27/06/2014 - 20:00
Pergunte a um iraquiano sobre o Brasil e, provavelmente, ele responderá com duas palavras: futebol e “brazili”, apelido carinhoso dado aos quase 200 mil carros do modelo Passat exportados pela Volkswagen do Brasil durante a década de 1980. O sucesso do modelo por lá talvez seja o melhor exemplo para ilustrar a parceria comercial entre os dois países, que já vem de longa data. As diversas guerras, embargos e a invasão americana, em 2003, acabaram por esfriar a relação, que se resumiu a algumas exportações esporádicas.
A saída do Exército dos Estados Unidos, após quase uma década de ocupação, em 2011, marcou a retomada das conversas entre empresários iraquianos e brasileiros. Companhias como a BRF, de alimentos, o Grupo Petrópolis, de bebidas, e a própria Volkswagen voltaram a vislumbrar boas vendas nesse mercado, que dava sinais de recuperação. Nas últimas semanas, no entanto, uma escalada de violência na região vem ameaçando matar as tratativas de negócios entre os dois países, além de afetar as cotações do petróleo, em uma escala global.
Enquanto os holofotes do mundo se voltam para o Brasil pelas partidas da Copa do Mundo, o Oriente Médio entra no radar das preocupações econômicas internacionais. O risco de eclosão de uma guerra civil vem pressionando as cotações de petróleo nas últimas semanas. O Iraque é o segundo maior produtor da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e tem potencial para aumentar sua produção em até 60% nos próximos cinco anos, segundo a Agência Internacional de Energia. Em menos de 20 dias, o barril de petróleo do tipo Brent subiu cerca de 6% e atingiu a máxima de US$ 115 – o maior nível em nove meses.
A crise na região respinga ainda sobre o Nafta, um dos principais insumos do setor petroquímico. A tonelada da matéria-prima alcançou US$ 973,50, valor 10,6% superior ao registrado em meados do ano passado. Empresas do setor estudam alternativas para reduzir custos no longo prazo, além de avaliar estratégias para conter prejuízos e não perder competitividade. Uma eventual escalada dos preços, principalmente do petróleo, pode gerar incertezas sobre a recuperação da economia americana, que fechou o primeiro trimestre com uma queda de 2,9%, a pior para o período desde 2009.
Embora estejam reduzindo sua dependência energética do Oriente Médio com a exploração de novas fontes de gás e óleo de xisto, os Estados Unidos ainda são grandes importadores de petróleo. Os analistas preveem uma temporada de tensão na região e alertam para possíveis impactos no mercado mais adiante. “Os eventos no Iraque já afetaram os mercados”, diz Maria van der Hoeven, diretora-executiva da AIE. “Mesmo que não tenham impactado um único barril de petróleo, está claro que o mercado mostra preocupação sobre o longo prazo.”
Segundo ela, ainda é cedo para dizer como os eventos vão afetar a produção, mas com certeza “há um risco adicional”. Para diversas empresas brasileiras, a retomada dos conflitos representa o fim de oportunidades. A Sadia, por exemplo, marca da BRF, é uma das líderes no mercado de frango local, de acordo com pessoas que conhecem o mercado iraquiano. A empresa, que não quis se pronunciar sobre a situação, tem no Oriente Médio um dos seus principais mercados exteriores – cerca de 30% das suas exportações foram para a região. Já o Grupo Petrópolis planejava iniciar as vendas de seu energético TNT no Iraque em maio, mas os planos foram adiados.
A companhia afirma que eles não foram cancelados e o início da operação, feita exclusivamente por meio de parceiros, deve acontecer ainda neste ano. Recentemente, a Volkswagen teria entrado na disputa para renovar a frota de táxis do país. A informação foi divulgada pela Câmara de Comércio Brasil-Iraque. Ela tentava emplacar o modelo Voyage, aproveitando-se da boa fama que tem, por conta do Passat. Procurada, a companhia informou que não tem negócios no Iraque, atualmente. Conhecido como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL, ou Isis, na sigla em inglês), o grupo de militantes sunitas tomou cidades importantes do norte do País, como Mossul e partes de Tikrit, cidade natal do ex-ditador Saddam Hussein.
Fechou uma das maiores refinarias do país, em Baiji, e avança em direção à capital Bagdá, para tentar depor o governo atual do xiita Nouri al-Maliki. Mais de mil civis já morreram e outros mil ficaram feridos nesse período, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU). Desde a retirada das tropas militares americanas, em 2011, insurgentes sunitas passaram a se organizar em oposição ao governo. O levante foi aos poucos ganhando apoio popular – já é estimado em cerca de oito mil pessoas. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, visitou o Iraque na terça-feira 24 em busca de uma saída diplomática para a questão.
Ele enfatizou a urgência de um governo que inclua diferentes etnias, para conter a expansão de grupos como o EIIL. Para Reginaldo Nasser, chefe do departamento de relações internacionais da PUC-SP, apesar do esforço para conter o movimento, o EIIL não deixará de agir tão cedo. “Mesmo que haja uma resolução parcial agora, assistiremos a outros episódios posteriormente, pois são guerrilhas de caráter permanente”, diz Nasser. A tensão no Iraque, como se vê, não tem data para acabar.