08/07/2016 - 20:00
Na última semana, a cidade de São Paulo sediou três importantes encontros de integrantes do governo Michel Temer com empresários e investidores. Em todos os eventos, a DINHEIRO constatou que o ânimo do setor privado vem melhorando conforme a equipe econômica sinaliza medidas na direção correta de reequilibrar as contas públicas. Além disso, é nítido que os representantes do PIB aplaudem duas características do novo governo que inexistiam na administração Dilma Rousseff: a capacidade de dialogar e a disposição em privatizar.
Juntas, elas criam as condições ideais para a atração de investimentos num contexto em que os cofres públicos estão à míngua e, de quebra, enterram uma visão equivocada dos partidos de esquerda de que o capital privado é maléfico à sociedade. Sob o lema “privatizar tudo o que for possível”, o presidente da República tem instruído sua equipe ministerial a ouvir os pleitos e convencer o setor produtivo a desengavetar projetos e comprar ativos públicos.
“Ter lucro não é pecado”, afirmou Temer, na segunda-feira 4, para a satisfação de 1.200 empresários presentes ao Global Agribusiness Forum 2016, na capital paulista. Nas últimas campanhas presidenciais vencidas pelo PT, o tema privatização foi demonizado. Nos debates televisivos, os candidatos tucanos sequer tentaram defender o legado do governo Fernando Henrique Cardoso nas telecomunicações (a privatização do Sistema Telebrás) com medo de perder votos.
Virada a página da miopia ideológica, o novo governo tem a oportunidade de se livrar de uma série de ativos que, na maioria dos casos, são mal administrados, causam prejuízos ao erário e são focos de escândalos de corrupção. “Pior ou tão grave quanto a corrupção é a influência política que ocorre nas estatais”, afirma Luís Braido, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Basta ver o que aconteceu na Petrobras, durante o governo Dilma, com o congelamento de preços da gasolina por motivos eleitorais.”
O Plano Temer, que prevê arrecadar mais de R$ 30 bilhões com privatizações, concessões e outorgas, será detalhado no fim de agosto, após a votação final do impeachment. Trata-se de uma cifra relevante para um rombo nos cofres públicos estimado em R$ 170 bilhões neste ano e em R$ 139 bilhões no ano que vem, conforme anúncio feito pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na noite da quinta-feira 7. A privatização total da Petrobras, no entanto, está descartada.
Na avaliação dos especialistas, é mais fácil a estatal se desfazer de alguns ativos como 50% da BR Distribuidora, que renderia cerca de R$ 15 bilhões, e sua fatia de 21,9% na Liquigás, estimada em R$ 1,5 bilhão pelo mercado. “A rigor, o governo deveria privatizar tudo”, afirma Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, salientando que a Petrobras é uma “vaca sagrada” (leia entrevista ao final da reportagem). As concessões na área logística – portos, aeroportos, rodovias e ferrovias – e do setor de energia são a prioridade do secretário executivo do Programa de Parcerias e Investimentos, Wellington Moreira Franco.
Na terça-feira 5, Moreira Franco debateu às portas fechadas, em São Paulo, com um grupo de investidores do GRI Club, uma entidade global que reúne líderes dos setores imobiliário e de infraestrutura. Em uma breve explanação à qual a DINHEIRO teve acesso, o secretário criticou as constantes mudanças de regras na véspera dos leilões ocorridas no governo Dilma, do qual fez parte, e afirmou que “a ideologia não pode definir a taxa de retorno” dos investimentos. “Os prazos entre edital e leilão eram muito curtos”, disse Moreira Franco. “Isso causa uma desconfiança.”
Os investidores gostaram da mensagem do governo pró-mercado. “A disposição do secretário executivo, Moreira Franco, para dialogar com as lideranças do setor é um bom indício de que se esboça uma ótica para o avanço em infraestrutura mais em linha com a realidade do mercado”, diz Gustavo Favaron, CEO do GRI Club. “A priorização de investimentos privados é acertada.” Nos próximos meses, o governo pretende lançar os editais de concessão de quatro aeroportos (Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza), que renderão ao menos R$ 4 bilhões em outorgas.
“É bem-vinda a concessão porque, nesse momento, o Estado está sem recursos”, diz Claudio Bernardes, presidente da Ingaí Incorporadora e conselheiro do Secovi-SP. “Além disso, está clara a ineficiência do setor público em tocar as obras de infraestrutura.” A equipe econômica, liderada pelo ministro Meirelles, já bateu o martelo sobre algumas questões. Uma delas é retirar a exigência de a Infraero entrar nas concessões com participação de 49%, como ocorreu nos aeroportos leiloados no governo Dilma.
