10/01/2014 - 21:00
Por qualquer conta que se faça, o grupo Fleury é um exemplo de negócio bem-sucedido. A empresa, fundada por um grupo de médicos paulistas em 1926, está bem posicionada nos principais mercados do País, graças a uma vigorosa política de expansão. No período 2002-2012, foram nada menos que 27 aquisições. Tal ofensiva a consolidou como a segunda maior do País e uma espécie de Ferrari do setor de medicina diagnóstica, com uma receita líquida de R$ 1,26 bilhão no acumulado de janeiro a setembro de 2013 – atrás apenas da Dasa, com R$ 1,86 bilhão. No entanto, um exame mais acurado mostra que o gigantismo não vinha fazendo muito bem ao Fleury.
O que parecia uma estratégia acertada para sair na frente no processo de consolidação do segmento se mostrou um fardo pesado demais para seus controladores, comprometendo a rentabilidade do negócio. Por conta disso, no final do ano passado eles nomearam o banco americano JP Morgan para buscar alternativas. Entre as medidas não está descartada a entrada de um novo sócio. Hoje, o bloco de controle, com 46,7% das ações do grupo, está dividido entre a Core Participações, dos sócios acionistas, com 74,8%, e a Bradesco Seguros Participações, com 25,2%. O objetivo é atrair um fundo de investimento ou uma empresa de medicina diagnóstica estrangeira, com capital suficiente para bancar a continuidade de seu crescimento.
Fala-se no mercado que a transação poderia envolver cerca de R$ 3 bilhões, incluindo nesta conta a fatia dos minoritários. Entre os controladores e os possíveis interessados, alguns dos maiores fundos de investimento do Brasil e do Exterior, ninguém fala abertamente sobre o assunto. Analistas de mercado, no entanto, enxergam a decisão dos donos do Fleury muito mais como uma manobra defensiva do que como um sintoma de que as coisas não estejam bem por lá. “A empresa possui bons fundamentos econômicos”, afirma o analista de saúde da UM Investimentos, Thomas Chang. “E a queda do valor de suas ações a torna ainda mais atraente.”
Em termos nominais, os papéis do Fleury negociados na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) se desvalorizaram 17% no ano passado. Em seu ponto mais baixo, seu preço chegou aos R$ 16,58, registrados no final de outubro. Desde então, as ações vêm experimentando uma lenta recuperação, tendo fechado a R$ 18,56, na quinta-feira 9. Mesmo assim, muito aquém do preço-alvo de R$ 24,70 indicado por Chang. O que colabora para aguçar o apetite dos fundos são as boas perspectivas da medicina privada no Brasil. A começar pela taxa de penetração dos planos de saúde privados, estimada em 21,7%, ante 59,9% no México e 84,7% nos Estados Unidos.
Significa dizer que ainda há espaço para que o setor dobre de tamanho no médio prazo. Mais pessoas aderindo aos planos de saúde certamente devem gerar uma elevação na demanda por exames clínicos. “As perspectivas para o setor são positivas, apesar da piora de alguns indicadores econômicos”, diz a especialista em planos de saúde Lígia Bahia, professora do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo a especialista, isso é suficiente para explicar o interesse de nomes como o fundo americano Carlyle, que tem em seu portfólio por aqui a rede varejista de brinquedos Ri-Hapy, a Tok&Stok, de móveis, e o Gávea, de Armínio Fraga, que entrou no setor em 2011 com a compra de 30% do laboratório mineiro Hermes Pardini, além da LabCorp, gigante americana baseada em Burlington, na Carolina do Norte, e cuja receita anual está na casa dos US$ 5,6 bilhões.
Mas os analistas não descartam um movimento também do sócio local do Fleury, a Bradesco Seguros. Procurada, a seguradora informou que não falaria sobre o negócio. Qualquer que seja, o novo controlador deverá encontrar um Fleury mais ajustado e livre dos excessos, como a abertura num ritmo superior ao da capacidade de absorção do mercado. É que, desde meados de 2013, a empresa vem passando por um profundo processo de reestruturação. A correção de rota (veja tabela ao lado) inclui a redução do volume de investimentos em 2013 para cerca de R$ 150 milhões, ante os R$ 200 milhões previstos anteriormente. Também prevê o fechamento de unidades deficitárias.
Foram 15 unidades da bandeira a+, ao longo de 2013, e até o final deste trimestre serão desativadas 11 unidades dentro da Rede D’Or de hospitais. “Estamos descontinuando negócios não rentáveis”, afirmou João Patah, diretor de relações com investidores do Fleury, em teleconferência com analistas na apresentação do trimestre julho-setembro. “Não vamos fechar mais unidades.” Para os analistas do Deutsche Bank, no entanto, isso não deve ser o suficiente para garantir um prêmio significativo aos controladores do laboratório. Mais em virtude da volatilidade do mercado brasileiro de ações, em geral, do que da situação particular do quase nonagenário Fleury.