades. E agora se prepara para quebrar mais um paradigma: abrir uma Escola do Mecânico em Luanda, capital de Angola, na África, em 2024. “Estamos com um plano de negócio desenhado, com apoio do governo angolano, que fomenta a questão da educação com impacto social e vai ceder um espaço para a instalação da Escola do Mecânico”, afirmou Sandra.
A chegada da edtech a Angola é mais uma das tais “coincidências” a que Sandra se refere sobre sua carreira. Ela conheceu um angolano no Brasil, dono de uma escola de idiomas, que tem contatos no governo de sua terra-natal. Foi assim que a brasileira atravessou o Atlântico. Por serem tantas, talvez não sejam exatamente coincidências. Aos 14 anos, a paulista de Mogi Mirim foi trabalhar como menor aprendiz em um centro automotivo. Começou como faz-tudo, passou pela área administrativa, de vendas, até que surgiu uma vaga na oficina. “Recebi um sonoro ‘não’”, disse ela, que aproveitava os momentos mais tranquilos para acompanhar o trabalho dos mecânicos e aprender o ofício. Insistiu até que seu chefe concordou em lhe dar uma oportunidade como teste. Sofreu preconceito de colegas de trabalho e de clientes. Um deles chegou a recusar ser atendido por uma mulher. Outra “situação emblemática”, segundo Sandra, ocorreu quando foi fazer um treinamento pela empresa, já como mecânica. Chegou na sala onde tinha 80 homens. “Você está na sala errada, me disse o professor.”
NEGÓCIO Sem se abalar, Sandra seguiu sua carreira e virou gerente de uma das unidades da rede. Em 2010 iniciou um projeto social dentro da Fundação Casa, que atende jovens infratores com medidas socioeducativas. “Queria devolver para a sociedade o que a empresa tinha feito por mim.” Dava cursos para os internos.
Resolveu expandir e abrir uma escola fora dos muros da Fundação Casa, para atender pessoas que não podiam pagar pelos treinamentos e, posteriormente, direcioná-las ao mercado de trabalho. “Começou a aparecer gente que queria comprar o curso.” Viu potencial no modelo e, com auxílio do Sebrae, fez um plano de negócio para abrir seu próprio CNPJ. “Virou um negócio. Visamos vender os cursos, mas tem o propósito de gerar mais emprego e renda por meio da educação acessível”, disse Sandra, que lançou em 2018 o aplicativo Emprega Mecânico, direcionado a alunos, ex-alunos e grandes empresas que buscam contratar profissionais para a área. O app soma 2,5 mil vagas, 650 alunos empregados em 2022, com 6 mil empresas listadas e 30 mil usuários cadastrados.
A história da empresária tem reverberado no universo feminino. Em 2017, 70 mulheres foram formadas na Escola do Mecânico. Representavam 1,8% do total de alunos. Ano passado foram 1,5 mil delas inscritas, 11,5% das 13 mil matrículas efetivadas. Além disso, Sandra é uma das idealizadoras e líderes do movimento #MulherTambémPode. Entre as embaixadoras estão mecânicas e engenheiras de campeonatos de automobilismo como Porsche Cup e Stock Car, como Janaína Thaís e Rachel Loh, referências que também têm quebrado paradigmas. Sandra comemora os avanços. “Geramos conteúdo nas redes sociais e começamos a empoderar outras mulheres com a nossa história.”
O trabalho de Sandra desperta o interesse de investidores como o fundo Yunus Corporate, ligado ao indiano Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006, fundador do Grameen Bank. A Escola do Mecânico recebeu aporte de R$ 1 milhão, para aumentar sua capacidade de impacto. Ramificações estão sendo estudadas, com unidades voltadas para marcenaria, pintura, serralheria. Resiliência e expertise Sandra tem de sobra, conquistadas na escola da vida, com coincidências e competência.