13/06/2014 - 20:00
A chuva fina que caía na tarde do segundo domingo de junho não afetou o movimento nas ruas de Harajuku, bairro de Tóquio onde jovens vestidas de bonequinhas ou personagens de desenho animado japonês vão para ver e serem vistas. E para comprar, comprar muito. Nas dezenas de lojas ao redor da estação de metrô, é possível constatar, na prática, os primeiros resultados do plano do governo para reativar a economia e tirar o país de uma longa estagnação, de mais de duas décadas. A um quilômetro dali, em Shibuya, centenas de pessoas atravessam, a cada minuto, as cinco faixas de pedestres do que é considerado o cruzamento mais movimentado do mundo.
Cruzam a rua e entram nas lojas, que variam de grandes redes de varejo às mais sofisticadas grifes europeias. O programa econômico lançado pelo primeiro-ministro, Shinzu Abe, no fim de 2012, provocou uma corrida às lojas no começo deste ano.
Os clientes queriam aproveitar a última oportunidade antes que o imposto sobre o consumo aumentasse de 5% para 8%. Na tradicional rede varejista Daiso, que vende de maquiagem a produtos para casa, com o preço único de 100 ienes (o equivalente a R$ 2,50), a etiqueta foi remarcada para 108 ienes.
O aumento provocado pela majoração do tributo pressionou a inflação em abril, que atingiu 3,2% nos últimos 12 meses. Acredite: era justamente o que o governo japonês queria. A meta oficial é fechar o ano com uma inflação de pelo menos 2%. Parece pouco, diante dos 3,2%, mas alguns economistas mais céticos duvidam que esse número será alcançado, já que o crescimento em abril foi pontual e terá o seu efeito di-luído ao longo do ano. “O fim da deflação depende do desemprego”, afirma o economista Ryutaro Kono, responsável pelas análises econômicas do Japão no banco BNP Paribas.
Kono argumenta que o congelamento dos salários tem contribuído para a deflação vivida pelo país nas últimas décadas, enquanto o preço dos produtos manufaturados continua a cair. A inflação, portanto, depende de aumentos reais dos salários, o que deve acontecer à medida que o desemprego, em queda, atingir um nível de ocupação plena. O risco, na avaliação dele, é que, ao atirar na deflação, o governo pode estar usando munição pesada demais – o volume de títulos públicos colocado no mercado – e acabar desorganizando o campo fiscal. Por enquanto, os resultados são positivos.
A expansão de 6,7% do PIB no primeiro trimestre, em termos anualizados, foi comemorada pelo governo – embora a previsão do Banco do Japão para o ano seja uma alta entre 0,8% e 1,3%. “Tivemos o quarto trimestre consecutivo de crescimento do PIB”, afirmou Abe no encontro do G7, no dia 5 de junho, em Bruxelas. “O aumento dos salários está se espalhando numa escala que não se viu nos últimos anos, e a criação de vagas vem subindo nos últimos 17 meses.” Lançado no ano passado, o seu plano econômico – o Abenomics – consiste em três pilares: ampliação da base monetária, aumento de imposto e incentivos para investimentos.
O objetivo é reverter o baixo crescimento que se seguiu ao estouro da bolha imobiliária, no início dos anos 1990. A expansão média anual de 4,5% desde os anos 1960 caiu para apenas 1%, na chamada década perdida. Ainda assim, o PIB per capita de US$ 46 mil se manteve como um dos maiores do mundo, e o Japão só perdeu a posição de segunda maior economia, em 2010, ao ser ultrapassado pela China. Nessa época, o país vivia uma recessão causada pela crise internacional de 2008. O governo já obteve bons resultados com as duas primeiras fases do programa.
A ampliação da base monetária desvalorizou o iene e o aumento do imposto sobre consumo melhorou as contas públicas. A partir de agora vem a parte mais difícil, que inclui a redução de impostos para as empresas e os incentivos para investimentos do setor privado. A alíquota, hoje em 35%, deixa o país menos competitivo em comparação com outros concorrentes da região: 25% na China, 24% na Coreia do Sul e 17% em Cingapura. No início de junho, Abe conseguiu o apoio do seu partido, o Liberal Democrático, mas ainda não existe um plano detalhado. No setor privado, a mudança é vista com ceticismo.
“Precisamos ver se o governo vai mesmo fazer o que está dizendo”, disse à DINHEIRO o presidente mundial da Epson, Minoru Usui. Mais da metade das empresas listadas como de primeira linha na Bolsa de Tóquio anunciaram, em março, no fim do ano fiscal, dividendos mais generosos do que no ano anterior. Pesquisas também mostram que as companhias pretendem ampliar seus investimentos neste ano. Na avaliação de Usui, a economia melhorou, mas ainda são necessários três anos para uma recuperação plena. “Estamos de volta a 2009, mas ainda
precisamos de mais”, diz o executivo.
Um dos obstáculos ao crescimento sustentado é a drástica redução na taxa de natalidade, que deve reduzir a população japonesa de 120 milhões para 90 milhões, nos próximos 50 anos. Um estudo do governo estima que, se nada for feito, a queda da população deve cortar 0,90 ponto percentual do crescimento anual entre 2031 e 2060. No terceiro eixo do Abenomics, além do estímulo ao investimento privado, estão incentivos ao ingresso das mulheres no mercado de trabalho, com a construção de mais creches.
Outras mudanças, como a facilitação da contratação de estrangeiros, enfrentam resistências dentro do próprio governo. Nos últimos anos, foram ampliados os benefícios de aposentadoria, educação e saúde pública. A dívida pública, de US$ 9,7 trilhões, ou 245% do PIB, é a mais alta entre os países desenvolvidos. Sua redução também está nos planos, mas, como 92% desse montante ficam nas mãos de japoneses, o país não sofre pressão das agências de classificação de risco.
Com ou sem pressão externa, a verdade é que os japoneses sabem que está na hora de virar a página. Embora o Japão tenha conseguido, nas últimas décadas, manter padrão de vida elevado de sua população, em meio a um processo de estagnação, chegou a hora de mudar o jogo. No encontro do G7, o primeiro-ministro Abe destacou o baixo crescimento dos países emergentes. “O G7 deve puxar a economia global”, afirmou. O Japão já deu os primeiros passos.