Temos emprego em alta e inflação em baixa. A economia voltou a crescer. A pobreza aumentou em todo o mundo sob o impacto da pandemia. No Brasil, ela já começou a cair de forma acentuada.” Foram essas as palavras que abriram o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia da ONU. O mesmo texto foi repetido em campanha eleitoral, em lives, em encontros com empresários e comícios. Mas será que as coisas vão realmente tão bem quanto pinta o presidente? A resposta é sim e não, a depender do ângulo analisado. Mas há um fator que não tem espaço para dubiedade. Do jeito que as coisas se desenham no horizonte, será muito difícil manter indicadores positivos em 2023.

A verdade é que a sensação momentânea de melhora da economia se deve a um esforço do governo visando o período eleitoral, mas não só a isso. Com parte da atividade represada pela pandemia, guerra e aumento dos preços, havia um potencial de destravamento natural da economia quando as coisas começaram a tomar o rumo da normalidade.

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Para Carlos Lopretto, doutor em políticas públicas e ex-ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), o papel central do governo para melhora do ambiente econômico foi a revisão dos impostos, em especial o ICMS, mas isso tem data de término prevista para dezembro, o que poderá fazer a infação voltar a subir. “O governo fez o que faz de melhor: encontra uma brecha para cometer os mesmos erros de sempre, mas com uma cara nova”, disse. Ele explica que a redução do ICMS feita na canetada e à revelia dos governadores é uma forma de tabelar os preços da gasolina e da energia sem obrigar as estatais a arcarem com os custos. “Ou seja, ele usa o Poder Público para intervir, mas sem mexer nos acionistas das estatais.”

A avaliação do professor acompanha as expectativas dos economistas do Comitê de Política Monetária (Copom) na ata divulgada terça-feira (27). Apesar da manutenção em 13,75% da Selic, o cenário de alerta definiu o tom do texto que comentou a decisão do Comitê. E a palavra ‘riscos’ foi presença garantida. Há chances de a inflação subir ou descer, e em nenhum dos dois cenários isso aconteceria por um movimento positivo da economia. O cenário global, o fim das desonerações e as incertezas fiscais tendem a elevar a previsão de inflação, enquanto uma queda adicional no preço de commodities em reais, desaceleração da atividade econômica global e a manutenção dos cortes de impostos projetados para serem revertidos em 2023 podem segurar a inflação, mas sem estimular necessariamente o PIB.

E aí entramos no segundo ponto de Bolsonaro. O crescimento do PIB, na casa dos 1,2% no segundo trimestre, surpreendeu o mercado e veio melhor que as projeções do próprio governo: girava em 1%. De fato, como disse o presidente, o Brasil cresceu mais que Estados Unidos, China e alguns países da Europa, figurando em 7º lugar no ranking de 26 países, segundo levantamento elaborado pela agência de classificação de risco Austin Rating. Mas a pujança não deve ser manter. Tanto que a projeção do FMI para a soma do ano é que o crescimento do Brasil fique entre a 14ª e 16ª colocação entre os 19 países do G20.

Para o ano que vem as coisas ficam ainda piores. A OCDE derrubou a perspectiva do Brasil para algo em torno de 0,8%, e alertou que a condições macroeconômicas (como estabilidade política, criação de novos arcabouços fiscais e estímulo do consumo) serão determinantes para que essa projeção não piore.

HÁ VAGAS No caso do desemprego, a sina do Brasil é complicada. Houve um aumento no número de vagas, mas a qualidade e remuneração destes postos acabam por distorcer os indicadores do governo. O salto exponencial no número de informais, pessoas que contribuem menos para previdência social e não possuem benefícios, derrubaram a renda média do assalariado. São 39,9 milhões de informais, ou 41% da mão de obra brasileira. Em 2015 esse número era 36% e, em 2010 foi de 31,2%, segundo o IBGE. E esse movimento atinge os salários. No primeiro trimestre deste ano a renda do brasileiro caiu 8,7%, chegando a R$ 2.548. Segundo o relatório, o motivo principal são as condições piores de empregabilidade, perda de benefícios e a chamada ‘pejotização’ das relações trabalhistas. Para o ano que vem a situação deve seguir a mesma tendência.

E se Bolsonaro se gaba de o Brasil possuir o litro da gasolina inferior aos preços praticados em Londres (em vídeo ele mostrou o litro sendo vendido por 1,67 libra esterlina, o que em reais seria R$ 9,7 o litro, ante os atuais R$ 4,79 praticados em média no Brasil) ele parece ter esquecido que o salário mínimo por lá também é muito maior. Em uma hora de trabalho o inglês recebe no mínimo 9,50 libras (ou R$ 54,92 na cotação atual). No Brasil, R$ 5,41. E, já adianto: segundo o Orçamento enviado pelo próprio governo para 2023, esse valor não irá subir ano que vem.