19/08/2016 - 8:41
A crise de refugiados da Europa chama a atenção do economista Jean-Pierre Lehmann. Não só pela crise humanitária, mas por identificação Nascido nos EUA, Lehmann é filho de refugiados da Segunda Guerra Mundial. Já adulto, ele voltou ao berço de sua família, onde iniciou sua carreira na escola suíça de negócios IMD. Ele concedeu a seguinte entrevista à DINHEIRO:
O setor privado está preparado para acompanhar as mudanças globais?
Uma vez li que, depois da queda do muro de Berlim, a divisão de ideologias nunca mais aconteceria. Mas é só olharmos onde estamos agora. Situações catastróficas acontecendo em todos os lugares, incluindo o Brasil. Essas tendências perigosas, causadas pelo protecionismo e pelo nacionalismo, que vão contra a globalização, fazem com que pessoas como o Donald Trump e fenômenos como o Brexit ganhem espaço. E o mundo dos negócios não quer se envolver nisso.
Por quê?
Agora, com o Brexit, as empresas estão preocupadas com o Reino Unido. Mas o que elas fizeram antes? Nada. Existem razões para isso: elas não estão intelectualmente preparadas, o que faz com que a gestão não seja aplicada da melhor maneira. É uma questão de liderança, motivação. E compreender o que acontece com o planeta é um começo.
Como é possível mudar esse cenário?
Um teórico amigo meu disse que chegou o momento de pensar o impensável. O caso de imigração da Europa é um exemplo claro disso. A demografia do continente precisa de jovens, mas eles não sabem como utilizar isso. Dessa forma, as empresas precisam começar a pensar, investir, fazer acordos e negócios para fazer com que isso se torne algo vantajoso.
O Brexit colocou em xeque a globalização?
Lembro que em 1990 me falaram que a globalização seria irreversível, e eu respondi “não fale isso.” Na verdade, o que mudou foi o que chamamos de globalização. Porém, as crises aumentam o protecionismo. Há uma visão que a globalização não está funcionando, porém, o que temos que admitir é que o mundo está mudando. As formas de se fazer comércio estão mudando.
O sr. acredita que é o fim da Organização Mundial do Comércio (OMC)?
Sim. Não no quesito de deixar de existir, mas em funcionalidade. Eles não estão seguindo as mudanças do século XXI.
Quais são os principais impactos que o Brexit causará ao Reino Unido?
Durante um século inteiro, o Reino Unido foi um império. O cenário mudou. Ouvi de muitas pessoas “esperava isso de todos. Dos brasileiros, italianos, menos dos britânicos.” Se essa decisão pode culminar com o fim do Reino Unido? Sim, acredito que sim. Mas ainda é muito cedo para avaliarmos os impactos.
Devemos nos preocupar se Trump se tornar presidente dos EUA?
Sim, muito. Será uma bagunça degenerada. O que está acontecendo é exatamente pensar no impensável. E o Trump é o impensável. Se você me dissesse em 2015 que ele seria o candidato do Partido Republicano, falaria “claro que não.” Acredito que temos que estar preparados para pensar o impensável. Isso é extremamente preocupante. Porém, diria de outra maneira. Não acho possível Trump ganhar, mas acho possível a Hillary Clinton perder. As pessoas não confiam nela. Eu não confio nela.
Mas as pesquisas eleitorais já apontam Hillary à frente de Trump…
Sim. Mesmo que ele não se torne presidente dos EUA, o fenômeno Trump já é preocupante, por toda a ideia que ele propaga. Se ele se tornar presidente, então, será algo catastrófico.
Especialistas apontam que o BRICS está chegando ao fim. O sr. concorda?
Não. Não há como chegar ao fim algo que nunca existiu. Para mim, o BRICS nunca existiu. Isso porque a China é um império, e não um mercado emergente. É por isso que não acredito no conceito dos BRICS. Isso nunca fez sentido. Eles não têm nada em comum economicamente, culturalmente, politicamente.
O Brasil está enfrentando uma grave recessão. Como analisa a crise?
Continuo acreditando que o Brasil tem um enorme potencial, porém, é necessário que haja abertura, não só comercial, mas, também, de pensamento da população.