A té poucos dias atrás, o presidente americano Donald Trump dizia que os Estados Unidos estavam preparados para enfrentar casos de Covid-19. Apesar das críticas de que ele estaria minimizando os riscos e de não demonstrar interesse em preparar um plano estratégico de contenção, Trump afirmou que os 15 primeiros casos em território americano desapareceriam logo. Na segunda-feira 9, continuava a desinformação. Por meio de um tweet, ele indicava que o novo vírus seria uma ameaça inferior à gripe comum. “Ano passado 37 mil americanos morreram de gripe comum. Em média, são entre 27 mil e 70 mil por ano. Nada vai fechar, a vida e a economia vão continuar”, escreveu.

Na noite da quarta-feira 11, tudo tinha mudado. Numa decisão intempestiva, sem consultar aliados ou citar bases científicas, Trump anunciou a interrupção por 30 dias de todos os voos vindos da Europa. Ao todo, 26 países são afetados. Escaparam do corte a Grã-Bretanha e a Irlanda, sem explicação. “Fizemos um movimento para salvar vidas anteriormente com a China. Agora precisamos tomar a mesma ação com a Europa”, disse, ressaltando que a União Europeia teria falhado em tomar as medidas adequadas e chamando o vírus de “estrangeiro”.

RESPOSTA TARDIA: O presidente Trump resolveu tomar medidas duras apenas depois de os EUA ultrapassarem os 1.300 casos. Corrida a mercados já começou. (Crédito:Divulgação)

O presidente percebeu que a sua reeleição pode depender da resposta à crise. A declaração, porém, criou ruídos e deixou dúvidas. Depois de sugerir que “comércio e cargas” da Europa também seriam suspensos, o presidente precisou esclarecer. “Estamos discutindo tudo que vem da Europa para os EUA”, disse, em seu pronunciamento. Minutos depois, declarou que “o comércio não será afetado” pela restrição de viagens. “Ela vai barrar pessoas, não bens”, informou por tweet. Porta-vozes europeus criticaram a decisão. “A União Europeia desaprova o fato de que a decisão dos EUA foi tomada unilateralmente e sem consultas”, afirmaram, em comunicado, Ursula von der Leyden, presidente da Comissão Europeia, e Charles Michel, presidente do Conselho Europeu.

Analistas preveem que os impactos na indústria de aviação serão graves. Ao criar mais problemas de caixa num momento de instabilidade do setor, Trump pode causar a quebra de algumas empresas. Segundo o serviço de acompanhamento de tráfego aéreo FlightAware, há quase 400 voos diários da Europa para o EUA. Para a Associação das Empresas Aéreas da Ásia e Pacífico, os governos deveriam evitar tais restrições. “Elas causam disrupções para cadeias de suprimentos, comércio e principalmente para as vidas das pessoas, devido a impactos econômicos severos”, comunicou Andrew Herdman, diretor-geral da associação.

IMPACTOS A medida foi criticada dentro dos EUA. Ao não incluir a Grã-Bretanha, significa que estarão abertas as fronteiras para um país que tem metade dos casos em compração com os EUA, e menos de 20% de sua população. A Irlanda já fechou escolas e universidades. Trump possui campos de golfe no Reino Unido e na Irlanda que passam por dificuldades financeiras, notaram veículos de imprensa. Os turistas americanos que estão na Europa poderão ter dificuldades para retornar aos EUA. Se os voos forem interrompidos, a alternativa seria usar rotas por Londres, ou por países de fora do Tratado de Schengen, como a Romênia e a Bulgária, ou mesmo o Brasil e o México. Além disso, os EUA já chegaram a um status de contágios domésticos. Na quarta-feira, a John Hopkins University, de Baltimore, contabilizava 1.311 casos em território americano. O estado de Washington somava 373 ocorrências, com mais de 30 mortes. A maior parte delas nos subúrbios de Seattle. Cidades da região que abriga empresas como Microsoft e Amazon fecharam escolas e proibiram encontros públicos com mais de 250 pessoas.

A sensação de pânico criou corridas aos mercados e desabastecimento em algumas cidades do país. Na mesma noite que Trump fez a polêmica declaração, um jogo da NBA, a liga de basquete americana, envolvendo a equipe Utah Jazz, foi cancelado poucos minutos antes de começar. Os jogadores estavam em quadra. Minutos depois a liga suspendeu a temporada inteira do basquete, sem previsões de retorno. Dois jogadores da equipe de Utah já registraram exames positivos para o vírus. Até o ator Tom Hanks e a sua esposa, Rita Wilson, testaram positivo para o covid-09, durante filmagens na Austrália.

