A Grécia quase azedou o champanhe que os europeus haviam estourado no dia 27 de outubro, quando as autoridades da União Europeia finalmente pareciam ter encontrado um norte para resolver o imbróglio da economia daquele país e,  por consequência, da economia europeia. Dois dias antes da sexta edição do G-20 Summit, que aconteceu em Cannes, no sul da França, nos últimos dias 3 e 4, um desastrado primeiro-ministro George Papandreou protagonizou uma tragicomédia ao avisar que submeteria o plano de resgate – desenhado a duras penas nos últimos meses entre as lideranças do continente e que incluía  perdão de 50% da dívida do governo grego com os bancos – ao julgamento popular até o fim do ano. A notícia caiu como uma bomba, recebida com indignação e surpresa, no mundo todo. Submetidos a duras restrições nos últimos anos, era praticamente certo que os gregos, exaustos de tanto sacrifício, viriam a rechaçar mais alguma tentativa de apresentar contrapartidas para garantir a operação de salvamento de sua economia. Um provável “não” no referendo significaria o fim da ajuda externa à Grécia, o calote de 100% de suas dívidas e seria, no limite, o empurrão das economias mais fracas da União Europeia em direção ao abismo.

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Tapete vermelho: ativistas da ONG Oxfam satirizam grandes líderes mundiais em Cannes. Dentre eles Dilma Rousseff,
Barack Obama, Nicolas Sarkozy, Angela Merkel, David Cameron e Dmitry Medvedev 

As bolsas de valores despencaram na terça-feira 1º, principalmente nos países mais vulneráveis, como a Itália e a própria Grécia, com queda de quase 7% no fechamento do dia, em  Milão e Atenas. Ciente do estrago provocado, Papandreou buscou remendá-lo, telefonando, minutos depois da sua declaração, para a chanceler alemã Angela Merkel, buscando aplacar a sua fúria. “O referendo fortalecerá a Grécia na zona do euro”, tentou justificar o desajeitado primeiro-ministro grego. Ouviu, de volta, um sonoro ultimato dos parceiros ricos do continente: ou cumprem o plano ou dizem adeus à moeda única. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, que concedeu uma entrevista por volta da meia-noite da quarta-feira 2, ao lado de Angela, foi direto ao ponto: “Se o referendo for mantido, deve ser sobre se a Grécia quer permanecer na zona do euro ou não”, afirmou Sarkozy. “Queremos que a Grécia continue, mas nossa primeira obrigação é um euro estável”, emendou Angela Merkel. Foi sob esse clima de pressão, e sob uma garoa persistente no balneário da Côte D’Azur, famoso pelos festivais internacionais de cinema desde 1946, que teve início a reunião de cúpula do G-20. Não muito longe dali, em Nice, milhares de manifestantes tomaram as ruas para protestar contra a globalização. 

A tensão estava explícita no rosto do presidente francês, que na manhã da quinta-feira 3 recebeu os líderes das 20 nações mais importantes do mundo, do americano Barack Obama à brasileira Dilma Rousseff. Juntos, os 20 países representam 85% do PIB global. A infeliz ideia de Papandreou representou um autêntico presente de grego jogado no colo das lideranças mundiais e deixou claro que a situação é gravíssima e está no limite de estourar a cambaleante economia europeia, em crise desde 2008. Assim, mais do que um espaço para debater soluções para a economia global, o G-20 Summit tornou-se um fórum para testar a resistência da União Europeia, assunto que dominou o primeiro dia do encontro, nas reuniões que se seguiram entre os presidentes e os ministros das Finanças dos integrantes do grupo.  “A Europa é um patrimônio democrático que precisa ser preservado”, disse a presidente Dilma, sentada ao lado do premiê italiano, Silvio Berlusconi, e do presidente da Coreia do Sul, Lee Myung-bak, em sua intervenção, durante o almoço dos líderes, realizado no Palais des Festivals et des Congrès. Dilma reiterou que o Brasil está pronto para contribuir com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para buscar uma alternativa à crise europeia, embora não tenha especificado de quanto seria essa ajuda. A presidente, entretanto, cobrou atitudes.

