24/02/2023 - 0:10
Não tem mesmo outro jeito. Com a atual composição do Congresso e o sistema de castas em vigor, onde o bloco do Centrão manda e desmanda em tudo ao seu bel prazer, o presidente Lula parece mesmo condenado a fazer concessões, e das grandes. A todo custo. Sob pena de não conseguir governar. E já está acontecendo. Para conseguir aprovar a proposta da reforma tributária, a primeira das guerras prioritárias que trava em prol do atendimento às demandas de seu eleitorado, o demiurgo vem articulando e distribuindo cargos e emendas. É exigência direta dos parlamentares, diga-se de passagem. Não se trata de cooptação, mas da tentativa de uma coalizão mínima para garantir base de apoio aos projetos que considera essenciais. Como sair dessa armadilha? No curto prazo parece não haver alternativas. Mesmo a busca de um orçamento extra para cobrir o rombo deixado pelo antecessor teve de ser negociado, voto a voto, com a entrega de postos e dinheiro para convencer os “indecisos”. Perdem os cofres públicos e o bolso do sofrido contribuinte, mas também os já sacrificados princípios republicanos. Após uma temporada de aprovação recorde de PECs, instrumento de base da gestão bolsonarista, Lula teve de partir para o regateio aberto com deputados e senadores que lhe são francamente críticos. Está distribuindo uma penca de cargos em todos os escalões e chancelando verbas para currais eleitorais. Os aliados do ex-presidente Bolsonaro, por sua vez, criaram uma espécie de cordão de isolamento no Legislativo e agora partem para uma investida contra o “revogaço” antiarmas que o petista procura implementar nas duas casas. Difícil, decerto, governar com a resistência de uma frente de adversários francamente majoritária. Na busca de alternativas de movimentação, Lula passou a fazer inúmeras promessas a governadores e prefeitos, tentando estabelecer uma aliança da União com estados e municípios. Nas reuniões que se tornaram frequentes, concede o atendimento a demandas como a da criação de um Conselho Federativo, para deliberações conjuntas, e tem discutido, inclusive, o ressarcimento de recursos pelas perdas de arrecadação ocasionadas com o corte do ICMS dos combustíveis. Essa é medida para consertar estragos da gestão passada, mas não há outro jeito. Habilidoso no trato político, Lula joga em desvantagem e entendeu que o diálogo com os interlocutores estaduais e municipais poderá lhe garantir alguma autonomia e peso no embate com o Legislativo. A ideia de que o Estado fique imobilizado pela retranca política não passa pela cabeça do presidente. Ele vem, pessoalmente, buscando conversar com o titular da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, para aplainar os ânimos. Tem sido bem-sucedido. Até mesmo um novo regime fiscal, que substitua o teto de gastos, entrou no radar das discussões com esses interlocutores e recebeu seu aval. É via entendimento que Lula planeja avançar no debate econômico. Ele almeja conquistar o aumento do Bolsa Família, do salário mínimo, dos investimentos externos do BNDES, além da isenção do Imposto de Renda para um maior número de brasileiros, como plataformas de governo. No banho de realidade que tomou nas urnas, pôde perceber que será na costura das tais alianças que construirá uma estratégia de gestão efetivamente eficaz. Chame isso de toma lá, da cá, ou de qualquer outra coisa, mas é a saída viável.
Carlos José Marques
Diretor editorial