Aos 61 anos, o produtor rural Raimundo Colombo acumula mais de três décadas de vida política. Foi prefeito de Lages, deputado estadual e federal, senador e, agora, está no segundo mandato de governador de Santa Catarina. Desde 2011, quando assumiu o Executivo catarinense, Colombo, filiado ao PSD, incorporou um hábito quase obsessivo: acompanhar diariamente a evolução das receitas do Estado. Preocupado com a piora contínua dos indicadores financeiros, o governador resolveu comprar uma briga com a União de R$ 400 bilhões. O valor, estimado pelo Ministério da Fazenda, se refere ao desconto que todos os governadores pleiteiam nas suas dívidas federais. Santa Catarina foi o primeiro Estado a entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu uma liminar alterando o indexador dos débitos de juros compostos para juros simples. A iniciativa, muito criticada – ninguém paga nem recebe juros simples no Brasil – foi replicada por outros governadores, o que levou o STF a dar um prazo de 60 dias para que haja um acordo entre as partes. “Quando a União perde receita, ela pode emitir títulos públicos. Os Estados, não”, afirma Colombo. Ele recebeu a DINHEIRO em Florianópolis, na quarta-feira 11, no exato momento em que o Senado Federal votava o afastamento da presidente Dilma.

DINHEIRO – Na terça-feira 10, o sr. e outros três governadores foram à casa do governador Luiz Fernando Pezão , do Rio, para debater a negociação das dívidas estaduais com a União. Foi levantada a hipótese de uma moratória de dois anos para os juros. É uma ideia interessante? 
RAIMUNDO COLOMBO –
 Muito. Uma carência é pré-requisito para um entendimento com o governo federal. Mas precisamos desmitificar a versão de que queremos trocar o indexador da dívida de juros compostos para simples. Não é isso. Santa Catarina tinha, em 1998, uma dívida de R$ 4 bilhões. Pagou R$ 13 bilhões e ainda deve R$ 9 bilhões. Isso mostra a inviabilidade do processo. O Congresso e o Executivo acertaram um desconto no saldo da dívida referente a 2013, num projeto de lei. Isso não muda o indexador do saldo restante, que é IPCA mais 4% ao ano ou a taxa Selic, no sistema de juros compostos. O problema é que o desconto previsto não está sendo honrado. Como seria calculado o desconto? Com base na Selic no formato de juros simples.

DINHEIRO – O Ministério da Fazenda prevê um rombo de R$ 400 bilhões com o desconto…
COLOMBO – 
Há muita fantasia nos números. Em 2015, o então ministro Joaquim Levy pediu para adiarmos por um ano a aplicação desse desconto sob a alegação de que era preciso fazer um ajuste fiscal. Ficou combinado que entraria em vigor em fevereiro de 2016. Porém, em dezembro de 2015, o Ministério da Fazenda publicou um decreto que contradiz a lei e, incrivelmente, aumenta ainda mais a dívida. Para Santa Catarina, o saldo passava de R$ 9 bilhões para R$ 10 bilhões. Agora, portanto, estamos reivindicando o nosso direito. Temos uma liminar que determina que, durante 60 dias, todos os Estados podem pagar com o desconto calculado pela taxa Selic no formato de juros simples.

DINHEIRO – Mas isso não piora a situação fiscal do País? 
COLOMBO –
 Não. Apenas transfere parte do problema dos Estados para a União. Mas o bolo total é o mesmo. Não aumenta o déficit público.

DINHEIRO – O sr. já falou com o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles?
COLOMBO –
 Sim, fiz uma visita ao Meirelles recentemente e ele ouviu com atenção. Fiz o mesmo com o presidente Temer. Os dois concordam que é um problema grave e que é preciso encontrar uma solução, pois alguns Estados vão entrar em colapso. Além da questão econômica, é uma situação social grave por causa da ausência de serviços essenciais. A República Federativa pressupõe solidariedade.

DINHEIRO – O sr. aceitaria adiar por mais um ano esse desconto? 
COLOMBO – 
Os Estados não suportam mais pagar a dívida com a União do jeito que está. Temos vários Estados com salários atrasados. E quando se atrasa salário é porque já se atrasou todo o resto. Imagine o colapso que está nos serviços de manutenção de escolas, hospitais, armas e coletes de policiais.

DINHEIRO – Mas Santa Catarina possui uma das situações fiscais mais tranquilas.Por que o sr. liderou esse processo? 
COLOMBO – 
Eu fui orientado pela Secretaria da Fazenda de que a lei nos dava um direito. No começo ninguém acreditava na ideia, que era meio ironizada, mas depois todos embarcaram. O fato é que, com a recessão, a arrecadação não para de cair. Em abril, tivemos queda nominal de 1% em relação a abril do ano passado. Com a inflação alta, fica pior. Em maio, acredito que teremos uma alta nominal de 3%, bem inferior à inflação anual, de 9%. Ao contrário de uma empresa, nós temos dificuldade de diminuir os custos, que são basicamente gastos com pessoal, previdência e dívida.

DINHEIRO – O sr. está preocupado? 
COLOMBO – 
Eu acompanho as planilhas todos os dias (ele mostra à DINHEIRO a planilha da quarta-feira 11). Ou eu faço isso ou não consigo cumprir com as obrigações. No caso da previdência, aumentamos o percentual de contribuição do funcionalismo e criamos o modelo individual de previdência para os novos servidores. Somos mais de sete milhões de habitantes em Santa Catarina e temos 49 mil servidores aposentados e 11 mil pensionistas. O déficit da previdência foi de R$ 3,1 bilhões em 2015. É mais do que gastamos com Saúde e Segurança Pública.