A grande questão agora é como o governo vai responder a impactos econômicos e na saúde. Com um sistema privado, os EUA enfrentam há anos muitas discussões políticas em torno de seguros-saúde para a população. O risco é de que muitas pessoas sem planos deixarão de fazer exames por não poderem pagar os custos do teste, que são de algumas centenas de dólares mesmo para os detentores de seguro. Trump não fez nenhuma menção, em seu discurso, à falta de kits de testes. Para especialistas, não há em quantidade suficiente e isso dificulta entender a propagação do vírus e criar estraté gias de combate.

Já, para combater o gigantesco impacto de suas declarações por bolsas de valores em todo o mundo, que se espalhou no dia seguinte, o presidente instruiu o Departamento do Tesouro a cobrar empréstimos sem juros ou penalidades para negócios e pessoas que sofrem com o surto. Trump também afirmou que deve prover alívio financeiro para trabalhadores doentes ou em quarentena. Deputados do Partido Democrata também anunciaram um pacote de propostas para criar licenças médicas pagas para famílias afetadas. O governo também promete conceder empréstimos a juros baixos a pequenas empresas. Na quinta-feira 12, o Federal Reserve anunciou ajuda de mais de US$ 1 trilhão para dar liquidez ao mercado financeiro.

Jim Watson

Ficou apenas nos afagos

Em sua quarta visita aos EUA como presidente da República, Jair Bolsonaro fez uma rota que turista nenhum colocaria defeito: jantou em resort, conheceu lugares históricos e ganhou até “obras de arte”. Na programação houve um compromisso de Estado: jantar com Donald Trump, a quem Bolsonaro tratou como amigo. Apesar da relação próxima, não foi desta vez que o americano baixou a guarda e abriu mercado para o Brasil. Pelo contrário. “Temos uma relação muito boa, mas não posso garantir que novas taxas não serão impostas, caso necessário”, disse Trump, após o jantar. “Conseguimos um caminho equilibrado na questão do aço, e cada um de nós quer defender os interesses dos empresários locais”, prosseguiu. Ainda que a viagem de Bolsonaro não tivesse como fim novos acordos comerciais, parte dos economistas aguardava alguma benesse, principalmente após o que foi acertado entre EUA e China. “O fim da guerra comercial garantiu aos Estados Unidos um pedaço do mercado chinês que era do Brasil, principalmente da soja. Uma fala de Trump sobre novos acordos com os produtores brasileiros era esperada, mas não aconteceu”, diz Ricardo Maranhão, empresário do agronegócio que estava nos EUA e acompanhou parte da agenda de Bolsonaro.

O encontro entre os presidentes, em um resort na Flórida, terminou com Trump ressaltando que o Brasil ama Bolsonaro, e os Estados Unidos também. Se com Trump a reunião não rendeu mais que afagos. Em outro encontro – com empresários –, Bolsonaro quis atrair investimento. “No Brasil, há negócios dos mais diferentes portes para os distintos perfis”, afirmou Bolsonaro.

O economista da Universidade de Brasília (UnB) Jorge Houstoff, doutor em relações internacionais, avalia que, do ponto de vista diplomático, a viagem foi positiva, mas não virá dos Estados Unidos o capital estrangeiro que o Brasil precisa. “Com a Selic em 4,25%, o investimento americano vai para mercados com maior rentabilidade, ainda que tenha maior risco.”

A primeira parada de Bolsonaro nos EUA foi o quartel-general do Comando Sul, na cidade de Doral, na Flórida. Ali foi assinado o Acordo para Projetos de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação (RDT&E, na sigla em inglês), de cooperação militar. O acordo bilateral dará ao Brasil acesso ao fundo de desenvolvimento de tecnologia para defesa, que hoje está em US$ 100 bilhões. “Ele pode ajudar o Brasil a fortalecer a indústria e abrir o mercado norte-americano para o setor militar nacional”, disse o presidente, após o encontro. O termo abre a possibilidade de parceria em projetos de tecnologia para defesa, e compartilha patentes. Apesar do subsídio financeiro aos governos, o desenvolvimento das pesquisas ficará sob tutela do setor privado. A expectativa é que a Companhia Brasileira de Cartuchos, a Embraer e a Taurus se beneficiem do acordo.

O RDT&E também facilita a entrada do Brasil na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Na assinatura do texto, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, disse que a parceria com os EUA começou no ano passado, na aprovação do acordo de salvaguardas tecnológicas para o uso da base brasileira de Alcântara. “A questão demorou 20 anos para ser aprovada, e em seguida já firmamos esse acordo inédito”, disse. Do ponto de vista norte-americano, um dos principais fatores para a assinatura é o avanço da tecnologia de telefonia 5G, cujo leilão está previsto para os próximos anos. “Sem perceber, o Brasil toma um lado na queda de braço China versus EUA”, diz Houstoff.