16/12/2016 - 20:00
Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, não para de surpreender. É difícil pensar em um momento no qual o bilionário tenha seguido as normas e convenções do establishment, desde que iniciou sua campanha para a presidência, em meados do ano passado. A formação de sua equipe de governo não poderia ser diferente. Até agora, Trump definiu 16 dos 21 nomes que irão compor seu time principal. Todas as indicações geraram polêmicas. Entre generais linha dura e conservadores em geral, destacam-se os empresários e homens de negócios.
São cinco, ao todo, incluindo Rex Tillerson, CEO da maior petroleira americana, a ExxonMobil, que vai ocupar o cargo mais importante da diplomacia americana: o de Secretário de Estado. “Sua tenacidade, vasta experiência e entendimento de geopolítica o fazem uma excelente escolha”, afirmou Trump, em um comunicado, sem mencionar, no entanto, os possíveis conflitos de interesse em dar poder sobre os rumos da política externa da maior economia do mundo a um importante executivo do ramo petrolífero.
São esses conflitos de interesses, além das contradições entre o que foi prometido por Trump durante a campanha e as prováveis linhas de atuação dos escolhidos, que causam preocupação na comunidade internacional. Além de Tillerson, o time de CEOs de Trump é composto por Andrew Puzder, presidente da CKE Restaurants, dona das redes de fast food Hardee’s e Carl’s Jr., que ficará com a pasta do Trabalho; Betsy DeVos, a bilionária esposa de um dos herdeiros da Amway, maior empresa de vendas diretas do mundo, a cargo da Educação; o investidor e especialista em recuperar empresas falidas Wilbur Ross, novo secretário do Comércio; e Linda McMahon, cofundadora da WWE, uma liga profissional de luta livre, que responderá pela secretaria de Pequenas Empresas.
Trump também estabeleceu um conselho econômico que conta com a CEO da PepsiCo, Indra Nooyi, e o fundador da Tesla, Elon Musk. “São nomes que têm um apelo mais pró-mercado”, afirma Rafael G. Cardoso, economista do banco Daycoval e autor de uma série de relatórios sobre as Trumponomics, como são conhecidas as medidas econômicas anunciadas pelo bilionário. “A questão é que, durante a campanha, Trump prometeu um governo voltado ao trabalhador.” Tillerson e Puzder são os que melhor representam essa incongruência.
O primeiro trabalha há quatro décadas defendendo os interesses do petróleo. Seus estreitos laços com Vladimir Putin, o manda-chuva russo, são evidentes. Como também são evidentes os interesses comerciais bilionários que regem essa relação. Desde 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia a seu território, os EUA vêm impondo sanções econômicas ao país. Isso impediu que a Exxon concluísse um acordo, costurado por Tillerson, para explorar petróleo na Sibéria. A receita estimada da operação, feita em parceria com a estatal russa Rosneft, chega a US$ 500 bilhões.
Por esse trabalho, Tillerson foi agraciado com a Ordem de Amizade, honraria que recebeu das mãos de Putin. Não por acaso, o executivo sempre se posicionou contrariamente às sanções. “Poucos magnatas são tão próximos de Putin quanto Tillerson”, afirmou Jason Bordoff, fundador do centro de energia global da Universidade Columbia, ao jornal The New York Times. “Sua escolha sugere uma mudança significativa nas relações entre Rússia e EUA.” A nomeação do executivo, no entanto, ainda depende de aprovações do Senado e da Câmara. Isso pode ser um problema.
A maioria republicana é de apenas um voto, no Senado, e de três na Câmara. Caciques do partido como John McCain e Mitt Romney já se posicionaram contra. Não ajuda, ainda, o fato de a CIA, agência de inteligência americana, ter levantado suspeitas sobre a interferência de hackers russos nas eleições de novembro. O fato deverá ser investigado. No caso de Puzder, chega a parecer uma afronta colocar um executivo do mercado de fast food como secretário do Trabalho.
As empresas do setor, no geral, e as duas redes sob o comando do executivo, em especial, são notórias inimigas das leis trabalhistas. Esse é o mercado que paga os menores salários nos EUA e emprega um grande número de imigrantes. Nesse sentido, as posições de Trump, que pretende endurecer as regras para trabalhadores ilegais, e as de Puzder são antagônicas. Em um artigo publicado no jornal San Diego Tribune, em 2013, Puzder defendeu que o Congresso deveria “criar um caminho para a legalização de imigrantes sem documentos”.
