Em sua sala no moderno escritório do Google, na região da Faria Lima, em São Paulo, o executivo Fábio Coelho, presidente da empresa no Brasil, mostra no YouTube um vídeo do artista KondZilla, nome artístico de Konrad Cunha Dantas, produtor musical e diretor cinematográfico do Guarujá, no litoral paulista, especializado em funk. “Esse cara tem 64 milhões de visualizações. Neste momento, é um dos 15 vídeos mais vistos no mundo”, afirma. É difícil imaginar um executivo de uma das maiores empresas do planeta assistindo a um clipe no qual mulheres com shortinhos curtos dançam de forma sensual ao som de uma batida eletrônica, de gosto duvidoso. Mas essa é uma das “internetes” que fazem parte do universo do gigante das buscas. “Sem fazer julgamentos, há um público para isso”, diz Coelho. Há, no entanto, outra internet, em que 25 mil professores oferecem aulas em vídeo gratuitamente, por meio da mesma plataforma, o YouTube, que também ajuda empresas a exportarem. Essa diversidade de opções e oportunidades torna a grande rede de computadores, criada há mais de 20 anos, cada vez mais desafiadora para as empresas. Em entrevista à DINHEIRO, Coelho fala sobre a força do Google no Brasil e no mundo, a concorrência e os limites da privacidade. Confira os principais trechos:

DINHEIRO – O Google diversificou muito seus negócios desde que foi criado, como um mecanismo de buscas. Hoje, a empresa ganha mais dinheiro com essas outras áreas, ou a venda de publicidade ligada às buscas ainda é o maior negócio?
FÁBIO COELHO –
 As buscas ainda são o maior negócio, no mundo inteiro. Não é o único, mas é o maior. A missão do Google é organizar as informações disponíveis no mundo e torná-las acessíveis a toda a sociedade. Esse propósito é reiterado e reafirmado o tempo todo. Mas começou com a busca, que foi evoluindo o tempo todo para se manter relevante. Porém, temos também o YouTube, que é gigante, nossa loja de aplicativos.

DINHEIRO – No futuro, a tendência é de as buscas perderem espaço para esses outros negócios, levando em consideração que o Google investe até em carros autônomos? 
COELHO  –
 É difícil dizer como o Google se vê no futuro. A gente tem de entender como a sociedade adota a tecnologia, da melhor forma possível. Se você olhar o que era a busca há 15 anos e o que é hoje, percebe uma evolução dramática. Não se trata apenas de uma pesquisa. É uma forma de conectar alguém a uma necessidade. Isso vai continuar sendo muito relevante.

DINHEIRO – O Google provê a tecnologia que permite as buscas, mas não produz o conteúdo. Porém, as pessoas enxergam o Google, e o YouTube, por exemplo, como dono do conteúdo, e isso vem causando problemas para a empresa na Justiça e na relação com governos. Como o sr. vê essa questão?
COELHO  – 
Tudo que é novo não é, necessariamente, regulamentado e a legislação não é clara. O novo também pode incomodar ou gerar curiosidade. Uma empresa que traz inovação tem obrigação de estar aberta ao diálogo e ajudar as pessoas a entender como usar a tecnologia para o bem e evitar que usem para o mal. Nesse espírito, nos últimos cinco anos, fizemos um trabalho muito sério de mostrar, tanto para o governo quanto para a sociedade, como a gente pode estabelecer um modelo mais eficiente, democrático, transparente e inclusivo, permitindo que a sociedade tenha condições de se expressar. Não somos os donos do conteúdo e não fazemos curadoria do que é colocado. Fizemos parte do conselho consultivo da presidente afastada Dilma Rousseff. Quarta-feira passada (dia 16), almocei com o presidente Michel Temer. Temos de ter essa postura de trazer as coisas para o mercado. Isso não significa mais problemas, mas, sim, diálogo.

