06/07/2011 - 21:00
O caos nas ruas de Atenas na semana passada foi visto com horror por dois públicos, por diferentes motivos. Os cidadãos comuns ficaram estarrecidos em frente a seus aparelhos de tevê com as cenas de violência raras na tranquila Europa. Nas elegantes salas de diretoria dos grandes bancos internacionais nas capitais financeiras, banqueiros seguravam o fôlego. Enquanto o país era assolado por uma greve geral e pelos mais violentos protestos em meses, o Parlamento votava um duro plano de austeridade fiscal. Se o projeto não fosse aprovado, um calote da dívida de mais de 300 bilhões de euros da Grécia seria inevitável.
Há pouco mais de um ano, a Grécia recebeu um pacote de ajuda de 110 bilhões de euros do Fundo Monetário Internacional e da União Europeia. Não foi suficiente: o país precisará de novo resgate de até 120 bilhões de euros para cobrir suas necessidades de financiamento nos próximos três anos. Os países que pagam a conta exigiram que a quinta parcela do primeiro acordo, de 12 bilhões de euros, só fosse liberada em julho mediante a aprovação de um duríssimo conjunto de medidas de austeridade fiscal, com corte previsto de 28,5 bilhões de euros em gastos do governo até 2015.
Triste baile de máscaras: violência dos protestos mostra que a população sabe que pagará a conta
A suposta ajuda é, na verdade, um presente de grego: os cortes no orçamento representam nada menos que 10% do PIB e exigem, por exemplo, a eliminação de 150 mil empregos públicos. Os cidadãos pagarão um salário a mais por ano em impostos (veja quadro final da matéria). O primeiro-ministro George Papandreou foi ao Congresso para acompanhar a votação, na quarta-feira 29. Na sessão, o ministro das Finanças, Evangelos Venizelos, disse que as medidas eram necessárias para que o país “ficasse novamente em pé”.
Logo depois da aprovação, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, e o presidente do Conselho Europeu, Heman Van Rumpuy, divulgaram um comunicado tentando apaziguar os ânimos. “Reiteramos o apoio e a solidariedade da Europa ao povo grego”, disseram. À parte o discurso, fica claro que o FMI e os contribuintes dos países ricos da Europa infligem um duro custo à população da Grécia.
As medidas draconianas não deixam esperanças de que o país possa sair da recessão e reduzir a taxa de desemprego de mais de 16%. Depois de uma queda de 4,5% do PIB no ano passado, no primeiro trimestre a economia grega caiu a um ritmo anualizado de 4,8%. A violência dos protestos demonstra que as populações não podem ser esquecidas nos processos de ajuste e motivou até uma crítica direta da Organização das Nações Unidas (ONU), que alertou para o aprofundamento da crise social no país.
Ainda que os custos sejam altos, o consenso é de que a liberação de mais recursos apenas adia o problema da dívida da Grécia e que uma moratória do país será inevitável, ainda que em médio prazo. É a primeira grande fissura no euro, o símbolo do gigantismo da Comunidade Europeia criado há 12 anos e moeda de reserva mundial. O bilionário investidor húngaro George Soros afirmou ser “provavelmente inevitável” a criação de um mecanismo que permita às economias periféricas sair da união monetária. “Estamos à beira de um colapso econômico que pode começar na Grécia, mas facilmente se espalhar”, disse Soros. O investidor é famoso por detectar moedas frágeis: em 1992, foi o artífice do ataque especulativo que deixou a libra esterlina fora do sistema que precedeu o euro.
O racha no berço da democracia: Papandreou (de terno cinza) comanda a aprovação do pacote e a repressão nas ruas
O economista Walter Molano, da BCP Securities, vê na situação grega elementos similares às crises cambiais da Argentina e do Brasil. “O euro é uma âncora monetária insustentável que a Grécia e outros países mais fracos da Europa terão que deixar, mais cedo ou mais tarde”, afirma. Pessimista, Molano acredita que outros países da Europa periférica que usaram o euro para se endividar acima de suas possibilidades, como Portugal e Espanha, também estão em risco e em algum momento precisarão se desvincular da moeda para conseguir voltar a crescer.
No mercado financeiro, é corrente a percepção de que o novo pacote de ajuda apenas ganha tempo para evitar que o calote grego gere um novo baque no sistema bancário, que ainda está às voltas com ativos podres herdados da crise de 2008 e 2009. Do total da dívida de 300 bilhões de euros, 50 bilhões de euros estão com o Banco Central Europeu e o restante, em mãos privadas. “Um calote desorganizado agora seria como bater num boxeador que já está baqueado, no décimo segundo round”, compara Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil.
Já há sinais de uma moratória branca em curso, com os acordos fechados pelos bancos franceses e alemães com seus governos para rolar parte dos juros da dívida grega que vence até 2014. Os governos esperam que os bancos contribuam com 30 bilhões de euros. Os maiores bancos franceses concordaram em transformar metade dos juros devidos pela Grécia nesses títulos em novos papéis com vencimento em 30 anos. Os bancos alemães costuravam acordo semelhante.
Molano, da BCP: saída da união monetária deve ocorrer mais cedo ou mais tarde
O fim do mito da estabilidade europeia ocorre em meio a uma mudança da economia global tão relevante quanto a separação da Pangeia, o pré-histórico continente único. O eixo do crescimento da economia mundial passou dos países desenvolvidos antes da crise financeira internacional para os emergentes. É cedo para avaliar o impacto da crise na Europa, mas espera-se que os emergentes continuem com os motores aquecidos. A maior parte dos analistas acredita que o impacto para o Brasil será limitado. O economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, lembra que o País acaba de ter sua nota de crédito elevada. “Seria mais relevante se houvesse uma dimensão sistêmica de crise bancária, e, a princípio, este cenário foi postergado”, diz Barros.
Uma desaceleração mais forte da economia global poderia afetar o Brasil por meio dos preços de commodities e pela demanda por exportações. Mas não está descartada uma maior aversão ao risco, o que poderia aumentar o custo ou dificultar o crédito para empresas e bancos brasileiros no Exterior. Não se teme grande impacto de uma eventual saída de recursos do País, considerando as reservas de US$ 350 bilhões, acima dos US$ 300 bilhões da época da quebra do Lehman Brothers. A voz discordante é Molano, da BCP Securities. “O Brasil está hoje muito mais endividado e com déficit de conta corrente, em situação mais vulnerável a um choque externo drástico.”