Apesar disso, o mercado está recebendo bem os nomes, muito em virtude da possibilidade de redução nas regulações do mercado financeiro e da legislação trabalhista. As polêmicas em relação à equipe de Trump não se limitam aos empresários. Ele escolheu para comandar a Agência de Proteção Ambiental ninguém menos do que Scott Pruitt, procurador geral do Estado de Oklahoma, um cético em relação ao aquecimento global que passou boa parte de sua carreira processando essa mesma agência.
A expectativa é de que as políticas climáticas adotadas pelo atual presidente, Barack Obama, sejam brutalmente assassinadas. Para Justine Leigh-Bell, diretora da Climate Bonds Initiative, organização sem fins lucrativos de fomento a investimentos verdes, trata-se de um tiro no pé. “O mundo caminha para uma economia de baixo carbono. Se os EUA não acompanharem, vão perder relevância”, afirma Leigh-Bell. “O timing de Trump não poderia ser pior.” Se os americanos vão ganhar ou perder relevância ainda é incerto. A certeza é que as políticas em relação ao resto do mundo vão mudar.
Estarão à frente da Defesa dois militares linha-dura, com gosto pela batalha. O general James Mattis, veterano da Guerra do Iraque, será o Secretário de Defesa. Apelidado de “Cachorro Louco”, Mattis é um crítico contumaz da abordagem de Obama em relação ao Oriente Médio e defendeu, diversas vezes, a necessidade de ações militares para punir o Irã. Já o novo conselheiro para Segurança Nacional, general Michael Flynn, é conhecido por suas posições críticas ao que ele chama de “islamismo radical”. “Nossos adversários se autodenominam militantes islâmicos.
Nossa luta é contra extremistas islâmicos que usam o terrorismo como um meio de batalha”, afirmou Flynn, em discurso realizado em 2015. Em artigo publicado na revista Foreign Policy, Thomas Wright, diretor da Brookings Institution, organização voltada para estudos políticos, afirma que Flynn, Mattis e Tillerson têm pouco em comum, “mas, juntos, podem revolucionar a política externa americana”, não no sentido bom da palavra.
“A administração Trump estará dividida entre três facções: aqueles que acreditam na ideia de ‘a América em primeiro lugar’, os combatentes religiosos e os tradicionalistas. Cada um desconfia, mas também depende do outro”, afirma Wrigth. “A questão é como essas disputas irão afetar a diplomacia americana.” Trump não cansa de surpreender. Até agora, suas ações tiveram pouco efeito prático. Isso vai mudar no dia 20 de janeiro, quando o bilionário assume o comando da maior economia do mundo. A esperança é que ele tenha um plano.
—–
Equipe polêmica
• Rex Tillerson: CEO da ExxonMobil, o executivo foi escolhido como Secretário de Estado, mas sua nomeação depende de aprovação
• Wilbur Ross: o novo secretário de Comércio é um investidor especialista em comprar empresas em dificuldades
• Linda McMahon: a fundadora de uma liga de luta livre será responsável pelas políticas para pequenas empresas
• Betsy DeVos: a bilionária esposa de um dos herdeiros da Amway ficará responsável pela pasta de Educação
• Andrew Puzder: o CEO da cadeia de fast food CKE, que é contra leis trabalhistas, será o secretário do Trabalho
—–
Trump desiste do Rio
Durou pouco a tentativa de Donald Trump de abrir um hotel no Rio de Janeiro. Na quarta-feira 14, a The Trump Organization, empresa responsável por seus negócios, anunciou que estava se retirando do Trump Hotel Rio de Janeiro, projeto que deveria ficar pronto para a Olimpíada, mas abriu apenas parcialmente. O hotel deixará de usar a marca Trump. “Infelizmente, os desenvolvedores estão bastante distante de concluir a propriedade e a visão deles não se alinha com a marca”, afirmou, em comunicado, Jennifer Rodstrom, porta-voz da companhia. Esse não é o primeiro projeto de Trump a fracassar no Brasil. Em 2003, o empresário entrou numa sociedade para construir um clube de golfe em Itatiba (SP) atraindo, na época, investimentos das famílias Depieri, acionistas do laboratório Aché, e Meyerfreund, ex-dona da Garoto. A iniciativa naufragou poucos anos depois e nem saiu do papel.