Assessores do governo japonês viveram um momento de tensão incomum na quarta-feira 16, antes da visita do primeiro-ministro Shinzo Abe aos Estados Unidos. Abe se encontraria com o presidente eleito, Donald Trump, no dia seguinte e se tornaria o primeiro líder estrangeiro a estar com o bilionário após as eleições. Até a noite anterior, porém, a comitiva não sabia quem estaria na sala, qual seria o horário e o local exatos da reunião. Passado pouco mais de uma semana da vitória, Trump tenta se encontrar entre a linha radical adotada na campanha e a moderação de quem comandará a maior potência global.

Da anedota japonesa à confusão na montagem da equipe, foram seguidos episódios de tropeços até agora. Os primeiros dias da transição tampouco permitem indicar que lado do líder prevalecerá e deixam mais claro que o equilíbrio entre ambas as facetas será um dos seus maiores desafios quando chegar à Casa Branca. Por todo o mundo, analistas e líderes tentam entender o que significarão essas contradições. O premiê japonês, por exemplo, não hesitou em desviar mais de 5.000 quilômetros de seu destino final (o Peru) para sondar até que ponto o presidente eleito está disposto a levar adiante os planos de retirar as tropas da Ásia e renunciar aos esforços conquistados em torno do megacordo TPP (a parceria transpacífico).

Após o encontro na Trump Tower, em Nova York, Abe foi discreto. “Estou convencido que Trump é um líder no qual posso confiar.” Por mais que os assessores do bilionário tenham moderado o tom, as dificuldades na visita informal serviram para lembrar que tudo é imprevisível quando se trata de Trump. Esse lado ficou evidente na escolha da equipe de governo. O principal responsável pela transição deixou o grupo logo nos primeiros dias. O vice da chapa, Mike Pence, teve de substituir o governador de Nova Jersey, Chris Christie, no posto. Dias depois, foi a vez do principal assessor para assuntos de segurança, Mike Rogers, abandonar a equipe.

O vaivém de conselheiros e a demora para a escolha de posições-chave reforçaram a impressão de improviso, como se ele não estivesse, de fato, preparado para uma vitória. Ao seu estilo, Trump tentou rebater essa ideia pelo Twitter, para dizer que tudo corria bem na formação da equipe. Nas duas primeiras indicações, mais uma sutil contradição. O extremista Steve Bannon, escolhido como principal assessor da Casa Branca, instigou acusações de que levaria posições racistas e antissemitas para o centro do poder. Na outra ponta, a chefia de gabinete foi preenchido por Reince Priebus, um político tradicional e representante do establishment de Washington.

Como presidente eleito, o bilionário tem de decidir cerca de 4.000 postos da administração federal. O professor de relações internacionais da PUC-SP, Carlos Gustavo Teixeira, prevê disputas dentro do Partido Republicano. “Os sinais que estão vindo da campanha são de desorganização completa”, afirma. “Por enquanto, o Trump ainda é uma caixinha de surpresas.” A dualidade deve aparecer na área econômica. Dan DiMicco, ex-presidente da siderúrgica Nucor, é um dos principais cotados para o posto de Secretário de Comércio. Ele é um dos defensores de uma posição mais dura contra a China e indicou, na última semana, que insinuações de relaxamento nas promessas do republicano contra os chineses são rumores.

Steven Mnuchin aparece na lista de pretendentes ao Tesouro, ao lado de Wilbur Ross. Ambos são representantes do mercado financeiro, alvo de críticas na campanha. Ao contrário de DiMicco, Ross, também cotado para o Comércio, deu declarações que sugerem moderação sobre a questão da China. “Não vai haver guerra comercial”, afirmou à imprensa americana. Suas declarações coincidiram com o vazamento de um documento contendo o que seria o rascunho do plano para os primeiros 200 dias de governo Trump. Lá estão sugeridos um cronograma para negociar a saída do Nafta (tratado de livre-comércio entre México, Estados Unidos e Canadá) e uma pressão à China em relação ao câmbio.

Enquanto Trump segue na luta contra o próprio Trump, o setor privado engrossa os esforços para influenciar as decisões. Na quarta-feira 16, 360 empresas, entre as quais GAP, Nike e Starbucks, assinaram um documento exortando o bilionário a cumprir o acordo de Paris contra o aquecimento global. O CEO da Ford, Mark Fields, afirmou que a sobretaxa nos produtos vindos do México afetaria a indústria automotiva e “toda economia americana.” Na Europa, em sua última viagem, Barack Obama contemporizou: “A democracia americana é maior que uma pessoa só”. Trump não é uma pessoa qualquer e sua vitória desafia a democracia e a economia em todo o mundo.