Do romance de espionagem à tragicomédia. É o enredo que envolve a Renault e deve esquentar a reunião de acionistas da montadora francesa, prevista para 29 de abril. 

 

Será uma prova de fogo para o CEO Carlos Ghosn. Dois meses depois de demitir três de seus diretores, acusando-os de vender segredos industriais do novo modelo de carro elétrico, Ghosn foi obrigado a pedir desculpas numa entrevista no horário nobre da tevê francesa. 

 

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Carlos Ghosn, o CEO Algoz: reação intempestiva da diretoria
 da Renault foi considerada amadora pelo governo francês

 

Revelou-se que o autor das acusações, o ex-militar Dominique Gevrey, funcionário do departamento de segurança, inventou toda a história para dar um desfalque na companhia, e está preso sob acusação de estelionato e formação de quadrilha. 

 

O episódio de espionagem imaginária irritou profundamente o governo francês. Detentor de 15%  do capital da montadora, a administração Sarkozy criticou acidamente a falta de profissionalismo da Renault.

 

Em resposta, Ghosn abriu mão de seu bônus de 1,6 milhão de euros referente ao ano passado e também não receberá opções de ações neste ano. “Eu errei, nós erramos”, reconheceu Ghosn. “Pelas conclusões das investigações do procurador de Paris, nos parece que fomos enganados.” 

 

Além de inocentar os três executivos demitidos injustamente, Matthieu Tenembaum, Michel Balthazard e Bertrand Rochette, o CEO prometeu indenizá-los. 

 

O principal personagem do enredo rocambolesco ocupava o segundo cargo mais alto ligado à segurança na montadora. Gevrey dizia à alta direção da empresa ter uma fonte anônima que lhe assegurava que os três diretores envolvidos traficavam segredos industriais.

 

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As vítimas: acima, em sentido horário, Matthieu Tenenbaum, Michel Balthazard
e Bertrand Rochette foram demitidos, mas serão indenizados

 

Essa fonte lhe enviaria provas irrefutáveis de que os três executivos tinham contas-correntes na Suíça e no paraíso fiscal europeu de Liechtenstein. 

 

Gevrey chegou a receber 310 mil euros da Renault, a título de adiantamentos, para obter essas provas. O esquema de Gevrey era primário: ele entregava notas frias à montadora e dizia fazer transferências para sua fonte, que nunca existiu. 

 

Depois da demissão dos executivos, o procurador de Paris, Jean-Claude Marin, começou a fazer uma investigação sobre o assunto. Só então descobriu-se que Gevrey era ele próprio titular de contas na Suíça e em Dubai, nos Emirados Árabes. 

 

Os depósitos eram feitos em contas de um amigo na Espanha, que ficava com uma comissão de 10% e depois repassava o dinheiro para Gevrey. Segundo o jornal satírico Canard Enchainé, a procuradoria já conseguiu recuperar 100 mil euros numa conta da Suíça mantida pelo chefe da segurança e 140 mil euros em Dubai.

 

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A farsa começou a cair em 26 de janeiro, quando  o ex-militar, pressionado pela Renault  para identificar sua fonte, chegou a marcar um encontro em Bruxelas, para apresentá-la ao advogado da empresa, Jean Reinhart. 

 

O suposto informante, é claro, não estava lá. Gevrey  foi preso na sexta-feira 11, quando se preparava para pegar um avião para a República da Guiné, na África. O episódio enfureceu o governo francês e já se discute abertamente a demissão de Ghosn na imprensa francesa. “A Renault deu provas de amadorismo inacreditável”, afirmou o porta-voz do governo, François Baroin.

 

Ele disse que o governo não pode simplesmente esquecer o assunto. Na verdade, o governo francês quer mais. “Foi bom que o presidente tenha apresentado desculpas públicas imediatamente, mas isso não extingue a investigação interna”, afirmou o ministro da Indústria, Eric Besson. 

 

Em meio à confusão, há dúvidas se a Renault tem, realmente,  condições de prescindir de Ghosn. A estratégia desenhada pelo executivo levou a montadora a vender um  número recorde de veículos em 2010. A pressão do governo francês para enfraquecê-lo pode não ter o fiasco da espionagem imaginária como única razão. 

 

Vindo de um extraordinário sucesso na virada da Nissan, controlada pela Renault, o CEO teve problemas ao tentar transferir a produção dos carros mais baratos da montadora para fora da França, como uma maneira de reduzir custos. Consultada pela DINHEIRO, a montadora não se manifestou.