DINHEIRO – Por que a União, Estados e municípios chegaram a essa situação fiscal?
COLOMBO –
 Na minha visão, a origem do problema é a Constituição de 1988, que foi muito pressionada por movimento sociais. Demos tantos benefícios que eles não cabem num ambiente recessivo. O governo é maior do que a sociedade pode pagar. Nós precisamos corrigir isso. Vai ser doloroso, vai ser difícil, mas não temos outro caminho.

DINHEIRO – No âmbito estadual, os governantes não conseguem controlar as despesas? 
COLOMBO –
 Muitas vezes, não. Um exemplo é o piso dos professores, que é definido por uma portaria do Ministério da Educação. Nos últimos anos, os reajustes foram de insuportáveis 12% ou 13%. A minha folha de pagamento saltou de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,2 bilhões, entre 2011 e 2016. Eu não interferi nesse aumento. Isso é uma insanidade. É impossível continuar assim.

DINHEIRO – Mas a conta será jogada para a União? 
COLOMBO – 
Quando a União perde receita, ela pode emitir títulos públicos. Não é o ideal, mas ela pode. Os Estados, não. A União pode emitir moeda. Não é bom, mas ela tem essa alternativa. Os Estados não têm saída e precisam escolher entre comprar remédio ou atrasar salários.

DINHEIRO – E elevar impostos? Muitos governadores elevaram…
COLOMBO – 
É um equívoco. É preciso estimular o setor produtivo. A maior ação social é manter o nível de desemprego e o nosso é o mais baixo do País, na faixa de 4%. Não aumentamos e não iremos aumentar impostos. Se você aumenta, perde arrecadação, pois aumenta a sonegação.

DINHEIRO – O ministro Meirelles não descarta aumentar impostos temporariamente para complementar o ajuste fiscal. Há espaço para isso?
COLOMBO –
 O déficit fiscal é uma tragédia para a sociedade. Traz de volta a inflação e a falta de credibilidade. Se tiver que haver algum sacrifício, terá de ser muito bem explicado e feito de forma muito transparente. Será preciso convencer as pessoas de que é a melhor alternativa.

DINHEIRO –O sr. está otimista com o governo Temer?
COLOMBO –
 Acho muito difícil a missão. Todos os cenários conspiram contra ele. Por isso, todos os projetos precisam ser elaborados, discutidos e apresentados em 30 dias. O presidente tem de convocar o Congresso extraordinariamente em julho e fazer todas as votações neste espaço de tempo. São mudanças profundas. Se não fizer a convocação extraordinária, na minha opinião, o governo afunda.

DINHEIRO – Qual é a prioridade?
COLOMBO – 
É a reforma da Previdência com adoção de idade mínima.

DINHEIRO – O impeachment é golpe?
COLOMBO – 
A sustentação jurídica é muito questionável, mas a realidade se impôs. Não teria como ir mais dois anos e meio com falta de relação com o Congresso e a sociedade.

DINHEIRO – O desempenho econômico pesou na decisão do Congresso Nacional?
COLOMBO – 
Com certeza absoluta foi fatal para o processo de impeachment. É a maior recessão da história. Eu não sei se é a economia que contamina a política ou se é a política que contamina a economia. Mas quando as duas entram em colapso, o resultado vai ser sempre esse. Chegou ao bolso da população.

DINHEIRO –O presidente Temer sinaliza um ministério mais enxuto. É o caminho correto?
COLOMBO –
 É pré-requisito. Você não pode exigir sacrifícios dos outros quando você não faz o seu próprio. Não é nem uma questão de economia financeira, mas é emblemático em relação ao seu comprometimento.

DINHEIRO – O que o sr. achou do episódio envolvendo o presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), que tentou anular o impeachment?
COLOMBO – 
Achei uma brincadeira de mau gosto, um desrespeito com a sociedade. Mostra como a classe política se empobreceu e perdeu qualidade no País. Chegamos ao fundo do poço. Mas não adianta só culpar as pessoas. O modelo está errado. É preciso ter um número muito menor de partidos, fidelidade partidária e voto distrital misto.

DINHEIRO – Há espaço para um reforma política no governo Temer?
COLOMBO –
 Acho que não está na pauta, mas seria o cenário ideal.

DINHEIRO – É possível voltar a ter investimentos em infraestrutura com a participação da iniciativa privada?
COLOMBO – 
O primeiro passo é sinalizar para o mercado as medidas concretas do ajuste fiscal. Caso contrário, o mercado não acompanha. Então não pode existir um cenário como aquele em que o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, dizia que queria fazer economia e a presidente da República negava. Assim não dá, é um absurdo.

DINHEIRO – É um erro fazer ajuste fiscal através do corte de investimento público?
COLOMBO – 
É um tiro no pé, derruba a economia e perde competitividade. Em Santa Catarina, apostamos na modernização de portos e estradas.

DINHEIRO – Por que Santa Catarina sofre menos com a crise em relação a outros Estados?
COLOMBO – 
O nosso segredo é a diversificação. Aqui, as micro e pequenas empresas são muito fortes. Além disso, temos alguns setores importantes que puxam a economia, como o turismo. Tivemos uma invasão de sul-americanos por causa da desvalorização do câmbio. Eles compraram muito. Foi uma benção. Temos ainda o agronegócio, que é muito forte na crise. O segmento de Tecnologia da Informação também continua crescendo.

DINHEIRO – O que o Estado pode fazer em termos de políticas anticíclicas?
COLOMBO –
 Reduzimos impostos em alguns setores e desburocratizamos os negócios. A Secretaria do Desenvolvimento Econômico Sustentável reduziu de 90 dias para cinco dias o tempo de abertura de empresas no Estado. Isso estimula o empreendedorismo.