DINHEIRO – A internet surgiu, de forma massificada, ainda nos anos 1990. Por que, até hoje, ela é vista como uma novidade? 
COELHO  –
 Porque a internet veio se metamorfoseando. O que era, simplesmente, uma rede de conectividade de universidades nos Estados Unidos, alcançou uma dimensão global e evoluiu para um conceito de mobilidade, onde as informações são armazenadas ‘na nuvem’. No Brasil, em 2013, tínhamos 10 milhões de smartphones. Hoje temos mais de 100 milhões. É algo que se multiplica por dez, na nossa frente. A internet ainda será uma novidade por muito tempo porque esses 100 milhões vão virar 200 milhões. A natureza da internet é a inovação. Vai continuar sendo novo à medida que continuamos inovando.

DINHEIRO –Há um limite? Chegará um momento em que a internet passará a ser algo natural, que não cause espanto?
COELHO – 
Se a gente parar para pensar, o avião é algo que me causa espanto (risos). Da garupa do cavalo, para o automóvel, o avião e o foguete, a gente evoluiu muito. A internet é a mesma coisa. Ela vai estar presente nas nossas vidas, não apenas nos celulares, mas nos nossos relógios, carros, na forma como a gente se desloca, em como as mercadorias são entregues. A inteligência virá para dentro dos eletrodomésticos, das coisas que interagimos, e isso será sempre uma porta para a inovação.

DINHEIRO – As últimas grandes inovações que hoje fazem parte do Google, como o YouTube e o Waze, no entanto, foram feitas fora da empresa, e depois compradas. Não há o risco de ser ultrapassado?
COELHO – 
Em primeiro lugar, a gente tem de ter a humildade de acreditar que nem todos os desenvolvimentos estarão aqui dentro, nem deveriam estar. Quando você cria uma plataforma aberta, como o Android (sistema operacional para celulares), está permitindo que outras pessoas inovem. Em segundo lugar, entender que, hoje em dia, qualquer pessoa desenvolvendo algo em uma garagem tem potencial de ser um grande competidor ou parceiro, no futuro. Temos de enxergar o mundo não apenas como um espaço de competição. Não é mais aquilo de ‘eu ganho se você perder e perco se você ganhar’.

DINHEIRO – Outras grandes empresas de tecnologia, como a Microsoft, ficaram conhecidas por fazerem aquisições de forma hostil, muitas vezes. Como o Google se enquadra nessa questão da concorrência?
COELHO – 
Acho a Microsoft uma grande empresa. Mas há uma questão de contexto e momento. Naquela época, estávamos discutindo a questão dos PCs. Hoje em dia, há uma possibilidade muito maior de trabalhar dentro de um ambiente colaborativo. A conjunção da nuvem com a mobilidade permite uma sociedade diferente, de colaboração. As grandes empresas que estão nascendo são fundamentadas nesse conceito. São sinais do tempo e isso é saudável para todo mundo, inclusive para a Microsoft, que hoje é uma empresa muito mais colaborativa. 

DINHEIRO – No Brasil, há alguma área focada, especificamente?
COELHO – 
O foco no País é ajudar as empresas grandes, médias e pequenas a se tornarem mais eficientes, a entenderem como tirar o máximo proveito dessa plataforma digital, do ponto de vista de negócios, para que possam ganhar mais dinheiro, encontrar mais clientes e, quem sabe, até exportar. Para isso, nosso trabalho é baseado na construção de ecossistemas poderosos, nos quais você habilita e dá acesso remunerado a criadores. É o caso do YouTube que, por ser um ambiente no qual o usuário é remunerado pelo conteúdo, se cria um tipo de colaboração diferente. As plataformas se tornam bem grandes e, com isso, conseguimos trazer anunciantes que trabalhem associados a esse ecossistema.

DINHEIRO – Nessa questão da exportação, como funciona esse auxílio?
COELHO  –
 Você pode estar presente, atualmente, em qualquer lugar do mundo. Uma empresa aérea brasileira pode colocar uma anúncio na Colômbia para que, na hora que a pessoa faz uma busca por viagens, encontra um voo da Gol ou da TAM. Isso vale tanto para o setor de consumo, ou serviços, quanto para quem faz um aplicativo que pode ser exportado. Ou mesmo franquias. A Galinha Pintadinha, do interior de São Paulo, nasceu dentro do YouTube. Eles já estão nos Estados Unidos.

