No início dos anos 1980, Valdeni Rodrigues trabalhava como office-boy em uma empresa do bairro da Penha, na Zona Leste de São Paulo. Muitos documentos tinham de ser entregues e despachados em bancos no centro da capital paulista. Praxe à época, recebia auxílio de amigos e funcionários desses locais para não ficar em filas. Com a sobra do tempo, frequentava os famigerados, (leia-se notáveis), fliperamas. Aquele garoto estudou. Formou-se administrador de empresas pelo Mackenzie, especializou-se em marketing pela ESPM e fez MBA em gestão empresarial pela FGV. Atuou em empresas de tecnologia como Cognos, IBM, MSC Software e PTC antes de assumir como CEO da brasileira TecToy em novembro de 2019. Hoje, o menino que reinava no joystick e nos botões dos flippers comanda uma nova fase da empresa, para retomar a relevância daquela que já foi a maior fabricante de brinquedos eletrônicos do País.

A companhia acaba de relançar o Atari em sua versão Flashback X, réplica em menor escala do icônico modelo Atari 2600, com 110 jogos embutidos – alguns deles Valdeni Rodrigues jogava nos fliperamas paulistanos quatro décadas atrás. Essa iniciativa da companhia é apenas uma das várias frentes de um investimento de R$ 200 milhões que tem ainda um novo portfólio de produtos nos segmentos de telefonia, gamer, áudio e, principalmente, a entrada no mercado de automação com produtos baseados em Inteligência Artificial e IoT para o chamado comércio 4.0. “No nosso trabalho existe o lado afetivo e emotivo, mas tem efetivamente o lado profissional, de revitalizar a marca e a empresa”, afirmou Rodrigues à DINHEIRO. “A TecToy está de volta.”

De fato, trata-se de um retorno da empresa que foi do sucesso ao fracasso. Criada em 1987, a TecToy lançou dois anos depois seu primeiro videogame, o Master System. O auge foi no início da década de 1990, quando assumiu a liderança na fabricação de brinquedos eletrônicos e investia US$ 10 milhões anuais em propaganda. Com a crise asiática de 1997, a empresa – que tinha como uma das principais parcerias a japonesa Sega – balançou. Tomou calote de varejistas como Mappin e Mesbla e entrou em declínio.

VENDAS DIRETAS TecToy já possui 15 lojas próprias pelo Brasil e outras 11 serão inauguradas até o fim do ano. E-commerce teve mudanças. (Crédito:Divulgação)

Para tentar recuperar o fôlego, aventurou-se no ramo de DVDs, tablets e receptores de TV digital. Chegou a lançar um console próprio, o Zeebo, em uma joint venture com a Qualcomm. Um fiasco que só aumentou o problema financeiro da companhia. Uma das últimas apostas para reassumir o protagonismo foi apelar para a nostalgia. Em 2017, quando completou 30 anos, lançou o Atari Flashback 7, o Mega Drive e o Pense Bem, produtos que fizeram sucesso anos atrás. Também não deu certo. O prejuízo naquele ano foi de R$ 21,5 milhões. No ano seguinte, quando fechou com R$ 2,2 milhões no negativo, a TecToy saiu da bolsa de valores após 25 anos de seu IPO.

Não havia muitas alternativas para Stefano Arnhold, cofundador e então presidente da empresa. Era fechar as portas ou vender. Vendeu para um grupo de investidores. Em 2019, quando Valdeni Rodrigues assumiu como CEO da TecToy, encontrou situação de “terra devastada”. Eram 35 funcionários, com a fábrica de Manaus obsoleta e praticamente parada.
O faturamento de R$ 3,5 milhões não pagava as contas. O jogo ficou sério para o executivo. Com experiência nos fliperamas e “algumas encrencas” resolvidas na bagagem profissional, colocou em prática um plano que até agora injetou R$ 200 milhões em melhorias e vem surtindo efeitos. A receita passou para R$ 26 milhões em 2020. E, apenas no primeiro semestre deste ano, as vendas já somam R$ 270 milhões.

ESTRATÉGIA A primeira iniciativa foi modernizar o parque fabril de Manaus. Também começou a fabricar alguns produtos na cidade de Cotia, em São Paulo. Paralelamente, reformulou o portfólio e dividiu as linhas de negócio em três pilares. Um deles é o gamer, que inclui os consoles do Atari, Master System e Mega Drive, além de acessórios como mouses, teclados e joysticks. Nessa área, a empresa busca licenciamento para fabricar outros videogames, sempre na vertente retrô, sem bater de frente com as vedetes PlayStation (Sony) e Xbox (Microsoft). “Não adianta brigar com os gigantes. Sabemos nossa história e nosso DNA”, afirmou Rodrigues.

TELEFONIA Na linha de eletrônicos, destaque para o smartphone com 128 GB de armazenamento e fones de ouvido sem fio. (Crédito:Divulgação)

O segundo pilar é o de eletrônicos. Nele, o principal produto é o smartphone TecToy On, lançado no final do ano passado. Os parceiros são a TCL e Alcatel e a previsão é colocar no mercado novos modelos no início de 2022. Esse setor da companhia ainda tem caixas de som, headsets, smartwatch e babás eletrônicas. Esses dois pilares têm apoio de um e-commerce remodelado e das lojas físicas. Até agora, foram abertas 15 e já estão contratadas outras 11.

O terceiro e principal pilar, responsável pela alavancagem da TecToy, é o de automação comercial com produtos baseados em IA e IoT. Para isso, tem parceria da chinesa Sunmi. Já estão certificados cerca de 40 produtos para o mercado varejista, desde equipamento para ponto (PDV) tradicional e quiosques para self checkout, até terminais de pagamentos inteligentes. “É brincadeira de gente grande, onde está nosso maior faturamento”, disse o executivo.

Para Luís Bonilauri, diretor-executivo de Mídia e Entretenimento da Accenture na América Latina, a TecToy traça uma estratégia importante para seu reinício. “O mercado de games está em alta, o que demanda a compra de aparelhos e devices específicos. É uma marca conhecida e a ampliação de portfólio é um caminho interessante.” Como em um jogo, a TecToy avança de fase. Cada uma mais difícil do que a outra. E, claro, às vezes volta ao começo.