30/08/2016 - 13:06
Gustavo Franco participou da elaboração do Plano Real
Como um dos formuladores do Plano Real, o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, entende como poucos o esforço necessário para conseguir aprovar reformas no Congresso num ambiente conturbado pós-impeachment. As negociações comandadas pela equipe de Itamar Franco, na década de 1990, para conseguir passar o plano que domou o dragão da hiperinflação são até hoje lembradas como uma das mais difíceis da história. O economista recomenda a Michel Temer que estabeleça uma relação de sociedade com o Congresso se o presidente interino for efetivado no cargo, como prevê a maioria dos analistas. Ao mesmo tempo, cobra ambição da equipe econômica, para apontar um caminho mais próspero para o futuro. “O que a gente quer ver com a economia é uma visão, um plano maior”, afirma. Leia entrevista a seguir:
A definição do impeachment deve marcar o início, de fato, do governo do presidente Michel Temer. Os desafios na economia são comparáveis aos de Itamar Franco, em 1992, após o processo de impeachment do Collor?
Difícil comparar em intensidade. Ali o desafio misturava uma inflação que, para o olhar de hoje parece absurdo, e também uma sucessão de traumas: o Plano Collor, o impeachment ainda estava muito vivo… No começo do governo Itamar Franco, antes do Fernando Henrique Cardoso, foram três ministros da Fazenda, cada um durou mais ou menos 70 dias no cargo, portanto, o presidente gastou os primeiros oito ou nove meses e deu tudo errado com esses personagens. Foi muito fortuito a nomeação do Fernando Henrique para a Fazenda, uma coincidência espetacular de circunstâncias boas. Tinha uma crise que paralisou o Congresso, a CPI dos anões e, portanto, era uma atmosfera muito diferente da de hoje porque tinha muito pouca gente prestando a atenção na área econômica. Ao mesmo tempo, tinha um pavor de mais um pacote, de um congelamento ou algo assim. Hoje estamos mais no âmbito da normalidade. Talvez tivesse sido uma solução muito mais fácil se a presidente Dilma Rousseff tivesse renunciado, que seria a coisa mais civilizada a fazer, tempos atrás. Levar esse processo até a última gota de procedimento possível é um sacrifício adicional que ela impõe ao Brasil.
O governo Itamar Franco deixou como resultado o Plano Real. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos, apresentada pela gestão Temer, pode ser considerada um ‘Plano Real’ ou algo semelhante?
Não. Essa PEC dos gastos lembra um pouco, se você for olhar no início a administração do Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, o PAI (Programa de Ação Imediata), que era uma coleção de ações com o intuito de atacar os fundamentos de estabilização. Parte disso era a Emenda Constitucional que hoje a gente chama de DRU (Desvinculação das Receitas na União), na época o Fundo Social de Emergência. Esse início de terraplanagem dos problemas é mais ou menos como eu vejo essa emenda dos gastos, que de jeito nenhum resolve o problema. É um bom começo, não mais do que isso.
Assim como naquela época, o desafio político em torno das medidas econômicas é grande. Como o senhor encararia hoje esse desafio de aprovar reformas necessárias para garantir a estabilidade macroeconômica?
A experiência que nós tivemos só ensina que é preciso ter muita habilidade em aproveitar as oportunidades no Legislativo. A gente teve de trabalhar no início com uma limitação muito grande do que era possível extrair do Congresso. Toda arte do plano de estabilização foi a de expandir essa limitação à medida que se exibiam progressos. Hoje, a gente fala do Plano Real e parece que foi uma coisa aprovada no dia seguinte. Lembre-se que o Itamar assume no final de 1992, o Fernando Henrique Cardoso vira ministro em meados de 1993, lá pelo fim de 1993 a gente tem um esboço do que seria o Real e a URV (Unidade Real de Valor) vai para rua em fevereiro de 1994. Então, olha o tempo que passou. Quando você consegue estabelecer a dinâmica da coisa, os efeitos são antecipados e a expectativa antecipa o futuro. Não temos isso ainda porque não está estabelecido que o governo Michel Temer tem a mesma ambição que o grupo em torno do Fernando Henrique Cardoso. Depois do impeachment, as pessoas estarão curiosas para então ver aquilo que, por algum pudor, não foi mostrado ainda. E planos para um futuro, coisas que um presidente interino não faz, mas que um presidente recém-empossado tem obrigação de fazer.
Mais do que já foi colocado até agora?
O que está colocado são as coisas do presidente interino. São só o começo da história, porque os números fiscais, mesmo aprovando a PEC de gastos, continuarão muito ruins. O que mais vai acontecer? Como vai ser exatamente a negociação da dívida dos Estados? Como vão ser os programas de privatização? Vamos enfrentar de fato esse tipo de agenda ou vamos tentar colocar panos quentes? Acho que as pessoas não querem ver panos quentes, querem ver as coisas como elas são.
Certa vez, o senhor afirmou que o Plano Real foi a experiência de uma vida. O Meirelles está passando por uma experiência de vida também?
Está começando. Acho que isso que ele passou agora é muito semelhante ao que o ministro Fernando Henrique viveu nos seus primeiros dois meses. Com a confirmação do impeachment vamos subir um degrau e é preciso que a equipe esteja pronta para, neste novo patamar de expectativa, mostrar os caminhos, um horizonte futuro que deixe as pessoas animadas. Existe muita demanda por felicidade, por otimismo, mas precisa de alimento. Otimismo não cai do céu sem nenhum empurrãozinho.
O senhor acredita que a equipe atual tem condições políticas para conseguir aprovar todas as medidas que devem vir em seguida?
Não é como se fosse um tiro. É um processo. Vem uma, depois outra, depois outra.,. O governo faz bem quando não antecipa um grande apetite de coisas para fazer ou pelo menos apresenta uma sequência que seja razoável para que o Congresso se sinta sócio do processo. É uma negociação. A equipe formuladora é de boa qualidade, mas não vamos esquecer: a do Real também era boa, modéstia a parte, mas a anterior à do Real também era boa, a do Cruzado também era boa… Muitas equipes boas do passado também não conseguiram fazer nada. Ter uma equipe eficiente não é uma condição suficiente para fazer as coisas.
O senhor fala de conquistas por etapas. Qual seria a primeira medida para dar uma primeira sinalização positiva?A PEC dos gastos seria um exemplo?
Pode ser. Não tem propriamente uma bala de prata que seja aquilo que todo mundo vê como boa e é fácil de passar no Congresso, isso não existe. Isso é um almoço grátis. Por isso é complicado definir direito o tamanho da sua ambição e não ultrapassá-la para que ela não seja maior do que as possibilidades que você tem no momento. Acho que operadores políticos experiente como os que estão no Planalto hoje saberão ver isso. O que, do lado de fora, a gente quer ver com a economia é uma visão, um plano maior, isso não está muito claro ainda.
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