Estuda-se também a venda de algumas fatias da estatal em Cumbica, Galeão, Viracopos, Brasília e Confins. “Não teve nenhum sentido a Infraero participar com 49% nos consórcios e ser obrigada a aportar recursos”, afirma Sérgio Lazzarini, professor do Insper. “Foi uma bobagem fenomenal”. Sem dinheiro em caixa, o governo também não pretende colocar mais o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para tocar obras em trechos que serão concessionados.
Em projetos em que o modelo de concessão não for viável, a equipe econômica pretende propor Parceria Público-Privada (PPP). “As PPPs conseguem aliar a eficiência do setor privado ao controle do setor público”, diz Marco Antonio Saltini, executivo da MAN Latin America e vice-presidente da Anfavea, a associação que representa as montadoras. “E, no final, o governo ainda arrecada mais impostos.”
PAPEL DO BNDES Um ponto que ainda causa dúvidas nos investidores é o fôlego do BNDES nos financiamentos das obras num contexto de encolhimento do banco. “O BNDES deve atuar de forma decisiva em algo que é crucial, que é o processo de concessões e a retomada das privatizações”, afirmou Meirelles no mês passado, durante a posse de Maria Silvia Bastos Marques na presidência do banco.
Em nota à DINHEIRO, a diretoria do BNDES afirma ter o compromisso de “liderar um processo mais amplo de concessões, parcerias público-privadas e outras formas de desmobilização de ativos” com o objetivo de “liberar o Estado de atividades que poderão ser desenvolvidas de forma mais eficiente pelo setor privado”. Não há informações sobre os financiamentos com taxas subsidiadas. Na avaliação dos defensores da privatização, o governo Temer também precisa resgatar a força fiscalizadora das agências reguladoras, que foram aparelhadas nos últimos anos.
“É fundamental sanear todas as agências”, diz Antenor Barros Leal, ex-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro e conselheiro do Instituto Millenium, um think tank carioca que debate a economia de mercado. Para atingir ou superar a marca dos R$ 30 bilhões, a equipe econômica estuda abrir o capital (IPO) da Caixa Seguridade, que poderia render até R$ 15 bilhões ao erário. Estão descartadas a privatização e a abertura de capital da Caixa, que poderá ter um sócio específico para as Loterias Instantâneas, vendendo 51% das suas ações.
No caso do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), o IPO previsto para setembro pode render R$ 1,9 bilhão para a União. Como essas operações dependem diretamente do apetite dos investidores no mercado de ações, a equipe econômica monitora com lupa a Bolsa de Valores de São Paulo para detectar o melhor momento. A oportunidade de reforçar o caixa não está restrita à União. Vários governadores avaliam vender ativos em diversos setores para sair da penúria fiscal. Há algumas semanas, quando houve a renegociação das dívidas dos Estados, o ministro Meirelles pediu empenho nessas privatizações.
Na área de energia, os governos de Goiás (Celg D), do Rio Grande do Sul (CEEE e Sulgás) e Minas Gerais (Cemog e Gasmig) pretendem vender ativos. Em saneamento, o mercado está de olho em oportunidades no Rio de Janeiro (Cedae) e no Espírito Santo (Cesan). Já no mercado bancário, há a possibilidade de o Rio Grande do Sul (Banrisul) e o Distrito Federal (Banco de Brasília) abrirem mão de seus ativos. “Em São Paulo, por exemplo, o gás foi privatizado e nunca mais houve reclamação”, diz Leal, do Instituto Millenium, se referindo à venda da Comgás em 1999. “Os serviços melhoram e a população aplaude.”
Na maioria dos governos, o tema privatização sofre muita resistência. Segundo os especialistas, a culpa é do apadrinhamento político nas empresas. O raciocínio é simples: quanto mais estatais, maior a quantidade de cargos a serem preenchidos. “Não existe privatização sem a vontade política do presidente da República”, diz Luiz Chrysóstomo, diretor da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e diretor da Casa das Garças, instituto que promove debates econômicos. “Por isso, a disposição do presidente Temer é muito positiva.”
Chrysóstomo trabalhava no BNDES no início da década de 1990 quando o governo Fernando Collor elaborou o Programa Nacional de Desestatização. A partir daquele período, empresas como Vale, CSN, Usiminas e Embraer foram vendidas. Nas mãos do setor privado, essas companhias cresceram muito, ganharam fatia nos seus respectivos mercados, geraram lucros e, consequentemente, pagaram um volume muito maior de impostos. Ou seja, os cofres públicos ganharam duas vezes: no valor da venda do ativo e nos impostos arrecadados posteriormente a partir de um desempenho melhor da empresa.
