16/12/2022 - 5:00
Pagar pouco imposto — ou nenhum imposto — é muito bom para o consumidor. Fato, se fosse tão simples. Mas não é. Especialmente para quem arrecada, ainda mais em um contexto de agonia geral com as contas públicas. E, por isso mesmo, a próxima equipe econômica terá de dançar miúdo para conseguir repor a arrecadação sem tungar o bolso de trabalhadores e empresas logo no primeiro ano de governo. A encrenca é filha direta da farra das desonerações fiscais promovida pelo presidente Jair Bolsonaro durante a corrida eleitoral pela (frustrada) reeleição. Ela deve gerar redução de R$ 80,2 bilhões aos cofres da União em 2023, segundo o Orçamento enviado para o Congresso. Desse total, R$ 52,9 bilhões serão correspondentes ao eventual prolongamento da desoneração de tributos sobre os combustíveis, incluindo o gás de cozinha e o querosene de aviação.
Tais benesses, no entanto, precisarão ser repensadas no curto prazo, enquanto o aumento da arrecadação via crescimento econômico não aparece. Caso contrário, corre-se o risco de neutralizar os ganhos de importantes setores produtivos nos próximos dez anos, como é o caso do setor extrativo mineral (petróleo, gás natural e minério de ferro).
A comparação, feita pelo economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre), mostra que as desonerações de IPI, PIS/ Cofins e ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte urbano representam 1,6 ponto percentual do PIB ao ano em uma década. O percentual supera a arrecadação média anual de 1,4 ponto do PIB esperada na receita federal vindo do setor extrativo mineral entre 2022 e 2031, quando comparado ao obtido entre 2011 e 2020. “Seria uma receita que poderia contribuir para melhorar o resultado primário do setor público na próxima década, mas o que se vê agora ao fim deste ano é que essa arrecadação potencial foi consumida com as desonerações concedidas em 2022”, afirmou Borges, em uma reportagem do jornal Valor. “Gastamos antes uma arrecadação que ainda não entrou. Só enxugamos gelo.”

Nos bastidores, os corpos técnicos dos governos estaduais já se articulam para recuperar o ICMS — ou, na pior das hipóteses, parte dele — a partir de janeiro. Na semana passada, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do DF (Comsefaz), que reúne secretários estaduais de Fazenda, divulgou orientação aos estados para elevar a alíquota padrão como alternativa para recompor arrecadação de ICMS.
No entanto, Borges, do FGV-Ibre, acredita que mesmo se houver alterações nos tetos de ICMS, não se sabe se a arrecadação vai se recuperar por completo ao longo do ano. Para ele, a restauração dos cofres estaduais só volta aos patamares de antes se houver uma rápida aprovação de uma reforma da tributação do consumo, numa proposta que estabeleça o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). Nas propostas já discutidas nesse sentido, a mudança começa com os federais PIS e Cofins e alcança o ICMS depois, após período de transição de pelo menos seis anos.
REAJUSTES Além de enxugar a arrecadação de estados e do governo central, as desonerações atabalhoadas e eleitoreiras podem ser agravadas pela previsão de reajuste salarial de servidores públicos. Embora não tenha indicado percentuais de aumentos no Orçamento, o governo que estará encaixotando a mudança nas próximas duas semanas entregará um presente-bomba para a próxima equipe econômica. Bolsonaro e Paulo Guedes deixaram no Orçamento uma reserva de R$ 12 bilhões para reajuste salarial. O reajuste nos vencimentos dos servidores atravessou vários vaivéns desde o final de 2021, com Bolsonaro prometendo reajustar os salários apenas dos policiais federais. Depois, disse que aumentaria o salário de todos os funcionários públicos. Mas ninguém recebeu aumento. Meses depois o desespero aumentou e o Posto Ipiranga congelou repasses para educação, saúde e assistência social. Isso porque a lógica tributária é clara e impiedosa: se não há um plano minucioso de compensação, quando alguém deixa de pagar, outro deixa de receber.