 

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“O Brasil é solidário, mas é preciso liderança, visão clara e rapidez”, afirmou, lembrando que temia que as dificuldades financeiras do Velho Continente começassem a respingar nos países emergentes, que se tornaram uma ilha diante das dificuldades dos ricos. Mas essa condição não é eterna e o presidente francês sabe disso. O representante da nação mais rica dos Brics, o presidente da China, Hu Jintao, também procurou chamar Sarkozy à responsabilidade. “Só depende de a Europa resolver seus problemas financeiros”, disse Jintao a Sarkozy, segundo a agência de notícias chinesa Xinhua. Assim como o Brasil, a China ofereceu ajuda à Europa por meio de aportes financeiros junto ao Fundo Monetário Internacional. Com poucas horas para salvar o mundo desenvolvido e apresentar uma ideia plausível à opinião pública, coube a Sarkozy tomar as rédeas do debate com uma ideia fixa em mente: é impossível fraquejar agora e o único caminho a ser seguido é tirar qualquer resquício de pessimismo do caminho. “Não podemos aceitar a explosão do euro, o que significaria a explosão da Europa”, disse, com firmeza, o presidente francês aos jornalistas que acompanhavam o evento. “O euro é a garantia de paz no continente e suas duas principais economias vão defender com êxito o legado dos nossos antecessores.”

 

Após as críticas persistentes por uma atuação morna na condução dos debates para solucionar os problemas na União Europeia, as lideranças europeias despertaram de uma anestesia durante o encontro do G-20. Não se sabe se por mérito próprio ou por terem chegado ao limite do abismo. Os chefes de Estado buscaram privilegiar um horizonte de expansão em suas intervenções, em vez de insistir na toada batida do ajuste fiscal. “Estamos em busca de projetos para ampliar a criação de empregos e retomar o desenvolvimento”, disse o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. O presidente espanhol, José Luis Zapatero, vai na mesma direção. “É preciso assumir o compromisso de estimular o crescimento”, disse ele. A DINHEIRO apurou que, além das mensagens de otimismo para desenhar o futuro, medidas práticas foram colocadas à mesa. Os Estados Unidos se propuseram a trabalhar por um programa social e de estímulo ao emprego mais ousado que o apresentado há dois meses. O Japão, por sua vez, se comprometeria a destinar 4% do PIB para investir em sua infraestrutura, ainda devastada pelo terremoto, seguido de tsunami do início do ano. A China, por outro lado, criaria incentivos para o consumo interno, de modo a evitar a desaceleração do crescimento global. 

 

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Em outro sinal de que está focando em ideias concretas, a União Europeia se comprometeu a priorizar imediatamente o Fundo Europeu de Estabilização Financeira, que deverá ser engordado para ajudar as economias em dificuldades a capitalizar seus respectivos bancos. “Vamos trabalhar com grande intensidade para definir os procedimentos de alavancagem e avançar o máximo possível até a semana que vem”, disse a ministra da Economia da Espanha, Elena Salgado. Em outubro, as lideranças europeias sinalizaram que o fundo receberia um aporte de 1 trilhão de euros. Outra proposta ousada que ganhou força na quinta-feira 3 foi a criação de uma taxa financeira global. A ideia é tirar dinheiro dos ricos, ao recolher impostos sobre transações financeiras e investir em programas de cunho social. Embora não desfrute de consenso entre os chefes de Estado, o tributo ganhou um cabo eleitoral de peso durante o G-20. O bilionário Bill Gates, fundador da Microsoft, participou do primeiro dia do encontro e expôs aos líderes presentes que a taxa sobre transações financeiras poderia ser de grande valia para a inclusão da população mais pobre na economia mundial. “Trata-se de uma taxa bastante plausível”, disse ele à imprensa europeia, pouco antes de participar da reunião com os líderes do grupo.  

 

Sarkozy, defensor da ideia, ganhou duas adesões de peso: Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, da Argentina. “Apoiamos a criação da taxa, desde que seja consenso entre os países”, confirmou Dilma, na sexta-feira 4. Barack Obama e David Cameron, do Reino Unido, são contra. O dramático encontro do G-20, no fundo, acordou algumas lideranças mundiais para a necessidade de se encontrar caminhos alternativos que restaurem a ordem econômica global e a paz social. “Tivemos um eletrochoque positivo para que tudo siga a ordem conveniente”, resumiu Sarkozy. Sob ameaça de ser eletrocutado da zona do euro, o fragilizado mandatário grego capitulou. “A Grécia não quer sair do euro”, disse Papandreou. Diante do ultimato de Angela e Sarkozy e frente à ameaça concreta de não receber E 8 bilhões em dezembro, referentes à sexta parcela do pacote de ajuda de E 100 bilhões acertado no ano passado, ele cancelou o referendo no berço da democracia. Sem esse dinheiro, não há recursos nem para pagar os salários do funcionalismo público grego. No próprio país, os líderes da oposição chegaram a propor a renúncia de Papandreau. Na quinta-feira, encaminharam moção de desconfiança ao primeiro-ministro no Parlamento. O euro pode até ter sido salvo (não se sabe até quando) na semana passada, mas a tragédia grega continua.  

 

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Enviada especial a Cannes