“Há falta de dinheiro nos entes públicos para investimento”, diz José Luiz Rossi, presidente da Serasa Experian. “Ou espera o setor público ter dinheiro ou procura o setor privado, que é a melhor alternativa.” Para o êxito da gestão privada nas estatais, é fundamental que o governo abra mão do controle acionário, permitindo mudanças profundas dentro da companhia. Já os críticos do Plano Temer ressaltam que o País perderá dinheiro se privatizar suas estatais num ambiente de crise econômica, que já desvalorizou os ativos em geral.
Sendo assim, o professor Braido, da FGV, sugere que o governo venda uma fatia de 51% e fique com os 49% restantes, aguardando uma valorização no futuro. Já no caso das concessões de infraestrutura, o investidor costuma olhar mais para o futuro. “Ninguém compra uma empresa pelo que ela vale hoje, mas pelo retorno no longo prazo”, diz Chrysóstomo. Com tantos benefícios à economia, à sociedade e ao próprio governo, as privatizações ganham cada vez mais aliados. “Um grande mal que o Brasil acumulou ao longo dos anos foi o tamanho do Estado”, diz Carlos Tilkian, presidente da indústria de brinquedos Estrela.
“À medida em que haja incentivo às privatizações e uma menor presença do Estado na economia, o País só tende a melhorar.” Com mais recursos em caixa e menos estatais para cuidar, o poder público poderá focar sua atenção nas reais prioridades. Quais são elas? Uma pesquisa feita pelo Ibope, antes da última eleição presidencial, mostrou que a população brasileira quer que os seus governantes cuidem da saúde (49%), da segurança pública (31%) e da educação (28%).
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Choque privado
Saiba por que a privatização gera benefícios à economia, à sociedade e ao próprio governo
Caixa reforçado: a venda de ativos e os valores pagos pelas outorgas das concessões entram como receita nos cofres dos governos, viabilizando mais investimentos públicos
Máquina enxuta: a privatização de estatais e a concessão de serviços públicos reduzem a quantidade de funcionários públicos, diminuindo os gastos com folha de pagamento
Arrecadação de tributos: nas mãos da iniciativa privada, os negócios que eram estatais ganham produtividade, aumentam seus lucros e, consequentemente, pagam mais impostos ao governo
Blindagem política: a privatização de estatais reduz o espaço para indicações de apadrinhados políticos
Qualidade dos serviços: nas mãos da iniciativa privada, há mais investimentos e a prestação dos serviços públicos melhora, com efeitos benéficos para a população
Foco no essencial: ao abrir mão de determinados negócios, o poder público pode cuidar do que realmente é prioridade, concentrando esforços no seu plano de governo
Combate à corrupção: um ato de corrupção só existe se houver um agente público. Ao privatizar uma estatal, o problema diminui
Impulso econômico: as privatizações e as concessões atraem capital estrangeiro ao País, movimentando a economia
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“O GOVERNO DEVERIA PRIVATIZAR TUDO”
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda
O sr. aprova o plano do governo Temer de privatizações?
Essa é uma das grandes notícias do momento. O governo tem mostrado que vai fazer o programa de uma forma séria, competente e com regras claras.
Quais ativos o governo deveria privatizar?
Eu tenho uma visão radical sobre esse processo. Não há mais no Brasil justificativa econômica, social e política para a presença do Estado na atividade econômica. A rigor, o governo deveria privatizar tudo. Temos empresários e mercado de capitais capazes para absorver esses ativos, mas reconheço que não é a realidade em alguns casos.
Em quais?
O brasileiro ainda não comprou a ideia de que a Petrobras possa ser privatizada. Mesmo que se diga que a Petrobras, se fosse privatizada, não teria sido vítima do maior escândalo de corrupção do País. A Petrobras é uma das vacas sagradas. Outra é o Banco do Brasil, que funcionaria muito melhor se fosse um banco privado.
Vale a pena vender ativos num momento de crise econômica?
O momento fiscal é grave e a relação dívida/PIB caminha para 100%, um desastre. Por isso, a desmobilização de ativos é urgente e não pode esperar um momento econômico mais favorável.
Qual deve ser o papel do BNDES nas concessões de infraestrutura?
No governo Dilma, buscou-se a menor tarifa a qualquer custo. Para isso, o governo compensou as empresas concessionárias com rios de dinheiro do BNDES a juros subsidiados. O correto é o banco ser provedor de apenas uma parte do financiamento, eliminando-se a generosidade dos subsídios.