DINHEIRO – A área de soluções corporativas, como os aplicativos de produtividade similares ao pacote Office, da Microsoft, é uma prioridade?
COELHo –
 É uma área que tem menos tempo, porém enxergamos muito potencial de crescimento. Mas é mais colaboração do que concorrência. A Microsoft tem uma solução muito legal, assim como o Android, que une calendário, e-mail, videoconferência e armazenamento na nuvem. Este é um mundo no qual todas as empresas competem e colaboram. Acabei de receber uma ligação de um presidente de uma empresa de telecomunicações, que é competidora em algumas coisas e parceira em outras. É o caso das empresas de mídia também. Ao longo do tempo, nos aproximamos muito dos grandes grupos. Há um entendimento de que conseguimos ter áreas de construção colaborativa entre as duas empresas.

DINHEIRO – Há uma questão aí que é a divisão de receitas. O Google não acaba se tornando uma força muito grande, tornando o parceiro dependente das suas plataformas?
COELHO  –
 Depende. Nós remuneramos os criadores de conteúdo em 50% no YouTube. Claro, dependendo da escala, existem remunerações diferentes. É verdade que as empresas se assustam muito diante da estatura do Google. Mas cada vez menos. E, cada vez mais, há um entendimento que somos uma empresa de tecnologia, não produzimos conteúdo no Brasil. Ao contrário, temos um ecossistema aberto. A gente ganha dinheiro, mas queremos que todos ganhem, ou a equação não funciona.

DINHEIRO – O Google tem concorrentes nesses ecossistemas? 
COELHO   –
 Sinceramente, não fico pensando na concorrência. Um ecossistema de produção de conteúdo forte, de produção audiovisual forte, ajuda a sociedade e ter mais empregos e menos empresas quebrando. Eu penso mais nisso do que se eu estou concorrendo com a Microsoft, o Facebook ou a Oracle. Nesse mundo, você está ocupando um espaço e colaborando ao mesmo tempo. Quando a gente faz o YouTube educação, criamos um espaço para as pessoas se educarem. Essa é uma internet. Por outro lado, temos o Bumbum Granada, do famoso KondZilla. Esse cara tem 64 milhões de visualizações. Neste momento, é um dos 15 vídeos mais vistos no mundo. É um menino aqui do Guarujá, muito bem remunerado. Tem um público para isso, sem estabelecer julgamentos.

DINHEIRO – E isso tem mudado a publicidade também…     
COELHO   – 
É preciso capturar o espectador em cinco segundos, que é o tempo que a publicidade é veiculada sem pagar nada.

DINHEIRO – Ou seja, essas plataformas, quando se tornam poderosas, acabam afetando diversos mercados.      
COELHO  –
 Exato. É o caso do Uber, do Facebook, da Microsoft, do WhatsApp e várias outras. Nós queremos dar poder à sociedade e a tecnologia faz isso. Não é um mercado dominado por ninguém.

DINHEIRO – Não é um mercado do tipo o vencedor leva tudo?      
COELHO  –
 Às vezes o vencedor leva tudo, às vezes leva tudo por um tempo, ou quase tudo. Vão acontecendo ondas. O desafio é inovar para se manter relevante.

DINHEIRO – E tem a questão da privacidade. O Google tem acesso a muitas informações pessoais. Qual é o limite para o uso desses dados pelas empresas?       
COELHO  – 
O limite é a sua vontade ou não de disponibilizar informação. A confiança talvez seja o nosso ativo mais importante. Você consegue navegar na internet de forma anônima, mas ninguém quer. O que as pessoas querem é que as empresas usem a tecnologia para ajudá-las, desde que não se ultrapasse determinados limites. No Waze, por exemplo, por que as pessoas dizem onde estão e o trajeto que fazem? Porque enxergam os benefícios disso .